“O foco é dar voz às pessoas que têm histórias de luta, mas sem qualquer microfone aberto para ecoarem seus gritos e vivências. Ou seja, estou falando de pessoas que são tratadas como invisíveis pela sociedade, consideradas comuns ou anônimas, sem grande mídia ou alcance”. Esse é o propósito do ‘Aspas Invisíveis’, programa no YouTube idealizado e apresentado pelo jornalista Fernando Guifer. O projeto está no ar desde o início do mês.
Com periodicidade quinzenal neste início de trabalho, com terça sendo dia de publicação de novo vídeo, o programa de entrevistas funciona por temas. O primeiro aborda a questão do abandono paterno. O segundo tem como assunto a homoafetividade. Sobre o perfil dos entrevistados, Fernando Guifer salienta que ele está na mesma situação. Afinal, criado em Guaianases, bairro do extremo leste da cidade de São Paulo, ele se considera dono de “aspas invisíveis”.
E sobre o trabalho no YouTube, que pode ajudá-lo a não ter mais aspas invisíveis, Fernando Guifer conversa com a reportagem do Portal Comunique-se. Confira, abaixo, a íntegra da entrevista:
Quais fatores o motivaram a criar esse projeto no YouTube?
Meu trabalho sempre foi movido por propósitos. Não faz sentido para mim ficar quatro anos em uma universidade e sair apenas pensando em meu próprio umbigo, em ficar rico, em ficar famoso. O glamour é fugaz, é forasteiro. O que vale mesmo é o que fazemos e deixamos para o mundo e para as pessoas.
Não tenho o menor interesse em aparecer em uma grande emissora todos os dias, ter milhões de seguidores e ser mais conhecido como celebridade do que como um jornalista de credibilidade. Prefiro meia dúzia de likes em algum trabalho que me dê a sensação de ter impactado positivamente a percepção de alguém sobre algo, do que ter milhares de likes em uma foto frente ao espelho que não diz absolutamente nada, saca?
E o ‘Aspas Invisíveis’ foi idealizado para criar, de alguma forma, um comichão nas pessoas. Prefiro gerar valor, agregar. Me incomoda muito saber que estou produzindo algo por produzir, sem gerar real valor ao público.
‘Aspas Invisíveis’. Com esse nome, quais perfis serão na prática os donos das aspas a ganharem vez no seu projeto?
Cada episódio terá um tema como ponto de abordagem e, para falar a respeito, um convidado compartilhará sua experiência acerca do assunto. O foco é dar voz às pessoas que têm histórias de luta, mas sem qualquer microfone aberto para ecoarem seus gritos e vivências. Ou seja, estou falando de pessoas que são tratadas como invisíveis pela sociedade, consideradas comuns ou anônimas, sem grande mídia ou alcance. Nem sempre o final será feliz, mas a vida é assim mesmo, infelizmente. Pessoas de verdade, não celebridades de plástico.
Criado em Guaianases, extremo leste da cidade de São Paulo, você já chegou a se considerar uma “aspas invisível” perante a sociedade?
Não tenho dúvidas de que minhas aspas ainda são invisíveis, embora trabalhe arduamente, com muita seriedade e profissionalismo, para conquistar meu público e, consequentemente, cada vez mais alcance, ao inspirar as pessoas e despertar nelas alguma mísera reflexão que seja.
Hoje, porém, tenho ciência do quão invisível ainda sou. Pessoas imersas ao contextual social ao que nasci e fui criado não conseguem ascensão “do nada”, na “sorte” e com oportunidades “caindo no colo”. Não há o tal do “QI” (quem indica) da realidade em que venho. Preciso continuar trabalhando para me fazer visível e contribuir ainda mais com o jornalismo e a sociedade.
Ainda sobre o conceito de “aspas invisíveis”: como você analisa a imprensa brasileira? Você a considera viciada em um perfil de entrevistado? Falta dar voz a quem é da periferia e pertences às minorias?
A imprensa de massa é movida por audiência, por clique, e, acredito que, as periferias e o povo pobre, embora talvez sejam os grandes consumidores e mantenedores dos gigantes da comunicação, não são tão considerados e ouvidos como deveriam. Há um jogo comercial que mina o jornalismo e diariamente o confunde com a publicidade na percepção das pessoas. O pobre não vende, não compensa, não vale uma pauta grande, bacana e em horário nobre, entendeu? É assim que tratam o pobre, marginalizando-o.
As favelas, o povo preto, o gay, o deficiente, enfim, minorias em geral, ainda não têm o espaço de merecimento na grande imprensa, exceto quando a pauta é violência. Raramente o espaço é aberto para que esses comuns de nosso dia a dia explanem seus sonhos, medos, anseios, vivências, talentos… graças a Deus, os anônimos estão deixando de ser anônimos justamente por não esperarem nada da grande mídia. Hoje, eles abrem seus próprios canais e páginas para se tornarem visíveis.
Você já tem livro publicado e pode ser considerado um influenciador digital. A ideia é expandir o seu novo projeto para outras plataformas?
Até por considerar que minhas aspas ainda são invisíveis, não acredito que seja um influenciador digital. Talvez um micro, não sei. Procuro não pensar muito nisso. Não tenho influenciado nem dentro da minha própria casa (risos). Pretendo ganhar notoriedade por meio do meu trabalho, que sempre foi feito com seriedade e, aos poucos, conquistar meu público de fato para, aí sim, ter algum poder de influência relevante que fomente o pensar e o questionar nas pessoas.
Além do YouTube, o ‘Aspas Invisíveis’ está disponível também na versão podcast das principais plataformas de streaming. A gente precisa estar imerso às novas possibilidades do mercado para alcançar as pessoas de alguma forma, né? Jornalista hoje que se contenta em apenas reclamar da falta de oportunidades, morre sem elas. Se quiser ser visto, lido, acessado ou ouvido, o profissional de 2020 deve criar suas oportunidades.
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