Opinião

Blogueiro critica como jornalistas lidam com a indústria tecnológica

Criador do blog da Scripting News, Dave Winer participou da 20ª edição do Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ). Vindo da área tecnológica, ele aponta que jornalistas precisam evoluir na questão — num mundo cada vez mais digital

Por Allyson Ortegon. Texto publicado originalmente no site do Knight Center for Journalism in the Americas

Depois que o refrão de “Yellow Submarine”, dos Beatles, encheu a sala, Dave Winer, um dos pioneiros dos blogs e editor do blog da Scripting News, criticou os meios de comunicação e os jornalistas na 20ª edição do Simpósio Internacional de Jornalismo Online (ISOJ). O evento foi realizado neste mês, nos Estados Unidos.

Dave Winer encorajou todos a cantar junto com ele. A ideia era “sair de dentro de suas cabeças” e estar prontos a fazer perguntas. O método se mostrou eficaz e a conversa começou com Rebecca MacKinnon, diretora do projeto Ranking Digital Rights e cofundadora do Global Voices. Ela apelidou o entrevistado de “Blogger Número Um”.

O comunicador refletiu sobre como ele não acordou um dia e decidiu lançar um blog. Pelo contrário, foi um processo gradual de muitas decisões ao longo do tempo que o levou a estrear na blogosfera. Começando na indústria de tecnologia, Dave Winer teve muitos contatos em várias conferências e começou sua própria empresa de software no início dos anos 1980. Ele escreveu um texto e enviou e-mails para um grupo de 11 pessoas com reflexões sobre a indústria de computadores.

Da TI à comunicação online

“Era basicamente spam, mas isso foi antes que o spam existisse”, brincou. Ele, então, teve uma epifania: poderia enviar seus próprios pensamentos e opiniões, em vez das análises de outras pessoas. Com esse conhecimento em mente e depois que vendeu sua empresa, Dave Winer começou a avaliar outras empresas de tecnologia e enviar-lhes feedback.

No ISOJ, o blogueiro admitiu que as empresas não seguiram seus conselhos, mas ele acabou recebendo algumas respostas. Seus posts que traziam tanto suas reflexões e as respostas que recebeu levaram a alguma atenção a essa coisa nova que ele estava fazendo. “Isso levou à próxima epifania – uau, isso muda como tudo funciona. Isto é diferente”.

A diferença era que ele podia fazer alguma coisa só porque tinha a ideia, não porque tivesse alguma posição ou meios especiais. Ele escreveu um texto abordando um empreendimento de Bill Gates e recebeu uma resposta do empresário bilionário. “Isso fez a Terra tremer … e continuou crescendo”.

Alvo de preconceitos

Dave Winer apontou que não havia nenhum ponto específico em seus anos de experimentação e de trabalho que ele considerava como o produto final. Mesmo quando o ato de fazer um blog foi entendido e nomeado, não foi este o objetivo final. “É assim que a evolução tecnológica funciona. Você está se sentindo em uma espécie de quarto escuro e está tentando pegar coisas aqui e ali. Se achar que há algo aqui, você vai nessa direção por um tempo”.

Ele acabou adicionando “escritor” a uma lista de credenciais que inclui ter trabalhado para a Wired e ganhado uma bolsa de pesquisa em Harvard, enquanto crescia na indústria de tecnologia. Embora tivesse excelentes credenciais, ele enfrentou um obstáculo que usou para transformar a conversa no ISOJ em uma chamada à ação. O obstáculo envolveu sua experiência com jornalistas. “Meu apelo hoje é que devemos estar trabalhando, devemos colaborar uns com os outros”.

O palestrante disse que essa não foi sua experiência desde o início. Quando se viu trabalhando ao lado de jornalistas, era mais como se eles se sentissem “ameaçados” e tratassem os blogueiros como se eles não tivessem as mesmas qualificações.

Dave Winer durante participação no ISOJ 2019 (Imagem: divulgação)

Mais críticas ao jornalismo

Isso levou a mais críticas a práticas do jornalismo e de jornalistas. Incluindo a frequência com que o Facebook é usado apenas como um método de distribuição, em vez de um local para reunir fontes de seus usuários. “Eles podem não ser blogueiros, mas amam ser fontes. Portanto, devemos expandir nossa visão de onde vamos para encontrar nossas fontes”.

MacKinnon pegou a referência e pediu para Dave Winer expandir sua opinião sobre o Facebook. Embora Winer tenha apontado algumas falhas, ele enfatizou como “o Facebook apresentou um desafio ao jornalismo, ao qual o jornalismo ainda não respondeu”. “Por que você não competiu com eles?”, questionou.

Winer disse que o setor de jornalismo deveria ter tentado criar um modelo competitivo em vez de buscar ganhar dinheiro com o Facebook ou demonizá-lo. O lugar onde a indústria do jornalismo falha e Facebook é bem sucedido é a chance de todos contribuírem para as notícias, de acordo com Winer. Ele disse que os jornalistas agem como se as únicas pessoas que se preocupam com jornalismo são os jornalistas.

Hora de evoluir

“Não há barreiras para entrar lá”, disse Winer. “É por isso que eles ganham dinheiro e, se o jornalismo quiser dinheiro, não virá do Facebook sem contrapartidas. Ele virá com as contrapartidas mais odiosas que se possa imaginar”, opinou.

Dave Winer também pediu que os jornalistas lidem melhor com a indústria de tecnologia. “É chocante para mim como eles entendem tudo errado”, criticou o convidado do ISOJ. Como exemplo, o blogueiro citou a cobertura dos e-mails de Hillary Clinton na eleição de 2016. Considerou que havia coisas que os jornalistas não entendiam, como um servidor de e-mail não ser algo nefasto. A solução que ele ofereceu foi administrar campos de treinamento com jornalistas e especialistas em ciência da computação.

“Está na hora de o jornalismo assumir alguma responsabilidade”, comentou. “Ok, você não tem um diploma em ciência da computação, mas pode ter acertar na sua reportagem”.

Ele concluiu sua participação no ISOJ deste ano com conselhos para jornalistas competirem com o Facebook. Também falou em abrir o jornalismo para as pessoas e reiterou a esperança de que as indústrias de tecnologia caminhem como parceiras. “Temos que trabalhar juntos. Isso é um apelo”.

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Knight Center

O Centro Knight para o Jornalismo nas Américas da Universidade do Texas em Austin é um programa de extensão e capacitação profissional para jornalistas na América Latina e no Caribe. Organiza programas de treinamento que já beneficiaram milhares de jornalistas e professores de jornalismo nas Américas. O Centro Knight também ajudou a criar uma nova geração de organizações jornalísticas independentes. Essas organizações têm desenvolvido programas de treinamento auto-sustentáveis com o objetivo de aumentar os níveis éticos e profissionais do jornalismo, contribuindo assim ao aprimoramento da liberdade de imprensa e da democracia no hemisfério. O Knight Center publica um blog trilíngue em português, espanhol e inglês que cobre temas ligados ao jornalismo e à liberdade de imprensa na América Latina e no Caribe.

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