Editorial do Portal Comunique-se relembra uma história que mostra que o bom jornalismo pode fazer mais pela Justiça do que atores do “gilmarmendismo”
Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e dono de um linguajar de se fazer inveja a intelectuais de botecos, deve ter passado os últimos dias realizado. Nenhum outro colega de suprema corte teve mais destaque – positivo ou negativo – na imprensa ao longo da última semana. O juiz, que acha comum se encontrar com o impopular presidente da República fora da agenda oficial, voltou a ganhar os holofotes “graças” à dupla decisão tomada em favor de Jacob Barata Filho, empresário do setor de transporte do Rio de Janeiro.
Em menos de 24 horas, o integrante da mais alta corte do poder Judiciário brasileiro livrou da cadeia o empresário, que chegou a ser detido em operação da Polícia Federal, por duas vezes. Não fosse o jornalismo, o caso ficaria como mais uma decisão característica do “gilmarmendismo”. Para sorte do público, porém, sites, jornais, rádios e emissoras de TV avisaram: a filha de Jacob Barata Filho teve como padrinho de casamento Gilmar Mendes, como destacou o Congresso em Foco. A mesma imprensa que, como o Nexo Jornal, relembrou outras relações mantidas pelo magistrado
“Não é o rabo que abana o cachorro”. Frase de intelectual de boteco? Não! Palavras de um ministro do Supremo Tribunal Federal – frase captada pelo UOL
Roger Abdelmassih, ex-médico que chegou a ser estrela midiática, com participações em programas de TV na década de 1990 e início dos anos 2000. Especialista em reprodução assistida, deixou as colunas sociais e os noticiários relacionados à saúde para ganhar as manchetes policiais. Isso porque foi condenado a 278 anos de prisão por ter estuprado 39 mulheres. Assim como Gilmar Mendes, Abdelmassih ganhou destaque na imprensa na última semana, pois, conforme registrou o G1 e outros veículos de imprensa, o Tribunal de Justiça suspendeu a prisão domiciliar e determinou que ele voltasse para trás das grades.
O juiz falastrão e o médico-estuprador têm mais em comum do que terem sido personagens de pautas ao decorrer dos últimos dias. Mesmo condenado por múltiplos estupros, Roger Abdelmassih deixou a cadeia em 2009, em virtude de um habeas corpus concedido pelo então presidente do STF, que era… Gilmar Mendes. Para tal, avaliou-se nada provava a possibilidade de “persistência dos alegados abusos sexuais, em momento posterior à deflagração do procedimento investigatório”. Atenção para as palavras: “alegados abusos”. “Alegados”. Além disso, na ocasião, o ministro deve ter se esquecido de que, livre, o condenado poderia cometer outros crimes, como fugir do Brasil, por exemplo.
Foi o que aconteceu. Libertado pelo então presidente da chamada suprema corte do país, o ex-médico Roger Abdelmassih passou a ser considerado foragido da Justiça brasileira em 2011. A fuga se estendeu até agosto de 2014. O estuprador foi capturado em operação conjunta das polícias federais do Brasil e do Paraguai, onde o condenado – e milionário – vivia com a família. Mas quem ajudou a localizar Abdelmassih? Agentes do poder Judiciário? Não!
O médico-estuprador foi localizado e preso em decorrência do incansável trabalho do produtor Leandro Sant’Ana e da equipe de reportagem da Record TV. Como assim? Vale relembrar trecho da reportagem do Portal Comunique-se sobre a prisão do criminoso então foragido e a “caçada” promovida pelo jornalista. “A apuração do caso levou o profissional [Leandro Sant’Ana] à França, Suíça, Mônaco e, também, ao interior de São Paulo e Mato Grosso. Na semana passada [em agosto de 2014], novas informações direcionaram o produtor a Foz do Iguaçu (PR), Ciudad del Este e Assunção, as duas últimas no Paraguai. Desde terça-feira, 12, Sant’ana, passou a observá-lo e, no sábado, 16, juntaram-se a ele o repórter Michael Keller e o cinegrafista William Mota”.
Qual o sentido de um site focado em noticiar assuntos sobre a imprensa e a comunicação falar sobre Gilmar Mendes e Roger Abdelmassih dias após os dois voltarem a ser notícia Brasil afora? Aqui, o objetivo é mostrar que no país do “gilmarmendismo” o bom jornalismo se sobressai – até mesmo ajudando a capturar estupradores que escapam depois de serem contemplados com habeas corpus vindos do Supremo Tribunal Federal (STF). E o bom jornalismo deve ser valorizado sempre que possível.
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