As fake news venceram. Encurralaram o gigante e o Facebook não teve outra alternativa a não ser jogar a toalha. E tudo indica que esta foi só a primeira batalha: a guerra vai continuar, incrivelmente com desvantagem para o gigante.
Desde o anúncio de Mark Zuckerberg sobre as mudanças no feed do Facebook, centenas – talvez milhares – de análises incendiaram o debate online e offline a respeito do tema. As opiniões dos gurus do novo mundo digital vão desde avaliações mercadológicas da medida até elaborados paralelos com pontos de vistas políticos e sociológicos da nova postura da rede social.
É difícil, no entanto, encontrar uma análise que não coloque o Facebook na condição de uma espécie de Meu Malvado Favorito, um vilão quase bonzinho, que gostaria de roubar a lua, ficar com todo o bolo do mercado de publicidade digital, manobrando com maestria uma gigantesca horda de minions base de usuários dóceis e pouco críticos.
Tudo bem, me pegou: esse texto é mais uma análise de um pretenso e presunçoso guru. O fato é que a maioria dessas opiniões supervaloriza o protagonismo da iniciativa, quando desta vez Zuckerberg talvez esteja mais para vítima. E não, não se trata aqui de uma defesa do Gru Zuc. Trata-se de uma observação do mítico confronto entre criador e criatura.
“Maioria das opiniões supervaloriza o protagonismo, quando desta vez Zuckerberg talvez esteja mais para vítima”
A redução da exposição — e consequentemente do alcance e engajamento — de conteúdos de páginas no feed de notícias não é um movimento recente. E, pensando em retrospecto, talvez o leitor perceba que essa redução se acentuou muito conforme a sociedade, governos e usuários em geral começaram apontar os perigos das fake news. Não apenas apontar, mas também cobrar soluções.
A gota d’água foi o processo que acusa o Facebook de assumir uma condição passiva diante de uma investida russa para influenciar as eleições presidenciais nos Estados Unidos. Uma novela que já havíamos visto ou veríamos novamente em outros pleitos, do Brasil ao Zimbábue.
Conteúdo jornalístico perde espaço em nova atualização da rede de Mark Zuckerberg
Enquanto seguia seu curso rumo à cristalização da vilania, a rede social arriscou alternativas. Admitindo a falta de senso e contexto nos seus algoritmos, anunciou a contratação de cerca de três mil operadores humanos que seriam treinados para fazer manualmente a “censura” de postagens potencialmente falsas (ou com discursos de ódio, discriminação ou meramente contrárias ao código de conduta da empresa).
Diante da insuficiência e ineficácia da medida, tentou combinar ambos – código e operadores – para identificar postagens de origens pouco confiáveis e marcá-las como tal. Mas, neste caso, delegou aos usuários a responsabilidade de não se engajarem nesses conteúdos. Assim, quem sabe, diminuiria o alcance das notícias falsas. A estratégia de sinalização, no entanto, saiu pela culatra. Habitualmente ligados a páginas de humor ou perfis e fan pages falsas, os posts marcados muitas vezes geravam mais engajamento do que seu potencial sob condições normais. Afinal, todo mundo sabe que na rede a zoeira não tem limites.
Com isso, a extinção — ou quase — do feed de notícias era o próximo passo lógico. E, dessa vez, mirando um triplo benefício calculado.
Benefício triplo com as mudanças do feed de notícias
Em primeiro lugar, a decisão não deve afetar significativamente a estratégia de monetização do Facebook. Há algum tempo os mesmos gurus da era digital vem professando que a visibilidade orgânica, aquela espontânea e baseada em interesse legítimo no conteúdo comercial, morreu. Só se destaca na rede de Zuckerberg quem impulsiona posts e promove anúncios. Uma prática que por si só e razões óbvias seleciona os atores do espalhamento de conteúdos e facilita sua identificação.
“A extinção — ou quase — do feed de notícias era o próximo passo lógico”
Ao mesmo tempo, a iniciativa mantém o caráter social e relacional que remete à origem da rede. Com o benefício adicional de permitir delegar aos perfis pessoais a responsabilidade pela propagação de fake news ou conteúdos de caráter ou intenções duvidosas.
O terceiro e último benefício é discursivo. A saída poderia conferir ao Facebook a possibilidade de posar como benevolente à comunidade global. Não mais com a vilania de quem ajudou – pela ação ou pela inépcia – a derrubar ou a levantar governos, manipulando o destino do mundo. E, neste sentido, a declaração de mudanças no algoritmo não precisaria – como não o fez – desculpar-se do seu catastrófico e já conhecido efeito de filtro bolha.
Resumo da ópera: foi provavelmente a saída menos pior possível para protelar seu domínio. Em vias de tornar-se o grande vilão, pela incapacidade de conter as fake news, o Facebook jogou a toalha. E o fez sem perder foco no gigantesco negócio de publicidade em que se transformou. Acabou com o feed de notícias e agora só catapulta quem paga, ao mesmo tempo em que posa de benevolente empreitada para conectar pessoas.
Mas, no fundo, é apenas um movimento no sentido de não admitir-se incapaz de conter os monstros que criou. Ou aquele em que ele próprio se tornou.
Resta saber se a iniciativa será suficiente. Uma queda de 4% no valor das ações é facilmente recuperável. Difícil será sobreviver num mercado repleto de tecnologias e ideias disruptivas que a todo momento procuram explorar falhas na matrix. Provavelmente continua em desvantagem, em seu próprio terreno.
*Jeferson Martinho. Jornalista e CEO da Nova Onda Comunicação.
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