O ensino do jornalismo à distância, durante a pandemia, afetará a qualidade dos futuros profissionais? Tal questão tem preocupado alunos, professores e até mesmo jornalistas atuantes na área, que ainda não sabem como as mudanças desse momento podem afetar a profissão. Afinal, ela é tradicionalmente pautada pelo contato humano e a comunicação presencial.
A doutora em educação e professora na Universidade de Brasília (UnB), Andrea Versuti, afirma que a falta de disciplinas presenciais pode prejudicar os futuros jornalistas, em casos de disciplinas práticas essenciais à profissão. Ela explica que para impedir isso, é necessário a disponibilidade de aulas específicas para aqueles que não tiveram a disciplina presencial. “No cenário pós-pandemia, imagino muitas experiências de atividades complementares e as instituições vão ter que se organizar para ofertar”, ressalta.
Andrea Versuti afirma ainda, que o isolamento social causou uma mudança na educação para a qual muitos professores não estavam preparados e não tiveram o suporte necessário. Por isso, muitos estudos devem ser feitos para medir as consequências da pandemia na educação. “Essas pessoas não deixaram de aprender, mas elas aprenderam coisas diferentes”, explica.
Em abril, o Ministério da Educação (MEC) lançou um painel de monitoramento do ensino nas universidades federais durante a pandemia. De acordo com o acompanhamento, entre as 69 instituições, apenas uma (UNIFAP) está com as aulas suspensas e as demais seguem com o ensino remoto.
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Uma delas é a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), que mantém o ensino totalmente remoto até o final de 2020. A professora de radiojornalismo na instituição, Daniela Ota, afirma que suas aulas foram adaptadas, mas algumas práticas em estúdio não puderam ser realizadas, como a Rádio Corredor. Por isso, a intenção é que no próximo ano, seja ofertado um projeto de extensão com as práticas para os alunos que fizeram a disciplina remotamente. “É um ano em que a gente precisa tentar se adaptar e ver tudo que é possível”, relata.
O modelo adotado pelas instituições de ensino, em todo o mundo, foi o Ensino Remoto Emergencial. É importante ressaltar que a metodologia é diferente do ensino à distância, apesar de ambos serem caracterizados por aulas realizadas em plataformas digitais.
Enquanto o EAD é uma modalidade educacional, já consolidada pelo (MEC), o ensino remoto é uma metodologia adotada diante um momento de urgência – neste caso, em especial, por conta da pandemia. Ela está embasada por diversas portarias elaboradas pelo Ministério da Educação, divulgadas a partir de março deste ano.
A matéria ‘As universities go remote, student newsrooms adapt’, publicada no International Journalists’ Network (Ijnet), revela que nos Estados Unidos, os alunos sentem maiores dificuldades para a produção de notícias nos jornais estudantis. A falta de disciplinas presenciais impediu o contato direto com possíveis pautas.
“Em tempos normais, estaríamos andando pelo campus para ir à aula e veríamos histórias em potencial, mas isso não é mais possível”, disse Anna Pogarcic, editora-chefe do jornal estudantil da Universidade da Carolina do Norte, ao Ijnet .
A estudante Gabriela Longo, também da UFMS, está no sexto semestre e fez a maior parte das disciplinas laboratoriais durante o isolamento social. Ela relata que, assim como outros colegas, entende a necessidade do ensino remoto, mas tem receio em ter a sua formação profissional prejudicada, de modo que terá maiores dificuldades para ingressar no mercado de trabalho.
A adaptação ao modelo de ensino durante a pandemia foi escolhido individualmente por cada instituição de ensino. Afinal, esse é um momento novo e ainda não há um passo a passo do que pode funcionar ou não. Algumas universidades optaram pela continuidade em todas as disciplinas por meio do ensino remoto, outras suspenderam as aulas práticas e houve, inclusive, aquelas que suspenderam todas.
A professora e coordenadora do curso de jornalismo na universidade Unisagrado, Liliane Ito, explica que a adaptação ao novo método de ensino foi marcada por uma série de treinamentos com os professores e o apoio da Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). No início da transição para o ensino remoto, os professores gravavam as aulas e ficavam disponíveis para tirar dúvidas. Após os treinamentos, adotou-se o ensino por meio de chamadas de vídeo coletivas no Microsoft Teams.
“Foi extremamente exaustivo. Cada professor com a sua peculiaridade da sua disciplina, mas todos nós ficamos extremamente cansadas. Eu me sinto muito mais cansada, enquanto professora e coordenadora. Acho que é inevitável e todo o mundo se sente assim”, afirma.
Atualmente, o ensino presencial retornou para algumas disciplinas práticas, como os laboratórios de telejornalismo. Para isso, eles estão seguindo as recomendações de distanciamento social – cada aula é feita com 30% dos alunos e todos devem ficar distantes. “É um momento atípico, mas acredito que isso não vá trazer prejuízos na formação”, ressalta Liliane, sobre o ensino na Unisagrado.
Na UFMS, assim como na Unisagrado, o acesso à internet foi um dos maiores desafios. Além da conexão falha, tanto para alunos, quanto para alguns professores, há também casos de estudantes com pouco acesso à rede, seja por viverem em locais afastados ou até por morarem em aldeias indígenas.
Apesar das dificuldades de adaptação, há também pontos positivos nessa mudança. Andrea Versuti ressalta que, com a necessidade de maior utilização da internet, um dos benefícios foi o aumento na prática de pesquisas e checagem de informações. “Acho que vai ter coisas nem só boas e nem só ruins. As pessoas tem que tirar essa ideia de binarismo, porque as coisas acontecem de formas tão múltiplas que uma experiência dessa é absolutamente rica de possibilidades. Então acho que esses profissionais vão ter que se reinventar e é impossível retroceder”, pondera.
A mesma opinião é apresentada por Daniela Ota, que afirma ainda que vivemos um momento de mudanças no jornalismo. De acordo com ela, isso pode ser visto tanto na maneira de apuração e de produção de conteúdos, quanto na apresentação de programas, que há tanto tempo prezam pela qualidade de imagem e som, mas com a pandemia, precisaram abrir mão disso em prol do conteúdo. “Não estou minimizando o prejuízo, mas acho que as questões que a pandemia trouxe com relação ao modo de produção no jornalismo e à execução, vieram para ficar”, finaliza.
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