Carina chegou adiantada no primeiro dia do curso. Tímida, cumprimentou com voz baixa os alunos que estavam na sala de aula à espera do professor, e sentou-se rapidamente, para não fazer alarde. Ansiosa pelo que estava por vir, refletia um misto de medo e entusiasmo. Quase meia hora depois do início da aula, Cláudio adentrou a sala, soltando um ensurdecedor “bom dia”. Tropeçou na mochila de um colega e fez todos da turma perderem o foco de atenção. O professor parou rapidamente sua fala para responder ao cumprimento empolgado do aluno, e soltou uma piada sobre o atraso e a indiscrição do estudante. A sala toda gargalhou.
Cada um se apresentou ao docente. Histórias de vida bastante diversas e apenas uma coisa em comum em vários dos que estavam ali: o sonho de mudar realidades e barrar injustiças através do jornalismo.
Meses depois os focas recebiam seus primeiros textos repletos de correções feitas pelos professores: “Aspas mal editadas!”. “Cuidado com os erros de ortografia!”. “Cadê o ‘o outro lado’ da história??”. “E o sobrenome e o ocupação da fonte??”. “Título não tem ponto final!!”. “Amigo não é entrevistado!”. “Esse lead está pouco atrativo”.
Chocados, muitos saíam cabisbaixos, com o texto praticamente pintado de caneta vermelha. “Será que eu sirvo mesmo pra ser jornalista?”. Esse era o pensamento de muitos.
Mas aos poucos vieram os elogios. A primeira reportagem bem-feita. O documentário que cativou o professor. O texto que emocionou o entrevistado. A fonte difícil que finalmente aceitou conceder a entrevista.
Carina e Cláudio começaram a estagiar. Ela em assessoria de imprensa e ele na redação de um veículo renomado. Ambos comentavam sobre suas experiências em sala de aula e trocavam figurinhas com outros colegas da turma que também já tinham colocado o pé no mercado.
Já não eram os estudantes imaturos dos primeiros dias do curso. Surpreendiam a cada dia os professores com suas conquistas. Mesmo os colegas que ainda não tinham conseguido estágio mostravam-se bem mais confiantes, e recebiam elogios dos docentes por trabalhos e projetos acadêmicos que conseguiram desenvolver com excelência.
Carina perdeu o pai no terceiro ano do curso. Ele queria muito vê-la se formar. Foi um baque, que quase a fez desistir do Jornalismo, mas, por ele e por ela, prosseguiu. Cláudio foi surpreendido com uma doença e chegou a ficar com depressão. Ambos faltaram bastante, tiveram que conversar com os professores. Foi bem difícil manter o estágio e os estudos. Um colega querido da turma faleceu repentinamente, deixando todos arrasados. O episódio fez a sala ganhar uma união que antes não existia. Outro quase parou a faculdade por não ter dinheiro para arcar com a mensalidade. Os alunos da turma fizeram vaquinha e ele continuou. Muitos estudantes desistiram ao longo da jornada por “n” motivos. Não era nada fácil. Alguns pegavam trem, ônibus e metrô, em quase três horas de viagem para vir de outro município para São Paulo. Tudo pelo sonho de estudar.
Eis que chegou o quarto ano e o temido Trabalho de Conclusão de Curso. Carina e seu grupo escolheram produzir uma grande reportagem para revista e Cláudio um documentário. A sensação era de que nada sairia. Parecia impossível conciliar vida pessoal, trabalho e TCC.
Foram cobrados ao extremo dos professores-orientadores. Levaram puxões de orelha no estágio, por terem que se ausentar algumas vezes. Ficaram muitos dias sem poder ter um momento de lazer, e mesmo sem poder dar a atenção devida à família. Empenharam-se ao máximo e agora estavam ali, com a sala repleta de familiares e amigos, à espera de seu julgamento.
Do outro lado, nas cadeiras dispostas à frente da sala, estavam os professores avaliadores. E na cabeça de cada um deles um filme se passava. Era a imagem de Carina, Cláudio e muitos outros colegas entrando em sala de aula. Eram os textos canetados, a primeira entrevista que deu certo, a nota 4,5 em uma prova e o 10,0 em outra. Admirados, os docentes esforçavam-se para não deixar as lágrimas saírem. Era lindo observar os alunos apresentando trabalhos que envolveram grande esforço de reportagem, refletindo brilho e paixão no olhar. Os alunos haviam escolhido temas importantes. Seus TCCs ajudariam a quebrar estereótipos, denunciar injustiças e revelar histórias de vida. Tinham pequenas falhas sim, mas eram grandes reportagens, que poderiam muito bem ser divulgadas nos mais respeitados veículos do país.
Terminada a apresentação, a banca saiu da sala. Era preciso um certo charme antes do anúncio final. Com o coração saindo pela boca, os alunos roíam as unhas e entreolhavam-se sem conseguir pensar em nada a não ser na imagem dos avaliadores voltando para a sala de aula.
O sonoro “APROVADOS” fez a salva de palmas estourar na sala de defesa. Lágrimas escorriam pelos rostos de pais e amigos. A sensação de missão cumprida era enorme não só por parte dos alunos, mas do lado dos familiares e dos professores, que igualmente viam aquelas “crianças” como seus filhos.
O Brasil, tão rico em histórias e também em diferentes problemas e injustiças, ganhava, com aquele “APROVADOS”, grandes jornalistas que certamente darão enorme contribuição à sociedade.
Os alunos saíram abraçados com seus familiares e amigos e foram comemorar a aprovação num restaurante. Os docentes voltaram para a sala dos professores, sentindo-se órfãos de seus “filhos”. Mas no fundo sabiam que em breve veriam os nomes dos pupilos assinando reportagens e projetos de grande repercussão e sentiriam orgulho: “Foi minha aluna!”. “Era um excelente estudante!”. E haveria outras salas de aula, outras Carinas, outros Cláudios, outras emoções.
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