Opinião

Dias e noites de terror – por Marli Gonçalves

Nas vitrines elas já aparecem, prontas para enfeitar as festas represadas, mas – lembrem-se! – ainda não totalmente liberadas. Abóboras com carinhas, em variados materiais e tamanhos, além de caveiras e esqueletos, máscaras, fantasmas, bruxas, caldeirões infernais. Como se ainda precisássemos comprar algo e já não estivéssemos vivendo um terror que não haverá doces ou brincadeiras para terminar tão cedo.

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Vem sendo tudo tão perturbador que cheguei a sonhar que encontrava caído na rua o bonequinho do Véio da Havan – que se acha tão lindo que mandou fazer cópias de si mesmo para vender nas lojas – todo amarrotado e espetado, vodu. Querem imagem mais assustadora do que aquele ser de amarelo e verde, aquele Coringa de quinta categoria, que apareceu para depor na CPI, aproveitando para fazer propaganda de suas quitandas e ficar ainda mais rico?

Ou, ainda, aquele outro milionário empresário que chegou acompanhado de três guarda-costas, ops, advogados, e ousou, com expressão cândida, bater no peito, falar em família, sobre o quanto era bom e cristão. Logo foi muito bem desmascarado como homofóbico, negacionista, ignorante, financiador das mentiras e de tudo o mais de muito ruim que reúne na sua pessoa.

Claro que não estou esquecendo dos senadores que, magoadinhos, defenderam essas e outras caricaturas de gente. Não dá, inclusive, para admitirmos nem por um momento o argumento principal que vêm esgrimindo, tirando do bolsinho do paletó, mas mantendo os outros cheios de benesses governamentais e de suas próprias cegueiras. Liberdade de Expressão.

Dizem que é do direito deles, pensar (e isso até admito que seja mesmo, desde que para eles, calados), e propagar suas teses, ao fim, perigosas e criminosas. Não. Aqui, ó! Porque são mentirosas, erradas, sem lastro, maldosas e especialmente danosas. Tanto, a ponto de poderem ter sido causa de muitas dessas 600 mil mortes que amargamos. Eles não têm direito de ousar falar em liberdade; a palavra em suas bocas perde seu valoroso sentido. É maculada.

Mas isso tudo quase não é nada perto do terror do que pode ter ocorrido com os doentes que foram levados a tomar remédios sem comprovação contra a Covid, mas já com todas as comprovações do mal que podem causar efeitos colaterais aos pacientes. Muitos dos quais nem internados estavam; recebiam caixinhas em suas casas, logo que espirrassem, fungassem ou tossissem. Ozonoterapia retal. Flutamida! Há alguns anos, com prescrição – também é usado na dermatologia – em poucos dias esse remédio poderia ter me matado se a própria médica não acompanhasse de muito perto, com exames, e o suspendesse imediatamente. Efeito dramático no fígado.

Fico pensando nos milhares de associados do tal plano de saúde, desesperados em que mãos ficarão

Pessoas internadas, maioria idosos, sem poder ter acompanhantes, os familiares do lado de fora, desesperados com as poucas informações e que se alguém vestido de branco falasse embolado eram capazes de fazer sim com a cabeça.

Vivi longos períodos em hospitais, primeiro acompanhando minha mãe e, anos depois, meu pai. Sei o que passei – e isso estando grudada com eles todas as horas possíveis. Remédios errados porque a enfermeira não entendeu a letra do médico; muxoxos porque já eram “velhos” e – eu ouvi isso, do nada, especialmente com meu pai, que tinha 98 anos, juro: “normal, certamente não sairá vivo daqui”. Contei um pouco dessas agruras nas crônicas escritas à época. Nem gosto de lembrar de tantas situações, que me mortificam até hoje, a ponto de não poder ouvir sirenes e campainhas sem tremer.

Assim, fico pensando no mês, mais um, de terror, que esses familiares passarão pensando que podem ter contribuído para a morte de quem amavam, revendo atestados de óbito, revivendo os momentos. Fico pensando nos milhares de associados do tal plano de saúde, desesperados em que mãos ficarão. Em que mãos estão.

E como já vivi para ver de um tudo, inclusive na política, muito me chama a atenção a veloz avidez demonstrada por essa mesma política, criando agora outras duas CPIs – na Assembleia e na Câmara de São Paulo – e que mais uma vez certamente só levarão a logo descobrirmos as intenções e vaidades dessas atividades que retardarão ainda muito mais, a título de investigações e blábláblás, as respostas concretas que a população precisa para já.

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Marli Gonçalves

Jornalista formada pela FAAP, em 1979. Diretora da Brickmann&Associados Comunicação, B&A. Tem 40 anos de atuação na profissão, com passagens por vários veículos, entre eles Jornal da Tarde, Rádio Eldorado e revista Veja. Na B&A, além de assessoria de imprensa e consultoria de comunicação, especializou-se em gerenciamento de crises, ao lado de Carlos Brickmann, com quem trabalha desde 1996. Também é editora do Chumbo Gordo, site de informações da B&A. Mantém, ainda, o blog particular Marli Gonçalves (http://marligo.wordpress.com). Desde 2008, escreve semanalmente artigos e crônicas para inúmeros jornais e sites de todo o país sobre comportamento, feminismo, liberdade e imprensa. Entre suas atividades na área de consultoria, comunicação empresarial e relações públicas foi de 1994 a 1996 gerente de imprensa da multinacional AAB, Hill and Knowlton do Brasil (Grupo Standard, Ogilvy & Mather). Participou de várias publicações e veículos, entre eles, Singular & Plural, Revista Especial, Gallery Around (com Antonio Bivar), Jornal da Feira, Novidades Fotóptica, A-Z, Vogue. Na área política, foi assessora de Almino Affonso, quando vice-governador de São Paulo, e trabalhou em várias campanhas, entre elas, de Fernando Gabeira e Roberto Tripoli.

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