Noto nos outros — e percebo em mim — sinais de envelhecimento na pandemia. Os cabelos ficaram mais brancos e as barriguinhas mais protuberantes. Rugas se acentuaram. Os sorrisos parecem cansados.
É como se o tempo tivesse acelerado a partir de março de 2020 e seus efeitos se fizessem notar de forma aguda, no corpo.
Não se trata de nada fundamentalmente biológico, eu suponho. Sim, muitos deixamos de fazer exercícios e nossa alimentação piorou sensivelmente. Entendo que temos bebido demais, o que talvez faça diferença na saúde e na aparência depois de quase dois anos. Mas, se tivesse que apostar, diria que estamos sofrendo dos males que a pandemia causa na alma. Vivemos sob o peso constante da angústia, há muito tempo.
No início era o medo da doença e da morte que pairava sobre as nossas cabeças. Depois das vacinas, a sensação de ameaça arrefeceu, mas não foi embora. Lidamos com uma excepcionalidade estendida, uma emergência dilatada, um tempo que transcorre, mas não muda.
Tudo isso é agravado pela sensação de que o comando do país está entregue a um sujeito indiferente à morte e ao sofrimento dos outros, um sociopata.
Estamos exauridos pela repetição, irritados e frustrados — Ivan Martins
Sim, há gente se dando emocionalmente bem durante a pandemia, mas são raros e poucos. Os seres humanos que colecionaram encontros afetivos ou acharam o grande amor nas frestas da Covid-19 são vencedores de uma loteria planetária. Para gregos e troianos, a pandemia tem sido um período de solidão e sofrimento.
Muita gente está presa em casa na companhia apenas do computador e do cachorro, pelo terceiro ano consecutivo. Quem tem família não está sozinho, mas percebeu que os prazeres do convívio doméstico têm limites claros. Depois de tanto tempo trancafiados com as mesmas adoráveis pessoas, fazendo as mesmas coisas inevitáveis, estamos exauridos pela repetição, irritados e frustrados. Reagimos nos recolhendo a uma forma peculiar de solidão, que se alimenta do ressentimento dirigido ao outro.
Quando, afinal, parecia que a provação teria fim, aparece a variante Ômicron. Os hospitais estão cheios de novo e as atividades que amamos vão sendo canceladas. Adeus Carnaval 2022! Mesmo o convívio social corriqueiro, que vinha aos poucos retornando, voltou a ser assustadiço e hesitante. Tornou-se coisa arriscada. A gente dá um beijo no filho, abraça a irmã, segura as mãos do amigo usando máscara e, meia hora depois, está coberto de culpa, sentindo que pode ter agido como negacionista irresponsável, um idiota social.
Somos parte involuntária de um grande experimento biossocial sem data para acabar — Ivan Martins
É possível viver assim indefinidamente: trancafiado, amedrontado e ressentido?
Ninguém sabe, mas vamos dando um jeito de descobrir. Aos trancos e barrancos prosseguimos. Somos parte involuntária de um grande experimento biossocial sem data para acabar.
Algumas manhãs são piores que outras, mas estamos vivos e temos uns aos outros. O amor ajuda a suportar e esperar. Amor pelo outro, mas também pela vida e pelas possibilidades que ela oferece. Não a vida de hoje, restrita e limitada, roubada das vivências coletivas e do inesperado dos encontros. A vida que virá depois, quando isto acabar. Quando isto tudo acabar e nós continuarmos vivos — apesar dele.
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Por Ivan Martins, psicanalista e jornalista. No mercado editorial, é autor dos livros ‘Alguém especial’ e ‘Um amor depois do outro’. Contato: ivanhmartins@gmail.com.
Texto publicado originalmente na página editada pelo autor no Facebook.
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