É o que aponta relatório da organização Repórteres sem Fronteiras (RSF). No Brasil, a entidade registrou três assassinatos de jornalistas em 2018 — mortes ordenadas por agentes do crime organizado
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Por Alessandra Monnerat. Conteúdo publicado originalmente no site do Knight Center for journalism in the Americas
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Na América Latina em 2018, 10 jornalistas foram assassinados por organizações criminosas em represália a suas reportagens, de acordo com um relatório recente da Repórteres sem Fronteiras (RSF).
Em geral, as mortes na região estão ligadas a cartéis de drogas, que se beneficiam da proximidade com atores no poder público. É o que informa o documento “Jornalistas, o pesadelo da máfia”. A organização RSF reportou assassinatos do tipo no México (com quatro casos), Brasil (três) e Equador/Colômbia (também três). Em todo o mundo, foram 12 homicídios na categoria.
Outras quatro mortes de profissionais da mídia mexicana deste ano estão sendo investigadas para apurar se há relação com o exercício do jornalismo. Desde 2012, a organização estima que 32 jornalistas foram mortos por cartéis no país.
“No México, a polícia e os sistemas judiciários movem-se lentamente ou prendem de forma deliberada as pessoas erradas quando os narcotraficantes e os políticos quiseram silenciar um jornalista. Em alguns casos, absolutamente nenhuma investigação é realizada”, informa a RSF no documento.
No ano passado, mais 11 homicídios de jornalistas por organizações criminosas foram documentados pela RSF na América Latina: nove no México, um no Brasil e um em Honduras.
No México
É definitivamente no México onde a situação é mais grave para jornalistas que investigam cartéis de drogas, de acordo com a RSF. O documento relembra as mortes de dois jornalistas do país. Cándido Ríos Vázquez foi baleado em um supermercado em 22 de agosto de 2017. Rubén Pat foi morto em um café em 24 de julho deste ano.
Ambos os casos são emblemáticos de como as instituições de segurança para profissionais da mídia não funcionam no México. Os dois jornalistas mortos estavam sob o Mecanismo de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos e Jornalistas. Para Pat, as medidas protetivas significavam apenas “um GPS e um botão de pânico”, ressaltou a organização.
“Quando ele reclamou da inadequação dessas medidas de proteção à RSF, dizendo que estava vivendo e ‘trabalhando com medo’, entramos em contato com o Mecanismo Federal e solicitou um reforço urgente da proteção de Pat – sem sucesso”, diz o documento da entidade internacional.
A RSF indica que existem quatro entidades federais de proteção a jornalistas no México. Além do mecanismo, há a Procuradoria Especial de Crimes contra a Liberdade de Expressão (FEADLE), a Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e a Comissão Executiva de Atenção às Vítimas (CEAV). No entanto, elas “não se comunicam suficientemente entre si e são regidas por suas próprias leis e regulamentos internos”.
Impunidade
A impunidade desses crimes é outro grande obstáculo no país latino-americano. A RSF cita dados compilados pela Comissão Nacional de Direitos Humanos do México (CNDH) que indicam que mais de 90% dos crimes violentos contra jornalistas ficam impunes. Em alguns estados, como Tamaulipas, Veracruz e Sinaloa, essa taxa está próxima de 100%.
“Em um país como o México, onde o número de corpos encontrados nas ruas ou nas valas comuns pode dar a impressão de que uma guerra civil está em curso, o crime organizado sabe que tanto a polícia quanto o sistema judicial estão sobrecarregados e isso garante a impunidade”, diz a RSF no relatório.
Em muitos casos, o crime organizado alcança seu objetivo de silenciar o jornalismo crítico, ao menos temporariamente. Um exemplo é o de Oscar Arturo Cantú Murguía, ex-editor do jornal Norte, entrevistado para o relatório. O jornalista decidiu fechar o impresso após a morte da repórter Miroslava Breach, de quem ele era próximo profissionalmente.
Medo
A morte fez com que ele considerasse a falta de segurança e de garantias para o jornalismo investigativo e crítico, bem como a situação de impunidade, disse ele à RSF.
“Nós vimos a sociedade muito afastada, sentimos que fomos deixados sozinhos. Em segundo lugar, havia a atitude do governo do estado, contra a mídia, nos desqualificando sem fazer exceções”, disse Murguía. “Coloquei tudo isso em uma balança e considerei que precisávamos fazer algo diferente do que havíamos feito. O que nós publicamos até então não tinha correspondência da sociedade ou do governo. Por isso decidi fechar [o jornal] em protesto”.
Murguía disse que o Norte agora tem um novo projeto chamada “jornalismo de contrapeso”. “O projeto não aceita publicidade oficial, vive de patrocínios, estamos promovendo a partir da sociedade civil para acabar com a pressão”, disse ele.
O relatório também descreveu a situação dos jornalistas na Colômbia, país que continua sendo um dos três maiores produtores de pasta de cocaína do mundo.
O caso destacado pela RSF no país ganhou atenção internacional. O repórter Javier Ortega, o fotógrafo Paul Rivas e o motorista Efraín Segarra, que trabalhavam para o jornal equatoriano El Comercio, foram sequestrados perto da fronteira entre Equador e Colômbia. Eles foram dominados pelo grupo armado Frente Oliver Sinisterra, dissidente das FARC. Posteriormente, o governo do Equador confirmou suas mortes. Os equatorianos estavam trabalhando em uma área que abriga plantações de coca e produção de cocaína, assim como conflitos entre as autoridades e os narcotraficantes, ressaltou a RSF.
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