Opinião

Jornalista é processado mais de 50 vezes após publicar denúncia

Jornalista Wellington Macedo é alvo de 59 processos. Todas as ações tem um mesmo advogado, que é servidor público em cidade do Ceará que é administrada pelo clã Ferreira Gomes

Após publicar em 13 de setembro de 2018 a série de reportagens “Educação do Mal” sobre supostas fraudes nas avaliações de educação em Sobral, o jornalista Wellington Macedo passou a ser alvo de 59 processos por danos morais no Juizado Especial Cível. As ações são movidas por diretores e diretoras de escolas do município e foram protocoladas em um intervalo de sete dias (de 19 a 27 de setembro). O advogado em todas as ações é Charles Antonio Ximenes de Paiva, servidor responsável pelos contratos e convênios da Secretaria de Educação de Sobral.

O material, publicado no canal de Wellington Macedo no YouTube, traz entrevistas com estudantes e pais sobre o funcionamento do suposto esquema de fraudes do município. Os estudantes com bom desempenho escolar seriam previamente selecionados pela diretoria das escolas para realizar as provas, além de receberem treinamento para dar as respostas certas. O esquema de adulteração dos resultados funcionaria graças a uma articulação entre alunos, professores, gestão escolar e secretaria de Educação.

Repercussão: Após a divulgação do material, outros veículos como a Folha de S. Paulo e revista Nova Escola também publicaram reportagens sobre o caso.

Wellington Macedo afirma que o prefeito de Sobral, Ivo Gomes (PDT-CE), teria obrigado os diretores e diretoras a entrar com as ações. Procurada por meio da assessoria de imprensa para esclarecer a alegação, a secretaria de Educação de Sobral não respondeu à reportagem. O advogado responsável pelos processos também não se pronunciou sobre um possível conflito de interesse em sua atuação nem sobre eventual orientação da prefeitura ou da secretaria para entrar com as ações.

O jornalista conseguiu que as audiências de conciliação de todas as 59 ações fossem agendadas para o mesmo dia e horário, 19 de fevereiro, às 11h. Wellington Macedo vê os processos como “apenas parte das tentativas de intimidar o meu trabalho”.

Mais processos

Outras ações têm a reportagem como alvo: o governador Camilo Santana (PT-CE), reeleito em 2018, e o então candidato ao Senado Cid Gomes (PDT-CE) pediram na Justiça a retirada do “Educação do Mal” do YouTube. O processo está em andamento. Durante a campanha eleitoral, a equipe de Camilo Santana teve o pedido para retirar a série do YouTube negado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Ceará.

O secretário de educação de Sobral Francisco Herbert Lima Vasconcelos entrou com uma representação contra Macedo na Comissão de Ética dos Jornalistas do Ceará em 8 de novembro de 2018. Segundo o presidente da Comissão, Salomão Filho, o processo tramita em sigilo de acordo com o regimento interno do órgão. “O que mais me preocupou foi a ousadia maliciosa de terem procurado o Sindicato dos Jornalistas do Ceará oferecendo uma denúncia mentirosa, cujo objetivo é o de provocar uma punição da entidade sobre mim”, diz o jornalista.

Wellington Macedo ainda relata coações: em 30 de novembro do ano passado, o jornalista registrou um Boletim de Ocorrência relatando ter sido ameaçado em frente à escola Mocinha Rodrigues ao se dirigir a casa da mãe de um dos alunos, próxima ao local. Ele entrou com um pedido de proteção junto ao Ministério Público Federal em 12 de dezembro, solicitando sua inclusão no programa de proteção à testemunhas e autorização para a aquisição de uma arma de fogo. Procurado, o MPF informou que o pedido está sob sigilo.

“O que mais me preocupou foi a ousadia maliciosa de terem procurado o Sindicato dos Jornalistas do Ceará oferecendo uma denúncia mentirosa”

A abertura de processos em massa contra jornalistas é frequente: foi utilizada contra o jornal Gazeta do Povo em 2016, após a publicação de reportagem sobre a remuneração de juízes e promotores do Paraná; contra o site Congresso em Foco em 2011, após a publicação de reportagem sobre supersalários no Senado; e contra a jornalista Elvira Lobato em 2008, por causa de reportagem sobre o patrimônio empresarial de dirigentes da Igreja Universal.

Reclamação

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) repudia o assédio judicial contra Wellington Macedo. A prática de mover dezenas de processos contra jornalistas em juizados de pequenas causas é uma estratégia de intimidação e, como tal, um atentado à liberdade de imprensa. Certa de que o Judiciário cearense seguirá decisões do STF e de outros tribunais em casos semelhantes, a Abraji espera que as ações sejam recusadas.

Leia mais:

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Por Natália Silva.

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Abraji

Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo. Criada em 2002 por um grupo de jornalistas brasileiros interessados em trocar experiências, informações e dicas sobre reportagem, principalmente sobre reportagens investigativas. É mantida pelos próprios jornalistas e não tem fins lucrativos.

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