A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) debateu na última quinta-feira, 13, o poder que os esquemas de disseminação de notícias falsas e manipulação política alcançaram no Brasil, impactando a democracia. E algumas das instituições que têm como missão coibir estes esquemas foram os principais alvos de críticas dos participantes da audiência, que no entender deles foram omissos especialmente durante o processo eleitoral.
A jornalista Bia Barbosa, do coletivo Intervozes, afirmou que o Brasil já tem mecanismos legais “de sobra” para combater estratégias de impulsionamento de conteúdo com base em notícias falsas nas redes sociais e na internet. No entanto, para os convidados da CDH, elas não foram consideradas nem pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e nem pelo Ministério Público.
‘Existem leis neste país, e a omissão diante de flagrantes violações destas leis precisa sim ser responsabilizada. O TSE e o Ministério Público Eleitoral foram omissos diante do que ocorreu no processo eleitoral. O Brasil tem leis para combater injúria, calúnia e difamação e tem a lei eleitoral (Lei 9.504), com um artigo específico sobre disseminação de notícias falsas. E esta lei eleitoral também prevê uma série de questões sobre impulsionamento, uso de bancos de dados, uso de determinados perfis e compra de bancos de dados. Tudo isto foi flagrantemente desrespeitado, gerou uma investigação ainda em curso, mas não com a resposta eficaz visando combater a indústria da desinformação e das notícias falsas”, denunciou a jornalista.
As plataformas de compartilhamento de conteúdo também foram criticadas. Bia Barbosa lembrou que o Facebook fez uma parceria com agências de notícias, para que notícias falsas checadas tivessem o alcance reduzido. No entanto, não houve nenhuma transparência em torno deste trabalho, apontou.
“Quais são os dados das reduções destes alcances? Não há nenhuma transparência, há só uma declaração do Facebook. Agências de checagens apontaram com dados efetivos que algumas notícias desmentidas tiveram alcances estrondosos na véspera do segundo turno. O caso mais escandaloso é do WhatsApp, que se recusa sequer a debater com o TSE ou adotar medidas de combate ao impulsionamento de conteúdos falsos, que adotou em outros países”, disse a comunicadora.
Para Bia Barbosa, a forma como as plataformas agem no Brasil as colocam na prática como gestoras de conteúdo. Sendo assim, podem ser responsabilizadas em casos flagrantes de violações à lei, como prevê o Marco Civil da Internet (lei 12.965). A jornalista também defende que o Congresso Nacional cobre a Polícia Federal para que investigue os esquemas de manipulação política pelas redes, pois existem mecanismos para que se chegue a quem produz e dissemina este tipo de conteúdo.
A presidente da CDH, senadora Regina Sousa (PT-PI), lembrou que também foi vítima de notícias falsas no último processo eleitoral, em que concorreu ao cargo de vice-governadora na chapa vitoriosa do governador piauiense Wellington Dias. Durante uma semana um perfil falso dela no Facebook “provocou um estrago significativo” na campanha, segundo relatou, “felizmente não o suficiente para modificar o rumo que se desenhava para que vencêssemos”.
A senadora também entende que, no fundo, todo o debate nacional em torno de manipulações políticas e notícias falsas passa por uma educação mais crítica da população.
“É impressionante o alcance e a força que as notícias falsas conseguem ter neste país. A impressão que dá é que falta um mínimo de senso crítico para muitas pessoas. Acreditar que existe uma mamadeira em formato de pênis distribuída nas escolas, e isso imediatamente dar três milhões de acessos num blog e ser disseminado nacionalmente… É profundamente delirante, sem ninguém jamais ter visto a tal mamadeira, nenhum depoimento de algum professor ou escola que tenha recebido, qual a empresa que fabrica. O mesmo se dá com o tal de kit gay, que até hoje muita gente ainda acredita nisto”, afirmou a parlamentar, mencionando algumas das mensagens que disseminaram notícias falsas pelos aplicativos.
Ela ainda reclamou que o Facebook, o Twitter e o Whatsapp, após uma longa negociação, concordaram em mandar representantes para a audiência. No entanto, informaram nos últimos dias que haviam desistido de participar.
No que tange ao kit gay, Bia Barbosa informou que o TSE o classificou como notícia falsa, o que não impediu que a campanha de Jair Bolsonaro explorasse o tema em seu último programa eleitoral na TV. Ainda assim, nenhuma providência foi tomada pelo Tribunal após a divulgação do programa.
Para o representante do Instituto Beta Internet e Democracia (Ibidem), Paulo Rená, o Ministério Público, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômico (Cade) não fiscalizam a neutralidade de rede, como determina o Marco Civil da Internet, o que contribui decisivamente no fortalecimento das estratégias de disseminação de notícias falsas. Isso se dá porque a ausência desta fiscalização faz com que o cardápio oferecido pelas timeline das redes na prática favoreça as estratégias manipuladoras.
O especialista também aponta que a atuação do TSE só pode ser classificada como omissa durante o processo eleitoral, diante das evidências de fraudes.
“Uma Justiça Eleitoral que se manteve praticamente inerte diante da enxurrada de fake news. Somos contra uma atuação exagerada, mas o que ocorreu foi atuação nenhuma, em casos muito evidentes em que a própria candidatura ecoava fake news e continuou ecoando, e isto não foi combatido. Não houve qualquer constrangimento por parte da Justiça Eleitoral, parece que houve uma postura de desinformar à respeito do perigo das notícias falsas”, disse o especialista.
Especialista em segurança de redes Aderbal Botelho, da empresa ETX, informou que tem trabalhado na coleta de perfis falsos que foram usados nas redes sociais durante o processo eleitoral. Ele informou que pelo menos 200 mil destes perfis foram criados sob identidades verdadeiras, com o objetivo de impedir o livre debate de propostas e ideias, por meio da overdose de comentários na prática inviabilizando a discussão em páginas específicas.
O especialista Tiago Tavares, da ONG Safernet, apontou a prática disseminada de comentários pagos feitos por internautas, que estão presentes inclusive em sites de agências de notícias. Afirmou que o discurso de ódio transformou-se em arma política, e que isso se deu também porque “a internet no fundo é um espelho da sociedade”.
Por fim, o sindicalista Luís Saraiva, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), afirmou crer que a inércia das instituições diante da manipulação eleitoral se deu dentro de um contexto relacionado ao processo de retirada de direitos da população mais pobre. Para ele, os processos manipulatórios tem favorecido grupos políticos ligados à pauta da retirada de direitos.
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