Aos 86 anos de idade, Zuenir Ventura mantém alguns dos velhos hábitos. Logo cedo, enquanto toma café da manhã, lê o jornal do dia, na versão de papel. Confessa, porém, que diferentemente de outros tempos, os livros têm se acumulado pela casa. “Tenho lido muito menos do que gostaria. Por causa da ABL [Academia Brasileira de Letras, que desde 2015 tem Zuenir como imortal da cadeira 32], recebo muitos livros e não dou conta”, diz o homenageado do 13º Congresso da Abraji.
A homenagem ao imortal coincide com o 50º aniversário de 1968, o “ano que não terminou”, retratado em sua mais conhecida obra. Quando questionado sobre qual a principal mudança no jornalismo de lá para cá, o colunista d’O Globo responde sem titubear: o surgimento da internet, que é a “maior revolução nos meios de comunicação deste e do século passado”.
Ao contrário das muitas previsões apocalípticas, ele não acredita que, com a ascensão da internet, as formas impressas de comunicação vão acabar. No máximo, que será necessário achar um outro suporte, que substitua a árvore como matéria-prima.
Para o experiente jornalista, há convergência — e não antagonismo — entre as várias plataformas. “Quando surgiu a televisão, achou-se que ia acabar o rádio, o impresso. Mas não acabou. Cada nova tecnologia exige um aperfeiçoamento da anterior. Antigamente o jornal impresso dava manchetes como “Cai um avião matando 200 pessoas”. Hoje esse trabalho não cabe mais ao diário, mas às mídias eletrônicas”, aponta.
Zuenir considera que a internet não carrega a credibilidade que o jornalismo tem e, por isso, não o substitui. Para exemplificar, aponta para Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, que está no centro de polêmica sobre privacidade após divulgação de vazamento de informações pessoais dos usuários de sua rede social. “Quando o Zuckerberg precisou fazer um mea culpa pelo vazamento criminoso, ele recorreu à credibilidade do jornal impresso e publicou anúncios de páginas inteiras nos principais jornais dos EUA e da Inglaterra”, diz.
Por sua credibilidade, o jornalismo é “instrumento fundamental” da democracia, que não existe dissociada da imprensa livre, diz. Para ele, o jornalista não pode ser juiz ou promotor. “Não viemos à Terra para julgar, nem para prender ou condenar, viemos para olhar e depois contar”, afirma. Segundo Zuenir, o jornalista deve ser um fiscal de todos os poderes, tanto políticos quanto econômicos e a crítica não pode escolher alvos. “Nós somos testemunhas de nosso tempo, uma testemunha crítica, não necessariamente de oposição, mas implacavelmente crítica”, completa.
Para ele, as chamadas “fake news” carregam uma contradição já no termo. “Não existe notícia falsa. Ou é notícia ou é não notícia. Sempre existiu não-notícia, mas hoje, em um tempo de muita velocidade e exposição, está mais visível”, afirma.
Para combater esse fenômeno, o caminho é a apuração, a verdade. “Ao contrário do tempo da ditadura, hoje temos informação demais. Mas informação demais é ruído. O desafio é dar conta do fluxo. O trabalho [do jornalista] hoje é de entender o que está acontecendo e tentar explicar para o leitor”, aponta Zuenir.
Para ele, o furo, o flagrante, são apenas o ponto de partida de uma apuração e é preciso ir “além do Google”. “Uma amiga minha, atriz, reclamou que os repórteres hoje já chegam com a matéria pronta, só querem uma aspas. Mas nada substitui o olho no olho. Muitas vezes, o silêncio em uma entrevista fala mais do que as palavras”, afirma.
O autor de “1968, o ano que não terminou” aponta Luiz Garcia, ex-editor de Opinião d”O Globo e falecido no início deste mês, como seu grande mestre. “Eu fui foca do Garcia na Tribuna de Imprensa. Ele era até mais novo do que eu, mas foi fundamental na minha formação. Não conheço texto melhor do que o dele”, conta Zuenir.
Aos que estão começando na profissão, tal como ele no início dos anos 1960, o jornalista aponta um ponto principal: ser humilde. “O jornalismo exige a humildade como necessidade, não como virtude. Um dia você pode dar um furo, no outro, pode tomar um. O fato de dominarmos a informação leva a arrogância do saber. Não pode achar que já sabe de tudo”, afirma Zuenir. Além disso, diz que é preciso ter certeza que gosta da profissão. “Todo mundo acha que pode ser o Bonner. A profissão é muito glamourizada, mas tem que ralar”, lembra.
A sessão solene de homenagem a Zuenir Ventura, com exibição de mini-documentário da Abraji sobre o repórter, ocorrerá em 28 de junho, a partir das 16h30, na Universidade Anhembi Morumbi, unidade da Vila Olímpia, em São Paulo.
Repórter: Rafael Oliveira