O ano é 2017, mas a história é digna de relatos comuns aos tempos da Ditadura Militar no Brasil. Na última sexta-feira, 28 de abril, quando a principal pauta do dia era a greve geral convocada por centrais sindicais, a redação do Cruzeiro do Sul, impresso centenário sediado em Sorocaba (SP), foi surpreendida pelo promotor de Justiça da Vara da Infância e Juventude local, Antônio Domingues Farto Neto, que comandou um episódio de censura e pautou a edição do dia seguinte do veículo. Além de promotor, Farto Neto é membro do Conselho Consultivo da Fundação Ubaldino do Amaral (FUA), entidade mantenedora do jornal. A denúncia foi feita pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP) e a reportagem do Portal Comunique-se buscou entender o que aconteceu na sede da empresa de mídia.
Fontes informaram à reportagem do Portal Comunique-se que naquela sexta-feira, a redação do Cruzeiro do Sul trabalhava na cobertura da greve, como já estava fazendo ao longo da semana, quando Farto Neto comandou o episódio de censura. O membro do conselho esteve na sede do jornal acompanhado de alguns integrantes de outros conselhos da FUA, entre eles Valdir Euclides Buffo Junior, César Augusto Ferraz dos Santos, Tiberany Ferraz dos Santos e o presidente da FUNDEC, Luiz Antônio Zamuner. Na ocasião, o promotor agrediu verbalmente os profissionais da casa, afirmando que o êxito da greve geral era responsabilidade da cobertura que o jornal Cruzeiro do Sul vinha fazendo.
De acordo com a denúncia do sindicato, o promotor disse que era preciso “limpar o desserviço feito” e criar uma “agenda positiva” e, para isso, era primordial engrandecer o trabalho da Polícia Militar de São Paulo e da Guarda Civil Municipal de Sorocaba. Assim, Farto Neto definiu qual seria a manchete da edição seguinte do impresso. “Paralisação prejudica o trabalhador sorocabano” foi a chamada imposta. Ele ainda determinou as fontes que seriam entrevistadas: o coronel Antônio Valdir Gonçalves Filho, comandante do Comando de Policiamento do Interior (CPI/7), e o atual secretário de Segurança e Defesa Civil de Sorocaba, José Augusto de Barros Pupin.
O caso de assédio e censura aconteceu na ausência de duas importantes peças dentro do Cruzeiro: o editor-chefe José Carlos Fineis – afastado por motivos de saúde – e o presidente do Conselho Administrativo da FUA e diretor-presidente do jornal, José Augusto Marinho Mauad (Gugo), que se licenciou da presidência por alguns dias, passando o bastão para Francisco Antônio Pinto (Chicão). As fontes entrevistadas pela reportagem do Portal Comunique-se contaram que Francisco tinha autonomia para ir contra a situação, mas acabou sendo intimidado de modo que não conseguiu reverter a decisão autoritária do promotor.
A situação pegou a redação de surpresa e, segundo a apuração do portal, todos ficaram estarrecidos. Até o momento, a Fundação Ubaldino do Amaral não se pronunciou sobre o assunto, mas o que se sabe é que a entidade não compactua com esse tipo de acontecimento, sendo, portanto, uma atitude individual e isolada de quem censurou. Os jornalistas do Cruzeiro do Sul, inclusive, sempre puderam trabalhar com total liberdade, sem interferência dos conselhos na cobertura jornalística.
Claro que a situação não passou em branco pela redação. A edição de sábado, 29 de abril, domingo, 30, e terça-feira, 2 de maio, não veiculou o nome dos jornalistas em seu expediente. A decisão de não imprimir os nomes na área reservada aos profissionais foi tomada por todos os comunicadores, que viram na atitude uma maneira de dizer não à censura e ao assédio. Além disso, a medida chamou a atenção de leitores e de outras pessoas para a represália sofrida. Atualmente, a redação do Cruzeiro do Sul tem, aproximadamente, 45 profissionais, sendo 15 deles na reportagem e os demais divididos entre fotógrafos, diagramadores, editores, etc.
A situação atualizada nesta sexta-feira, 5, é a seguinte: os jornalistas voltaram a colocar seus nomes nas reportagens e no expediente. Nesta tarde, uma reunião foi promovida dentro da redação com o objetivo de discutir o ocorrido. O editor-chefe, José Carlos Fineis, e o presidente do Conselho Administrativo da FUA e diretor-presidente do jornal, José Augusto Marinho Mauad (Gugo), retornaram às suas atividades.
A reportagem do Portal Comunique-se tentou ouvir o promotor Antônio Domingues Farto Neto sobre as acusações, porém ele não retornou os contatos até o momento da publicação desta matéria.
Em entrevista ao site O Deda Questão, editado pelo jornalista Djalma Luiz Benette, Farto Neto disse: “ocorre que deliberações estratégicas de Conselho Superior ou de Conselho de Administração de qualquer empresa séria, como é o caso de nosso centenário jornal, não podem e nem devem ser discutidas fora do âmbito interno”.
A entidade responsável pela denúncia lamentou “profundamente que um promotor de Justiça, um homem público e com papel de grande responsabilidade na sociedade, se preste ao papel de intimidar profissionais da imprensa”. Veja, abaixo, o que diz o SJSP:
Diante dos fatos denunciados, o SJSP-Regional Sorocaba lamenta profundamente que um promotor de Justiça, um homem público e com papel de grande responsabilidade na sociedade, se preste ao papel de intimidar profissionais da imprensa.
O SJSP-Regional Sorocaba lamenta também que o coronel Antônio Valdir Gonçalves Filho, do CPI/7, e o secretário de Segurança e Defesa Civil, José Augusto de Barros Pupin, tenham sido coniventes com o assédio moral aos jornalistas.
O SJSP-Regional Sorocaba lamenta que membros da Fundação Ubaldino do Amaral, instituição que tanto se orgulha de promover assistência social em nosso município, tenham praticado e presenciado tamanho desrespeito à liberdade de imprensa.
O SJSP-Regional Sorocaba lamenta que a credibilidade do centenário jornal Cruzeiro do Sul seja prejudicada por essa irresponsável e criminosa atitude e cobra um posicionamento da direção, pois acredita que a sociedade sorocabana e da região tem o direito de saber se teremos um veículo chapa-branca ou se teremos um veículo comprometido com o bom fazer jornalístico, que apura os fatos com isenção política e apresenta os diversos pontos de vista sobre as ocorrências.
Por último, o SJSP-Regional Sorocaba parabeniza o corpo de profissionais de imprensa e o editor-chefe por terem se mantido ao lado do bom fazer jornalístico e do compromisso com a sociedade em veicular informações condizentes com a realidade, mesmo diante de grande assédio e pressão. Parabenizamos a coragem dos jornalistas que não compactuaram com a interferência política violenta e que desde o dia 29 de abril não assinam expediente e matérias no jornal Cruzeiro do Sul.
O SJSP-Regional Sorocaba reconhece também a posição ética e comprometida do diretor-presidente José Augusto Marinho Mauad (Gugo), que desde o dia 29 de abril assina o jornal como diretor-presidente licenciado.
O SJSP-Regional Sorocaba está acompanhando o desenrolar dos fatos dentro do jornal Cruzeiro do Sul e está tomando as medidas necessárias para preservar o emprego e a integridade dos profissionais de imprensa.
O SJSP-Regional Sorocaba espera que esse triste episódio possa ser elucidado, se colocada a disposição das autoridades acima mencionadas para esclarecimentos dos ocorridos e que a FUA tenha a compreensão de preservar os profissionais do jornal e se mantenha ao lado do bom fazer jornalístico.
É fato que a credibilidade do jornal Cruzeiro do Sul está nas mãos dos jornalistas que, sendo o elo mais fraco na relação empregador-empregado, tiveram a coragem de se posicionar contra um feroz ataque à liberdade de imprensa.
Por fim, a sociedade sorocabana está ciente da crise ética instalada no jornal e, conforme o andamento, todos saberão se o Cruzeiro do Sul será um jornal chapa-branca, a serviço de apenas um grupo político e social, ou um jornal a serviço da sociedade.
Diretoria da Regional Sorocaba do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (SJSP).
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