A partir da do termo ‘Covid’, o revisor de textos fala sobre as mudanças na língua portuguesa
Escritor de muitos dos textos que mais tive o prazer de ler nas últimas três décadas e meia, o jornalista Sérgio Augusto acha que o certo é O Covid, não A Covid (o destaque em MAIÚSCULO é meu), porque, “se Covid é um vírus, não uma bactéria, por que feminizá-lo?” (“Pandemês”, “Caderno 2”, “O Estado de S. Paulo”, 13-3-2021).
Eu concordaria com ele, inclusive em número e grau, se palavra “doença”, do gênero feminino, não fosse a primeira a aparecer na tradução da expressão inglesa “COrona VIrus Disease” (doença do vírus corona, prefiro assim), da qual se originou a recém-chegada sigla da praga que já ceifou milhões de vidas humanas em todo o mundo.
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Mas foi quando o autor de “As Penas do Ofício” – coletânea de textos publicados na revista “Bravo!” entre 2001 e 2005 – relembrou sua estreia na “Bundas” (hebdomadário humorístico que Ziraldo editou entre 1999 e 2000), no texto ‘Pandemês’*, que me rendi à vontade de costurar um texto com a resposta que uma ex-colega de trabalho me mandou depois de receber um aviso meu da estreia de uma série televisiva sobre a história dos palavrões:
“Quando eu era pequena, ‘bunda’ era um baita palavrão. Minha mãe lavava nossa boca com sabão se falássemos. Foi arrefecendo e ganhando aceitação com o tempo, mas nos filmes muitos de nós ainda tínhamos de traduzir ‘ass’ como traseiro, nos tempos de [pi!]. Hoje, minha mãe fala ‘bunda’ na boa… ‘Bitch’ já não causa o escândalo que causava nos anos 70 e 80. Hoje, nos filmes americanos, as pessoas usam ‘bitch’ facilmente, como se chamassem a interlocutora de ‘babaca’, apenas. A língua é um bicho vivíssimo.”.
*Leia o trecho do texto de Sérgio Augusto Pinto:
“Por ter lido, muitos anos atrás, que na língua dos esquimós existem 200 sinônimos para a palavra neve, por ser a neve a coisa mais importante do mundo para os esquimós, me impus o desafio de descobrir quantos sinônimos existem, em nossa língua, para o que sociólogos e antropólogos já identificaram, sem contestação, como ‘a fixação anatômica nacional’, e o poeta Carlos Drummond e outros (moi aussi) consideram a palavra mais eufônica da última flor do Lácio.”