Portal Comunique-se

Jornalistas da Folha se manifestam contra “publicação recorrente de conteúdos racistas”

Jornalistas da Folha se manifestam contra “publicação recorrente de conteúdos racistas”
Artigo de Antonio Risério motivou carta de jornalistas contra a direção da Folha de S. Paulo. (Imagem: reprodução/Twitter)

Grupo composto por 186 profissionais envia carta à secretaria de redação e ao conselho editorial do jornal

Compartilhe
nutra brasil - topo mega banner

Mais de 100 jornalistas da Folha de S. Paulo se uniram para, publicamente, criticar a conduta adotada pela direção da… Folha de S. Paulo. Em carta aberta enviada à secretaria de redação e ao conselho editorial do próprio veículo de comunicação, 186 profissionais criticaram o que definiram como “publicação recorrente de conteúdos racistas”. O grupo se diz preocupado com tal postura adotada pelo comando do jornal.

Leia mais:

Na carta, os jornalistas revelam que a manifestação se deu por causa da divulgação do artigo intitulado “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo”. Assinado pelo escritor Antonio Risério, o conteúdo foi publicado no último domingo, 16, chegando a ser compartilhado no perfil da Folha no Twitter, além de ganhar espaço na home do site do título.

O artigo de Risério não foi, no entanto, o único ponto mencionado no manifesto dos 186 jornalistas da Folha. O material entregue à direção do jornal afirma que colaborações de Leandro Narloch e Demétrio Magnoli já vinham cumprindo o papel de, segundo afirmação da carta, propagar “falácias e distorções” que “negam ou relativizam o caráter estrutural do racismo na sociedade brasileira”.

Com esses três articulistas mencionados, a carta em tom de repúdio à direção da Folha de S. Paulo questiona a estratégia por trás da veiculação de conteúdos desse tipo. O grupo indica, nesse sentido, que o objetivo da empresa de mídia seria meramente ganhar repercussão e audiência por meio de tais “polêmicas”.

Vai na contramão de esforços importantes para enfrentar o racismo institucional dentro do próprio jornal

“Acreditamos que esse padrão seja nocivo. O racismo é um fato concreto da realidade brasileira, e a Folha contribui para a sua manutenção ao dar espaço e credibilidade a discursos que minimizam sua importância”, afirmam os 186 jornalistas da publicação. “Dessa forma, vai na contramão de esforços importantes para enfrentar o racismo institucional dentro do próprio jornal, como o programa de treinamento exclusivo para negros”, prosseguem, em trecho do manifesto.

No caso do mencionado artigo de Risério, a própria Folha pulicou pelo menos outros três conteúdos relacionados ao tema. Primeiramente, em tomo de reportagem, afirmou que o texto questão provocou protestos. Depois, abriu espaço para dois artigos funcionarem como “respostas” ao escritor. Natália Silva, repórter da própria Folha, ironizou o que definiu como “privilégio negro“. O humorista — e colunista do jornal — Gregório Duvivier afirmou, por sua vez, que Risério defenderia o “racismo antibranco como um tio do Zap“.

antonio risério - carta contra conteúdos racistas na folha
O escritor Antonio Risério. (Imagem: reprodução/YouTube)

Pode relativizar o racismo?

Em outro ponto do documento, os jornalistas analisam a conduta do veículo de comunicação em relação a outros assuntos. Afirmam, por exemplo, que o jornal não costuma dar espaço para textos que relativizam o Holocausto, “nem dá voz a apologistas da ditadura, terraplanistas e representantes do movimento antivacina”. “Por que, então, a prática seria outra quando o tema é o racismo no Brasil?”, questionam.

Ao tomar conhecimento da manifestação liderada por 186 jornalistas, ato que foi divulgado previamente por veículos como Brasil 247 e Poder 360, a reportagem do Portal Comunique-se enviou e-mail ao diretor de redação da Folha de S. Paulo, Sérgio Dávila. Ele não havia se pronunciado a respeito até o momento de publicação desta nota.

Citados nominalmente na carta entregue ao comando da Folha, Antonio Risério, Demétrio Magnoli e Leandro Narloch também não se posicionaram publicamente sobre o assunto — ao menos até o momento da publicação deste conteúdo.

Íntegra da carta enviada à direção da Folha

Leia, abaixo, a íntegra do conteúdo formulado em conjunto por 186 jornalistas da Folha de S. Paulo.

19 de janeiro de 2022

Carta aberta de jornalistas da Folha à direção do jornal

Caros membros da Secretaria de Redação e do Conselho Editorial da Folha,

Nós, jornalistas da Folha aqui subscritos, vimos por meio desta carta expressar nossa preocupação com a publicação recorrente de conteúdos racistas nas páginas do jornal.

Sabemos ser incomum que jornalistas se manifestem sobre decisões editoriais da chefia, mas, se o fazemos neste momento, é por entender que o tema tenha repercussões importantes para funcionários e leitores do jornal e no intuito de contribuir para uma Folha mais plural.

O episódio a motivar esta carta foi a publicação de artigo de opinião intitulado “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo” (Ilustrada Ilustríssima, 16/1), em que Antonio Risério identifica supostos excessos das lutas identitárias, que estariam levando a racismo reverso.

Para além de reafirmarmos a obviedade de que racismo reverso não existe, não pretendemos aqui rebater o que afirma o autor —pessoas mais qualificadas do que nós no tema já o fizeram, dentro e fora do jornal.

No entanto, manifestamos nosso descontentamento com o padrão que vem se repetindo nos últimos meses.

Em mais de uma ocasião recente, a Folha publicou artigos de opinião ou colunas que, amparados em falácias e distorções, negam ou relativizam o caráter estrutural do racismo na sociedade brasileira. Esses textos incendeiam de imediato as redes sociais, entrando para a lista de mais lidos no site. A seguir, réplicas e tréplicas surgem, multiplicando a audiência. A controvérsia então se estanca e morre, até que um novo episódio semelhante surja.

Antes do artigo em questão, colunas de Leandro Narloch e Demétrio Magnoli cumpriram esse papel.

Acreditamos que esse padrão seja nocivo. O racismo é um fato concreto da realidade brasileira, e a Folha contribui para a sua manutenção ao dar espaço e credibilidade a discursos que minimizam sua importância. Dessa forma, vai na contramão de esforços importantes para enfrentar o racismo institucional dentro do próprio jornal, como o programa de treinamento exclusivo para negros.

Reconhecemos o pluralismo que está na base dos princípios editoriais da Folha e a defesa que nela se faz da liberdade de expressão.

No entanto estes não se dissociam de outros valores que o jornalismo deve defender, como a verdade e o respeito à dignidade humana. A Folha não costuma publicar conteúdos que relativizam o Holocausto, nem dá voz a apologistas da ditadura, terraplanistas e representantes do movimento antivacina.

Por que, então, a prática seria outra quando o tema é o racismo no Brasil?

Se textos como o de Antonio Risério atraem audiência no curto prazo, sua consequência seguinte é minar a credibilidade, que é, e deve ser, o pilar máximo de um jornal como a Folha.

Por esses motivos, convidamos a uma reflexão e uma reavaliação sobre a forma como o racismo tem sido abordado na Folha. Acreditamos que buscar audiência às expensas da população negra seja incompatível com estar a serviço da democracia.

Compartilhe
0
0

Anderson Scardoelli

Jornalista "nativo digital" e especializado em SEO. Natural de São Caetano do Sul (SP) e criado em Sapopemba, distrito da zona lesta da capital paulista. Formado em jornalismo pela Universidade Nove de Julho (Uninove) e com especialização em jornalismo digital pela ESPM. Trabalhou de forma ininterrupta no Grupo Comunique-se durante 11 anos, período em que foi de estagiário de pesquisa a editor sênior. Em maio de 2020, deixou a empresa para ser repórter do site da Revista Oeste. Após dez meses fora, voltou ao Comunique-se como editor-chefe, cargo que ocupou até abril de 2022.

nutra brasil - topo mega banner