Quinta-feira, 5 de novembro: duas barragens de rejeitos da Samarco, empresa cujos donos são a Vale e a anglo-australiana BHP, se romperam e inundaram de lama o distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, na Região Central de Minas Gerais. Sexta-feira, 13 de novembro: ataques terroristas em Paris, na França, deixaram mais de 120 mortos e centenas de feridos. As duas notícias pautaram a imprensa brasileira, mas em proporções bem diferentes. É isso que mostra o levantamento feito pela reportagem do Portal Comunique-se ao olhar para as mídias TV, jornal e revista. Diante da importância factual de ambas, a reportagem levou o tema a acadêmicos, que avaliaram o comportamento dos veículos de comunicação. Mas antes de abrir o debate, vamos aos dados.
A análise feita pelo Portal Comunique-se leva em consideração o comportamento da imprensa no início de cada fato. Ou seja, mostra como foi a cobertura do desastre em Minas Gerais nos dias 5, 6, 7 e 8 de novembro, e as notícias dos ataques em Paris nos dias 13, 14 e 15 do mesmo mês. A começar pelas emissoras de TV, a Globo dedicou, aproximadamente, uma hora e 12 minutos de sua programação, ao longo dos quatro dias analisados, para abordar a pauta nacional. Os programas que entram no estudo são os jornalísticos ‘Hora Um’, ‘Bom Dia Brasil’, ‘Jornal Hoje’, ‘Jornal Nacional’, ‘Jornal da Globo’ e ‘Fantástico’. No total, 17 reportagens foram apresentadas. Fabiana Almeida, Ricardo Soares, Viviane Possato, Cristiane Leite, Fernando Moreira, Aline Aguiar e Ismar Madeira foram alguns dos jornalistas envolvidos nessas coberturas. O Portal Comunique-se observou que a emissora não criou especiais sobre o tema. Quando o assunto é o ataque em Paris, o canal reservou, aproximadamente, três horas e 54 minutos de sua grade para abordar o tema nos dias 13, 14 e 15. As reportagens foram veiculadas nas mesmas atrações mencionadas, sendo que ‘Hora Um’ ganhou edição extra no sábado, 14, especialmente para falar do tema. Além disso, ‘JN’ e ‘Fantástico’ também tiveram edições dedicadas à pauta. Os correspondentes foram movimentados e nomes como Carolina Cimenti, Cecília Malan, Márcio Gomes, Ilze Scamparini, Pedro Vedova, Roberto Kovalick, Fábio Turci, Alan Severiano, Sandra Coutinho, Tonico Ferreira, Jorge Pontual e Marcos Uchôa reportaram os acontecimentos – diretamente da capital francesa e de outras cidades. No total, 68 reportagens foram apresentadas.
O mesmo acontece com outras duas emissoras. SBT, por exemplo, transmitiu, aproximadamente, 16 minutos de reportagem sobre o desastre em Minas Gerais nos programas ‘Jornal do SBT’ e ‘SBT Brasil’. Fernanda de Andrade e Sid Marcus estão na lista dos repórteres que cuidaram da pauta. No total, oito reportagens foram veiculadas. A notícia sobre os ataques terroristas ganhou espaço de 45 minutos nas mesmas atrações com informações de Elcio Ramalho, Karina Pachiega, Daniel Adjuto, Yula Rocha e Sérgio Utsch. O canal, assim como fez a Globo, entrevistou o especialista Heni Ozir Cukier para falar sobre a violência. No total, 18 matérias foram apresentadas sobre o atentado.
A Record veiculou 40 minutos de conteúdo sobre a pauta nacional nos noticiários ‘Balanço Geral Manhã’, ‘Fala Brasil’ e ‘Jornal da Record’. Para cuidar da apuração, estavam envolvidos os jornalistas Virgínia Nalon, Sálua Zorkot, Helen Oliveira e Luiz Carlos Azenha. Quinze reportagens foram ao ar. O tema internacional ganhou no canal, aproximadamente, uma hora e sete minutos com matérias de André Tal e Jonathas Mello, jornalista que colaborou com as informações. Ele mora em Paris e falou de maneira especial para a emissora. Foram veiculadas 25 reportagens.
A Band foi a única que apresentou dados distintos. Em seus programas ‘Café com Jornal’, ‘Brasil Urgente’, ‘Jornal da Band’ e ‘Jornal da Noite’, a emissora usou uma hora e 44 minutos da grade para falar sobre o caso em Minas Gerais com 26 matérias. Para os ataques em Paris, uma hora e dois minutos foi reservada para o tema. No total, o canal colocou no ar 23 reportagens, sendo que o correspondente Milton Blay estava envolvido na cobertura.
Quando os fatos aconteceram, as revistas semanais já tinham definido suas capas. CartaCapital, Época, Veja e IstoÉ tiveram a oportunidade de tratar do desastre em Minas Gerais na capa desta semana, já que o evento foi no dia 5 de novembro. Em todas as publicações, exceto em Veja, o caso ganhou chamadas na capa, mas não como destaque principal. A Época chegou a criar especial sobre o assunto, mas os ataques em Paris fizeram com que o material ficasse em segundo plano. Veja, abaixo, como cada título trabalhou ao longo das duas semanas:
Correio Braziliense, Diário de Pernambuco, Estadão, Estado de Minas, Folha de S. Paulo, Gazeta do Povo, O Globo, O Tempo e Zero Hora
Quando a análise chega aos impressos diários, é possível ver que as duas pautas ganharam as capas. Correio Braziliense, Diário de Pernambuco, Estadão, Estado de Minas, Folha de S. Paulo, Gazeta do Povo, O Globo, O Tempo e Zero Hora trabalharam a tragédia de Minas Gerais e os ataques em Paris de maneira parecida, com capas destacando o caso brasileiro nos dias 6, 7 e 8 de novembro e a pauta internacional como foco nos dias 14, 15 e 16. A diferença está nas publicações locais. Mesmo diante do terrorismo internacional, Estado de Minas e O Tempo mantiveram o caso nacional em evidência. Veja as capas na galeria abaixo:
Quem conversou com a reportagem do Portal Comunique-se foi a coordenadora do curso de jornalismo da Cásper Líbero, Helena Jacob, e o coordenador do curso de jornalismo da PUC do Rio Grande do Sul, Fábian Chelkanoff Thier. Ao terem conhecimento dos dados levantados pela reportagem, eles concordam que as duas notícias são de extrema importância, mas foram enfáticos ao dizer que a imprensa não deu a verdadeira dimensão para o caso de Minas Gerais nos primeiros dias de cobertura. Eles levantam, ainda, alguns motivos para isso ter acontecido.
Segundo Helena, falar em “desastre natural” ao noticiar que as barragens romperam é um erro. Trata-se de desastre tecnológico, avalia. “A cidade estava arrasada, a lama continuava correndo, chegou ao Rio Doce e só depois, motivada pelas redes sociais, a imprensa viu que era muito mais sério. Houve despreparo, mas acredito que agora os veículos estão correndo atrás do prejuízo”. Segundo a professora, que acompanhou a cobertura dos dois casos, o trabalho está equilibrado nesta semana.
Ela conta que os ataques em Paris ganharam mais destaque porque existe miopia no jornalismo. “Paris é lugar importante para a cobertura internacional, mas o mundo não é somente isso. O que acontece é que existe espetacularização midiática sobre o tema, já que as pessoas conhecem a França, o público tradicional da imprensa conhece as grandes capitais e isso direciona a cobertura porque tem identificação. Porém, isso não justifica não cobrir fatos nacionais”. Helena afirma que a cobertura sobre os ataques terroristas foi positiva, mas ressaltou que se não tivesse pressão das redes sociais, os veículos iriam cobrir a pauta fortemente ao longo desta semana sem dar atenção aos problemas do próprio país.
De acordo com Chelkanoff Thier, pautas internacionais, ainda mais quando se fala em terrorismo, sempre serão muito importantes, no entanto o que se viu na cobertura de Minas Gerais é que a maior tragédia ambiental do Brasil foi colocada em segundo plano por questões econômicas e financeiras. “A impressão que tenho é que os veículos têm medo de falar sobre a Vale. A Samarco cometeu erro gravíssimo contra a população, mexeu com vidas e um distrito inteiro, e ninguém diz nada?”, questiona.
Para o acadêmico, a situação ainda tem agravante: pauta ambiental tem menos prestígio e é tratada de maneira secundária no Brasil. “Alguns especialistas defendem que por 100 anos vamos pagar pelo que aconteceu em Mariana. Só que o que vai acontecer no futuro acaba não ganhando espaço na imprensa. Vamos ter problemas de flora e fauna, de água, que já vive crise, e não se fala, pois o que acontece agora é mais importante do que vai acontecer. É um erro do jornalismo de maneira geral. A imprensa é imediatista”.
Chelkanoff Thier compara o que aconteceu em Minas Gerais com o caso da boate Kiss, que matou mais de 240 pessoas no interior do Rio Grande do Sul. Ele lembra que os âncoras deixaram as bancadas para apresentarem os jornalísticos no local. “Existe problema grande de critério no jornalismo brasileiro. Por qual motivo o apresentador não foi até o local ver a situação de Minas Gerais? Por que não enviaram mais jornalistas? Esse rompimento foi tão grave quanto o caso do incêndio em Santa Maria. Não há como mensurar a tragédia que foi o caso de Minas e a mídia não fala com proporção sobre o tema”. O professor concorda com Helena do ponto de vista das redes sociais. Para ele, as mídias alternativas ajudaram a noticiar e criar comoção diante do caso.
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