Editorial: as lições da crônica esportiva ao “jornalismo” urubuzento

Nada justifica o desespero de veículos e jornalistas em noticiar em primeira mão — como se isso fosse mudar o mundo — a morte de alguém. Nesse sentido, nos últimos dias, a crônica esportiva tem dado lições ao “jornalismo” urubuzento (e aí as aspas são no jornalismo mesmo)

Reconhecida figura desprezível da nossa imprensa sempre comentou, nos bastidores, que considerava a editoria de esportes um núcleo de menor qualidade. Tirava sarro e fazia piadas (ruins) com os profissionais da área. Como num jogo de dominó, onde a pedra pune, a empáfia também o puniu. Ao querer se aventurar na crônica esportiva em meio a uma ponte aérea, conseguiu cometer o equívoco de entrevistar — e publicar — um sósia, pensando se tratar, na realidade, do então treinador da seleção brasileira de futebol. Achava que estava com um “furo” (notícia exclusiva) em mãos, quando foi responsável por uma bela “barriga”.

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“Barriga”, termo que no meio jornalístico serve para se referir a erros divulgados, que ataca novamente na mídia brasileira, sobretudo à que se dedica a falar de celebridades e personalidades da televisão. Tornou-se de conhecimento público que o apresentador da Record TV Augusto Liberato, o Gugu, sofreu acidente em sua casa em Orlando, nos Estados Unidos, na tarde de quinta-feira, 21. Caiu de uma altura de quatro metros e bateu a cabeça da quina de um cômodo. Desde então, está internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital da Flórida. Foi o bastante para, a quilômetros de distância, o “jornalismo” urubuzento atacar por aqui.

Contra informações por parte da família e sem nenhum parecer médico, como reza o protocolo de quem leva o jornalismo a sério, muita gente se precipitou. A “morte” do apresentador foi dada como certa por parte da imprensa. Na BandNews FM, Reinaldo Azevedo chegou a falar que lamentava a “morte cerebral” de Gugu — mas, ainda no ar, se desculpou com a família e com a Record TV minutos depois. Por meio do blog que edita no site do carioca O Dia, Fábia Oliveira jogou para Reinaldo Azevedo e Amaury Jr., que falou em estado de saúde “irreversível”, a afirmação sobre a suposta morte. Mas como se fosse conquistar o Pulitzer, pontuou que “a coluna foi informada sobre o óbito na tarde” de ontem — como se que saber do falecimento de determinada pessoa minutos os segundos antes dos outros configurasse furo jornalístico. Não é, nunca foi e nunca será!

Fábia Oliveira escreve, ainda, que não teria abordado o estado de saúde de Gugu antes por “respeito à família”. Porém, mesmo sem a família e a equipe médica responsável pelos cuidados do apresentador falar em morte, a colunista de O Dia garantiu que o enterro já está sendo programado, e que será, segundo ela, realizado no Cemitério do Morumbi, em São Paulo. Além de Fábia Oliveira e O Dia, outros profissionais e veículos de mídia se precipitaram em relação ao noticiário sobre o apresentador. Aparentemente adepto ao “jornalismo” urubuzento, o site Bahia Notícias conseguiu a proeza de publicar o seguinte título: “Apresentador Gugu morre aos 60 anos após acidente doméstico, assessoria nega”. Cravou a morte, apesar de não ter informações oficiais. E ainda é capaz da equipe achar que mandou bem, pois “ouviu o outro lado”.

Jornalismo? Não! (Imagem: reprodução/Twitter)

Morte não é furo

Com todo esse desespero por parte do “jornalismo” urubuzento, é importante destacar que a notícia sobre uma morte — independentemente de quem seja — não pode ser considerada um furo. Numa profissão que há uma década se vê sem a obrigatoriedade do diploma e, agora, também sem a necessidade de registro, é cada vez mais importante mostrar, em casos como o que envolve Gugu e sua família, que um dos diferenciais da imprensa profissional é ter o poder de harmonizar o que é informação com fatores éticos e o mais importante: empatia e consciência humana. No exemplo de um falecimento, é preciso aguardar — no mínimo — os entes queridos serem informados e a nota médica ser devidamente divulgada. Fora isso, destacar que recebeu a informação do óbito antes de todo mundo é, para ficar em termos mais suaves, plena falta de bom senso e da prática do aguardado bom jornalismo.

As lições da crônica esportiva

Quem está envolvido na cobertura do caso envolvendo o apresentador Gugu poderia tomar notas com colegas da crônica esportiva — aquele segmento que a figura desprezível mencionada acima gostava de fazer chacotas. Tirando um ou outro caso, profissionais gabaritados passaram longe de querer mostrar ao público que eram responsáveis pelo furo jornalístico de que o empresário Saul Klein, herdeiro da rede Casas Bahia, estaria comprando a Associação Ferroviária de Esportes, clube de futebol sediado em Araraquara (SP). Ao divulgar o tema, gente como Milton Leite, Menon, Luiz Andreoli, Jota Júnior, Mauricio Noriega, Luiz Ademar, Leandro Quesada, Milton Neves e Mauro Cezar Pereira fizeram questão de ressaltar: a notícia sobre a aquisição da Ferroviária foi dada em primeira mão por Rodrigo Viana.

Pode parecer pouca coisa, mas o furo jornalístico (esse sem aspas) protagonizado por Rodrigo Viana deixa, ao menos duas lições da crônica esportiva para o restante da imprensa — ainda mais para a parte de celebridades, que está acompanhando o estado de saúde do Gugu. A primeira é que dar o crédito a um colega não tira o brilho de ninguém. Pelo contrário, enobrece. E faz com que o público confie ainda mais nas informações divulgadas, mostra sinceridade com quem acompanha o seu trabalho. A segunda lição — que no momento se torna ainda mais importante — é mostrar que é preciso que colegas se unam. Enquanto profissionais da crônica esportiva ressaltam que a exclusiva foi de autoria de Rodrigo Viana, a editoria de celebridades poderia se unir e aguardar, se for o caso, informações da Record TV, que é a empregadora do apresentador (além, é claro, do já citado parecer médico). Porém, infelizmente, não dá para esperar muita coisa de quem se empolga em produzir “jornalismo” urubuzento.

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