Ziquizira Brasilis – artigo de Marli Gonçalves

Eles sempre existiram. Mas agora andam saindo das tocas inclusive de dia, atrás de comida para alimentar seus instintos torpes. E a comida deles – infelizmente – é a nossa liberdade, os princípios democráticos, a alegria. Não dá para calar porque a situação esquisita está numa crescente. Homens e mulheres cheios de ódio que parece estão gostando de nos irritar devem ser iluminados urgentemente. Não resistirão se formos firmes. Voltarão para as suas profundezas.

Quer chamar atenção? Coloca uma melancia no pescoço! Capaz até de a gente achar engraçadinho porque pelo menos seria inofensivo. Mas não são nada inofensivas e nem brincadeiras as ações que temos presenciado espocar aqui e ali e que têm aumentado a frequência de uma forma preocupante. Do que vivem? Como conseguem dormir? Quem lhes deu tamanha ignorância e tanta ousadia? Onde estão os criadouros que os fermentam?

Tenho muito ouvido falar que é culpa da internet, das redes sociais que dá voz aos idiotas. Verdade. Dá mesmo. Mas encafifei que acabamos generalizando muito e o que é essencial nos escapa. O que temos de fazer é buscar os ninhos, os ovos de serpente chocados. Tipo localizar quem é a abelha rainha, a formiga mãe, o macho dominante. Quem é o enrustido problemático, o mentecapto cafajeste, o religioso doente, a mente do Mal. Nesses ninhos reside o mal que alimenta os boquirrotos, que comem as minhocas que lhe são servidas e as regurgitam nas redes. Esses são bem reais, orgulham-se de seus pensamentos e ações torpes, adoram dar entrevistas, aparecer na foto – e sempre com suas segundas intenções, acreditem.

Vergonha. Quantas vezes esses últimos dias li amigos meus falando que estavam com vergonha por conta de acontecimentos armados por essa gente nefasta. Vergonha! Vergonha do Brasil. De ser brasileiro, do papelão. Pior é realmente ruborizar e querer morrer diante das insanidades. A filósofa perseguida como bruxa, queimada como boneca, escorraçada no aeroporto. O cantor com cabelinhos de caracol, símbolo de uma era e da qualidade de nossas criações, achincalhado, tachado e #hashtagueado como pedófilo. Uns deputados obscuros e obscurantistas querendo levar à força um artista para depor lá no picadeiro deles – coitado, já pensaram você ser obrigado a ficar lá ouvindo e sendo agredido por aqueles “pelasaco”? Pelasacos são muito chatos. Os nossos, então, ainda por cima são muito burros.

Que dizer dos que, além de não nos deixarem andar para frente, com as mulheres decidindo o que fazer com seus corpos e úteros, quererem proibir o aborto das meninas e mulheres estupradas? Só pode ser gente muito ruim e sem sensibilidade para também querer ver nascer uma criança sem cérebro.

A coisa não pararia aí nos últimos dias. Houve o ápice. O absurdo da divulgação de um vídeo de um ano atrás no qual o mais do que conceituado jornalista William Waack aparece – fora do ar – resmungando e dizendo uma frase, sim, de cunho racista. Mas que é manjada até. E de maneira alguma isso querendo dizer que ele, William, seja racista, até por ser impossível – uma vez que vem de uma família de ascendência de negros; mas nunca fez disso pilar. Pois bem. William Waack foi decepado, decapitado, dissecado e, pior, demitido, desconsiderado. E claro com um monte de gente (até uns bem admiráveis) aplaudindo seu linchamento público em prol de seus ideais supostos politicamente corretos – ah, como eles são corretos! Só eles são os bons, os puros. Pior ainda descobrir a origem, que isso foi arte de dois jovens cheios de dreads, blablabá, piriri pororó! Justiceiros… Dá até palpitação. Pavor.

Mas devemos ter pisado muito no pescoço do padre e estamos pagando por isso. Para finalizar o coreto apareceu o conhecido designer austríaco Hans Donner querendo, sim, falando sério, com gente aplaudindo, mudar a bandeira do Brasil. Legal, né? Querendo acrescer a palavra amor. Ficaria Amor, Ordem e Progresso na tira, no arco central que mudaria a posição para ascendente, ao contrário da forma atual. O verde seria degradê. O amarelo. Digamos que é uma coisa super simples de ser desenhada, reproduzida… Degradê. Degradê! Um veeeeerde… Amareeeelo. Não é genial? As estrelinhas ficariam ali mesmo onde estão.

Vocês também não gostariam de dar um golinho nessa bebida que ele sorve?

Que o Brasil está precisando de Amor, não há dúvida. Que as bandeiras brancas hasteadas que já deveríamos estar fazendo tremular nas ruas deveriam trazer amor estampado, não há dúvida.

As coisas estão tão esquisitas que só pode estar havendo uma epidemia de ziquizira. Ziquizira Brasilis, suco de nossas jabuticabas.

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Marli Gonçalves

Jornalista formada pela FAAP, em 1979. Diretora da Brickmann&Associados Comunicação, B&A. Tem 40 anos de atuação na profissão, com passagens por vários veículos, entre eles Jornal da Tarde, Rádio Eldorado e revista Veja. Na B&A, além de assessoria de imprensa e consultoria de comunicação, especializou-se em gerenciamento de crises, ao lado de Carlos Brickmann, com quem trabalha desde 1996. Também é editora do Chumbo Gordo, site de informações da B&A. Mantém, ainda, o blog particular Marli Gonçalves (http://marligo.wordpress.com). Desde 2008, escreve semanalmente artigos e crônicas para inúmeros jornais e sites de todo o país sobre comportamento, feminismo, liberdade e imprensa. Entre suas atividades na área de consultoria, comunicação empresarial e relações públicas foi de 1994 a 1996 gerente de imprensa da multinacional AAB, Hill and Knowlton do Brasil (Grupo Standard, Ogilvy & Mather). Participou de várias publicações e veículos, entre eles, Singular & Plural, Revista Especial, Gallery Around (com Antonio Bivar), Jornal da Feira, Novidades Fotóptica, A-Z, Vogue. Na área política, foi assessora de Almino Affonso, quando vice-governador de São Paulo, e trabalhou em várias campanhas, entre elas, de Fernando Gabeira e Roberto Tripoli.

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