Como as marcas vão gerenciar o que é “ingerenciável”, controlar o que não está sob seu controle e proteger sua reputação? Einstein disse que são as perguntas que movem o mundo. Pois é disso que trato hoje: de perguntas que movem e inquietam o mundo das marcas. De questões incômodas e definitivamente objetivas. Mas, cujas respostas, em função de sua ambiguidade e possibilidades, me fazem lembrar o conceito de “obra aberta” proposto por Umberto Eco.
Nosso mundo hoje é líquido. Um ambiente volátil, desafiador, em que o propósito de valor atrelado à marca precisa ser tangibilizado – e o é, muitas vezes na figura de uma celebridade, um influenciador.
Quando se fala em branding, inclusive no âmbito do employer branding, é preciso levar em conta tudo que envolve a construção da identidade organizacional, o DNA da marca. Afinal, esse universo simbólico é representado pelas celebridades e influenciadores que vivem no mundo real. E líquido, onde público e privado acabam por se misturar, mesmo que de boa fé, mas de maneira imprevisível e, portanto, sem controle.
Com a amplificação da internet e o poder de distribuição da informação que ela conferiu a esses anônimos, me parece haver uma inversão de papéis, e agora são esses milhares, milhões de internautas anônimos/consumidores que passam a ter o papel de protagonistas no sucesso ou bancarrota de uma marca e não mais a alta direção ou quem quer que fosse responsável pela gestão da marca. Dito isso, volto à minha pergunta inicial: como as marcas vão gerenciar o que é “ingerenciável”, controlar o que não está sob seu controle?
A marca precisa entregar a seu consumidor (e a todos os seus outros públicos de interesse) a promessa feita, seduzindo-o, encantando-o. Isso cria uma relação de confiança entre eles, consolidada por meio de atitudes concretas, como o aval de um influenciador, cujo comportamento e atitude reforçam esse investimento de confiança do consumidor na marca.
Mas, e se essa promessa encarnada, que amplifica a marca entre seus seguidores tem comportamentos dissonantes do DNA da organização, e isso se torna público?
Há poucos dias, o site Propmark postou artigo sobre uma polêmica entre atores globais que acabou por atingir anunciantes; este por sua vez tiveram seus perfis nas redes sociais invadidos por comentários contra a utilização dessas celebridades como embaixadores das marcas.
Mas o incidente está longe de ser o único. Quem não se lembra de Tiger Woods, lenda do golfe, praticamente banido da mídia depois da publicidade negativa causada por seus casos extraconjugais e por dirigir sob efeito de substâncias proibidas? Ano passado, a Folha replicou matéria do The New York Times sobre a volta do jogador e todo o histórico de perda de patrocinadores e retorno deles, somente após cuidadosas pesquisas com consumidores.
Contratar celebridades e usar sua credibilidade em campanhas publicitárias para endossar a marca é uma das ferramentas mais eficientes e usuais desse tipo de simbiose. Mas, como nem tudo são flores, esse benefício pode se tornar um passivo e uma grande dor de cabeça, se o influenciador é acusado de infringir a lei ou se envolve em escândalos.
Não são só as celebridades do mundo do entretenimento que podem provocar uma crise de credibilidade para as marcas de que são embaixadoras. Imagine uma das mais renomadas publicações jornalísticas do mundo, o semanário alemão Der Spiegel, vivendo o que pode ser a maior crise de sua existência, depois que a estrela de seu time, o jornalista Claas Relotius foi desmascarado, acusado de inventar matérias e reportagens. Publicada em fevereiro passado pelo Jornal El Pais, a postagem relata o quanto a fraude pode abalar os alicerces da lendária revista e afastar anunciantes sérios, que não querem suas marcas associadas a esse tipo de exposição.
Um antigo ditado popular diz que o peixe morre pela boca. Não sem razão, vários artistas e influenciadores trataram de revisitar e revisar seus perfis depois da polêmica em torno de um comentário do youtuber Júlio Cocielo considerado racista por grande parte da mídia. Segundo o Observatório da Imprensa, isolado o comentário até que poderia ser gerenciado por uma boa assessoria de comunicação e crise, mas, como outros posts do influenciador com teor semelhante vieram à tona, a situação acabou gerando um pedido de boicote ao trabalho do youtuber por vários artistas.
Nesse mundo 4.0 o risco para as marcas não se restringe apenas a pessoas. O cuidado na gestão da reputação de uma marca tem que ir além do uso de embaixadores. As plataformas que o digam: recentemente, o YouTube perdeu a publicidade de pelo menos 3 grandes anunciantes depois que usuários postaram comentários impróprios ligados a pedofilia em anúncios estrelados por meninas menores de idade. Já imaginou marcas conhecidas mundialmente como Nestlé e McDonald’s ligadas a um escândalo desse porque os algoritmos da plataforma não foram capazes de prevenir esse tipo de situação?
Segundo pesquisa global do Reputation Institute publicada pela Revista da Reputação, desde 2011 não havia um declínio de reputação geral das empresas tão significativo. Mas o que chamou a atenção dos pesquisadores foi a queda na disponibilidade de as pessoas apoiarem as empresas. Em 2018, apenas 30,9% dos entrevistados acataram o benefício da dúvida para as empresas, contra 51% que se disseram neutras em relação às marcas.
Para o Brasil, a pesquisa apontou queda de quase 20% na disposição para a fidelização e para a recomendação por parte dos consumidores e também de quase 20% na disposição de confiar que uma empresa faria o correto frente a uma crise. Mas esse já é tema para um outro artigo.
Voltando ao risco de reputação, a Wikipedia o define como “a incerteza em que por algumas circunstâncias uma boa reputação pode tornar-se afetada ou reduzida de alguma forma”. Seguindo nessa linha de pensamento e frente a todo o cenário exposto, seria factível pensar num “seguro reputacional”. E ele de fato existe.
Porém, de acordo com o Sindicato de Empresas de Seguro e Resseguro do Estado de São Paulo (SindisegSP), a maior dificuldade encontrada por potenciais interessados nessa modalidade de seguro estaria na definição e avaliação dos riscos a que suas reputações estão expostas. A página do SindisegSP traz um artigo sobre o assunto, com pesquisa realizada em 2015 pela Wisconsin School of Business para o mercado norte-americano. A pesquisa aponta o forte interesse por esse tipo de seguro, porque as empresas estão vendo histórias que danificam as marcas se espalharem como rastilho de pólvora nas mídias sociais ao mesmo tempo que os clientes querem fazer negócios com marcas socialmente responsáveis. Faz sentido, não fosse o que o estudo chamou de “caráter nebuloso” na mensuração do dano de reputação, e que resulta em apólices com alcance limitado e alto custo.
Aqui para o mercado nacional, existe um Seguro Reputacional de Celebridade – Desonra / Descrédito, que pode ser inserido no contrato de celebridades e cobriria riscos decorrentes do que a seguradora classifica como “desonra ou descrédito através de ato criminoso, ofensa contra o gosto ou a decência do público, ou qualquer situação que degrade sua imagem ou provoque insulto ou choque para a comunidade e traga reflexos desfavoráveis para a marca e campanhas a ela associadas”.
O fato é que, com ou sem seguro, as perguntas propostas no início desse artigo ainda permanecem. Talvez as respostas surjam com a mudança de paradigma realizada pelas próprias marcas, que as buscarão em seus propósitos mais elevados e proposições de valor para a sociedade e o planeta e não mais em influenciadores/celebridades sujeitos à imprevisibilidade inerente à condição humana.
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Por Karina Grechi Tagata. Jornalista, atua há mais de 25 anos na gestão da comunicação e branding.
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