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10 lições que ficaram comigo depois da especialização em jornalismo digital

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Depois de dois anos desde a graduação em jornalismo, pouco mais de seis meses desde a especialização em jornalismo digital, dois anos de estágio e um tantinho de experiência no mercado, senti a necessidade de escrever esse texto aqui para falar sobre aspectos que observei nesse meu breve tempo de carreira. O objetivo é incentivar e ampliar a discussão sobre jornalismo e, talvez, ressaltar pontos que são esquecidos. Fiz tudo pensando em jornalistas como meus leitores, mas tenho certeza de que profissionais que orbitam o jornalismo também podem se interessar.

Antes de começarmos, uma observação. Falo de “jornal” várias vezes, mas quando uso essa palavra não me refiro ao impresso diário. Me refiro a todo e qualquer veículo jornalístico. E quando falo de “empresa”, não me refiro só às grandes, mas das grandes, das médias e das pequenas; daquelas que empregam cinco mil e daquelas que empregam uma pessoa só. É desde o líder do mercado até o site independente e a rádio comunitária.

Ao longo dos parágrafos, você vai perceber que eu insisto na ideia de buscar o novo, de melhorar. A primeira coisa que vem à minha mente quando alguém menciona isso no ambiente de trabalho dos jornalistas é “Mas as empresas não ajudam!” Sim, elas são foda. Vou generalizar, mas sei que os que são exceção entendem o que digo. As empresas não querem investir em seus profissionais, não querem arriscar, não querem gastar com novidades ou melhorias. Pelo o que vi e vejo, a única coisa que vai fazer os donos de jornais realmente se mexerem é quando a grana faltar para eles. Por enquanto, a grana está faltando, mas só para quem é peixe pequeno na cadeia de produção. Espero de verdade que eu esteja errada nisso aí.

O que fazer, no entanto, se o ambiente onde eu trabalho não me incentiva a fazer o diferente? Eu não tenho resposta certa para isso, mas eu te diria para insistir. É frustrante e cansativo, mas precisamos reconhecer que fazer jornalismo já não é mais só sobre fazer notícia. É muito mais. As possibilidades se ampliaram em todos os sentidos e podemos nos beneficiar — e muito — nesse novo cenário. Então seguem aqui as dez lições que eu tirei, principalmente, da especialização na ESPM, mas também do meu tempo de redação, assessoria de imprensa e jornalista recém-formada que é apaixonada por estudar o próprio jornalismo. Vocês verão que alguns pontos são muito parecidos com outros, mas os dividi porque achei importante falar sobre cada um separadamente. De novo: o que busco aqui é diálogo, então vamos conversar sobre isso tudo!


1. O jornalismo não está em crise

Pode parecer maluquice minha começar justamente com essa afirmação. Com tantas evidências por aí de que o jornalismo não é mais como era antigamente, com tantos repórteres cometendo erros banais de pontuação e acentuação, com tanta gente acreditando em fontes mentirosas e em notícias falsas? Bom, tudo isso tem uma causa inicial única — vejam bem: não estou dizendo que é a única causa. O jornalismo não é o problema, o problema é o modelo de negócios que sustenta o jornalismo. A grande causa de todos esses problemas que eu citei — e de muitos outros — é o modelo de negócios que não é mais capaz de sustentar as redações. A velha história de vender publicidade e assinaturas? Já era. A publicidade foi transferida para os gigantes Google, Facebook e Cia., isso já é notícia velha. As assinaturas perderam seu valor quando as notícias começaram a ser publicadas gratuitamente na internet. Já passou da hora de buscarmos novas maneiras de sustentar a produção de notícias — muitos têm tentado, muitos têm falhado, muitos têm feito descobertas interessantes. Aqui no Brasil, por exemplo, temos alguns exemplos de empresas que buscaram outros caminhos. Temos quem venda maquininhas de cartão, temos quem produza conteúdo educacional, temos quem venda livros e coletâneas. Fora do país, temos muitos outros exemplos, dos grandes aos pequenos produtores de notícias: temos quem passou a prestar serviços digitais, quem passou a vender ingressos e dar cupons, quem vive de doações, quem apostou no paywall, quem mudou o jeito de vender publicidade. A questão aqui é que não existe um novo modelo estabelecido e pronto para ser replicado em todo o mundo. Cabe a cada um entender o próprio produto, o valor desse produto e procurar novas maneiras de vender ou financiar esse produto — a notícia.

2. O leitor importa

não pode fazer desse jeito aí!

Essa talvez seja uma lição que precise ser martelada por mais tempo na cabeça dos mais velhos. Digo isso porque em todas as vezes que ouvi que o que o leitor tem a dizer não importa, eu ouvi da boca de quem tem muitos anos de carreira no jornalismo. “Se fosse para o leitor dar opinião, ele se chamaria opinador. Ele tem que ler! É por isso que chama leitor!” Errado. Precisamos começar a levar em conta o que o público pensa, precisamos parar de achar que o público pensa a mesma coisa que nós pensamos, precisamos pensar o jornalismo mais como serviço e menos como vitrine para nós mesmos. E isso me leva ao próximo ponto, que caberia aqui, mas que é importante demais para ficar escondido no meio de um parágrafo. É breve, é óbvio, mas é muito importante.

3. Jornalistas precisam parar de escrever para jornalistas

não recomendo que você seja esse cara aí de monóculo

Esse ponto faz parecer que estou querendo ensinar o padre a rezar a missa, mas juro que não estou. Não é difícil encontrar por aí textos truncados, cheios de adjetivos, de compreensão difícil. Que tal nós nos lembrarmos que quem lê o que escrevemos não somos nós mesmos, mas os leitores? Que o texto jornalístico tem como principal característica ser claro, objetivo, usar palavras simples e passar a mensagem? Não é poesia, não é artigo acadêmico, não é sobre escrever nas entrelinhas. Jornalistas precisam escrever para quem lê o jornal, e não para quem escreve o jornal.

4. É preciso pensar em suporte

as possibilidades de suporte são quase infinitas

Me formei numa faculdade que dividia o currículo acadêmico entre impresso, audiovisual e pesquisa. As fronteiras das divisões entre essas áreas estão cada vez menos definidas e a grande dica aqui é que o profissional do jornalismo será um profissional melhor se ele for multimídia e souber qual é a melhor maneira de passar uma mensagem. Não temos mais só texto, foto, vídeo e rádio. Temos gifs, infográficos, podcasts, stories e posts do Instagram, temos tweets e Moments do Twitter, lives e posts do Facebook, notificações por push, newsletters, textos em lista, textos em longa-forma, documentários, mini-documentários, fotos e vídeos em 360º, transmissões pelo Youtube, newsgames, conteúdo personalizável. Qual é a melhor maneira de transmitir a sua mensagem? Qual forma será mais eficiente para que a notícia chegue ao leitor/usuário/visualizador/seguidor? Escolher o suporte certo é fundamental.

5. Precisamos entrar de vez no jornalismo pós-industrial

Em 2001, Doc Searls usou o termo “jornalismo pós-industrial” para falar do “jornalismo que já não é organizado segundo as regras da proximidade do maquinário de produção”, ou seja, do jornalista que não é mais babá de impressora. Essa lógica ainda não é presente em muitos veículos, principalmente nos grandes, que dependem do impresso para continuar existindo. Quando eu falo desse assunto, estou pensando lá na frente, quando o impresso não estiver mais tomando grande parte do tempo das redações; quando o jornalista puder passar mais tempo fora da redação e apurando sua matéria do que sentado na frente de um computador, escravo da diagramação, limite de texto, formatação e linhas viúvas. O jornalismo tem que ser mobile não só para quem lê, mas também para quem o faz. E a partir dessa afirmação, passo para o próximo ponto.

6. Os sistemas de publicação têm função essencial

o sofrimento para publicar tem que acabar (ignore a rima)

Esse argumento eu faço com base na pesquisa que desenvolvi para o meu TCC na ESPM. A proposta do trabalho era que cada aluno desenvolvesse um produto jornalístico e que apresentasse a viabilidade financeira desse produto. Ao invés de criar um site ou um jornal, por exemplo, eu preferi criar uma ferramenta — um sistema de gerenciamento de conteúdo. A minha experiência prática jornalística e as leituras que eu havia feito — principalmente da Carla Schwingel — me mostraram que a publicação do conteúdo ainda é um grande empecilho e um processo que demanda muito tempo dentro das redações. Fiz um pequeno formulário e entrei em contato com veículos de grande e médio porte no Brasil. As respostas que obtive não me supreenderam, porque eu já achava que não se dava a devida a atenção aos CMS. De todos os jornalistas que participaram da pesquisa, 46% não sabiam o que é um CMS, 60% não estavam satisfeitos com o(s) CMS(s) que utilizam no trabalho, 53% pensam que o CMS limita as possibilidades do conteúdo e 60% deles gostariam que o CMS fosse mais automatizado. O motivo é simples — o CMS não é visto como uma ferramenta, só como um processo doloroso pelo qual você tem que passar para postar e publicar sua notícia. Não é visto como um facilitador, mas como algo que nos faz perder o tempo precioso da apuração e da pesquisa. Não existe uma conexão entre os sistemas de gerenciamento de conteúdo e o jornalismo — minha pesquisa bibliográfica deixou isso muito óbvio (EU SOFRI MUITO PORQUE NÃO SE ESCREVE SOBRE ISSO). No entanto, já existem algumas iniciativas que buscam reinventar o CMS para o uso jornalístico, como o Chorus, o Respondens e o Arc Publishing — todas feitas por veículos jornalísticos com o objetivo de facilitar seus processos de produção e publicação.

7. Tecnologia não é problema, tecnologia é solução

Aqui eu vou ser radical e posso ofender algumas pessoas. Se você acha que tecnologia é problema, então talvez o problema seja você. Tecnologia existe para nos servir, para resolver nossos problemas, nos auxiliar no dia a dia. Tecnologia muda rápido, exige que estejamos sempre atualizados e a par do que está surgindo, do que não faz mais sentido e do que está por vir. Ela exige que estudemos o tempo todo, e é daí minha birra com quem diz que tecnologia é problema. Se você acha que vai perder o emprego para um robô que escreve notícias, então talvez as notícias que você está escrevendo precisem melhorar. Isso tudo que eu falei quer dizer que eu acho que nós devemos nos submeter a tudo o que surge de novo? Não. Absolutamente não. Nossa função básica é questionar, e a tecnologia não deve fugir a esse questionamento, mas existe uma diferença entre questionar e ser a pessoa que insiste que máquinas de escrever são melhores do que um laptop.

8. Ferramentas são nossas amigas

Sabe ali em cima, quando eu falei que o CMS deve ser visto como uma ferramenta? Pois é, não é a única ferramenta disponível. Temos tantas ferramentas disponíveis hoje que pensar no jornalismo só como caneta e bloquinho já parece ultrapassado. Temos maneiras diferentes — algumas gratuitas, algumas pagas — para fazer mapas, infográficos, conteúdo embedado, linhas do tempo, bancos de imagens, edição de fotos e vídeos, criar gráficos, newsletters, blogs e sites, busca por pautas, gerenciamento de trabalho e de redes sociais — só para citar algumas possibilidades. É claro que o jornalismo não se resume a ferramentas e não há como eu ressaltar suficientemente a importância da apuração, mas as facilidades estão disponíveis e saber utlilizá-las a nosso favor é uma enorme vantagem.

9. Case não é regra

Sabe aquela reportagem que usou um mapeamento para contar uma história, ao invés do texto tradicional, e fez muito sucesso? Sabe o Buzzfeed, que chamou a atenção com as listas? Sabe o título caça-clique? Nenhum desses modelos é uma regra que serve para todo mundo. Hoje temos mais veículos jornalísticos do que jamais tivemos e esses veículos variam na mesma medida em que seus leitores variam, o que nos leva à ideia principal aqui: só porque fez sucesso NÃO significa que deve ser copiado. Cada um é cada um, cada público é um público, cada conteúdo é um conteúdo, cada negócio é um negócio. Se deu certo para o New York Times, não significa que vai dar certo para o seu jornal. Se funcionou a ponto de ganhar um Pulitzer, não significa que vai funcionar para ganhar um Esso (pausa para lágrima). Toda ação precisa se justificar e ter um propósito, e esse propósito não deve ser apenas “vamos copiar”. Tem que estar junto pelo menos do próximo ponto: vamos testar.

10. É preciso testar

No jornalismo digital (não vou entrar em conceitos acadêmicos aqui, mas é possível afirmar com quase certeza de que todo o jornalismo produzido hoje no mundo é digital) não há receita pronta. Se antigamente a gente tinha um ciclo muito bem definido — o jornalista recebe a pauta, apura, escreve; o editor edita; o copydesk corrige os erros; o diagramador diagrama; a impressora imprime — hoje isso não existe mais. A mesma coisa vale para o modelo de negócios — A RECEITA PRONTA NÃO EXISTE MAIS. Precisamos nos arriscar, saber que vamos errar, não desistir na primeira tentativa. Para acertar, é preciso errar algumas vezes e, mais do que isso: é preciso sair da própria zona de conforto. Faça testes. Tente algo novo. Não se renda ao cotidiano. Sei que é difícil e falei sobre isso lá no início do texto, mas é importante que nós não entremos na máquina de moer carne que acaba com a criatividade e a vontade de inovar.


Esses são os pontos que eu gostaria de colocar na mesa. Ressalto que sou uma jornalista recém-formada (colei grau em 2015/6) e não quero, de maneira alguma, estabelecer regras ou oferecer fórmulas. Meu objetivo aqui é ampliar a discussão e incentivar meus colegas de profissão na eterna busca pelo tal jornalismo de qualidade.

E quero convidá-los, mais uma vez, a mantermos essa conversa tão importante.

É por isso que estou lançando uma newsletter — a Binóculo. Meu objetivo é compartilhar com vocês, a cada quinze dias, o que há de novo, o que está sendo estudado e o que merece um olhar mais atento. Ela será dividida em três seções — notícias, estudos de caso e pesquisa — e foi pensada para se encaixar no cotidiano apressado. A ideia é que ela seja de leitura rápida e que te atualize sobre o que há de mais importante no jornalismo mundo afora, sempre com foco no digital e na inovação.

A Binóculo é 100% gratuita e você pode assiná-la aquiA primeira edição sai no dia 15 de março de 2018.

ASSINE A BINÓCULO 🙂

 

Lorena Lara. Jornalista, 24 anos. Formada pela Universidade Federal de Goiás e com especialização em jornalismo digital pela ESPM de São Paulo. Integrante do programa de trainee do Estadão no segundo semestre de 2017, jornal em que atualmente colabora como freelancer. Criadora do serviço de newsletter Binóculo.

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