A “inédita crise” da Folha de S. Paulo em quatro fatos:
- Publicação do artigo “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo”, do antropólogo Antonio Risério;
- Liderado por mais de 200 jornalistas, abaixo-assinado critica o texto de Risério e acusa o comando editorial da Folha de S. Paulo de dar espaço para a “publicação recorrente de conteúdos racistas”;
- Em resposta à carta dos jornalistas, o diretor de redação da Folha, Sérgio Dávila, afirma que o texto em questão é “parcial” e apresenta “acusações sem fundamentos” contra a empresa de mídia;
- Artigos e mais artigos são publicados na própria Folha sobre o assunto. O advogado e colunista Silvio Almeida, por exemplo, classifica a postura de Dávila como “jornalismo suicidiário”. A escritora Marilene Felinto afirma que o centenário jornal “envelheceu mal” e pede pessoas negras em cargos de direção da publicação.
Tal sequência de fatos fez o ombudsman da Folha de S. Paulo também se manifestar a respeito. Em sua coluna divulgada no último domingo, 23, José Henrique Mariante classifica a situação como de “inédita crise” enfrentada pelo jornal controlado pela família Frias.
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E, na visão do ombudsman, trata-se de uma “inédita crise” que não será tão facilmente resolvida. “É difícil, no entanto, encontrar algo parecido na história recente da Folha. Muitas disputas entre repórteres e redatores e o comando do jornal aconteceram, porém nunca de maneira tão explícita e ruidosa. O jornal adora abrigar uma polêmica, costuma-se dizer. A verdade é que ele próprio virou uma”, escreveu Mariante.
[Risério] vem se notabilizando como mero polemista, não apenas na Folha, mas também em outros veículos
Ao longo de seu texto, o ombudsman define a postura de Dávila diante do caso como “reação dura”, sugere a abertura para mais profissionais discutirem a questão racial nas páginas do jornal e tece críticas diretas a Risério. “[Ele] não parece ser a única voz crítica ou a mais importante. Pelo contrário, vem se notabilizando como mero polemista, não apenas na Folha, mas também em outros veículos, como o Estadão, onde igualmente obtém espaço frequente”, avaliou.
“Inédita crise” na Folha: ombudsman critica a edição e o presidente Bolsonaro
Sem afirmar categoricamente que a Folha não deveria publicar o artigo em questão de Antonio Risério, José Henrique Mariante cobrou por “antídotos” que deveriam ocorrer antes da divulgação do texto. Nesse sentido, ainda apontou que o caminho deveria ser publicar simultaneamente análise que fosse no caminho oposto do antropólogo na questão do racismo.
Na parte em que define a carta dos mais de 200 jornalistas como reflexo da diversidade que o comando do veículo tenta implementar em sua redação no decorrer dos últimos anos, o ombudsman avisa que o manifesto não poderia ser encarado como ação contra divulgação de pensamentos diferentes. E aproveitou para criticar o presidente da República. “Opô-lo simplesmente à liberdade de expressão é se deixar cair em armadilha, dessas que figuras como Bolsonaro adoram instalar em redes sociais.”
Sobre a “inédita crise”, Mariante pede, por fim, cautela aos envolvidos. “A Folha tem uns tantos [de nós] para desatar. É preciso calma.”