Criado por Juan Ravell, Ampli mistura jornalismo explicativo e humor. Projeto já estreou com uma série de três episódios sobre a Operação Lava Jato
Por Julio Lubianco. Texto publicado originalmente no site do Knight Center for Journalism in the Americas
Investigações jornalísticas de temas de impacto são normalmente complexas. As de longo prazo, especialmente. Misturam documentos, pessoas, empresas e autoridades em tramas muitas vezes elaboradas nas quais é fácil se perder. A dificuldade de compreensão é um dos motivos que reduz a audiência de parte destes conteúdos de extrema relevância, apesar dos esforços dos jornalistas em deixá-los claros e bem explicados. Para ampliar a compreensão e a difusão de histórias importantes e complexas, surgiu o Ampli, um canal de conteúdo informativo, entrevistas e investigação de temas relevantes para a América Latina. Ele mistura jornalismo explicativo e humor. O projeto já estreou com uma série de três episódios sobre a Operação Lava Jato e os seus desdobramentos nos países da região.
“No Ampli, queremos nos aproximar do jornalismo, junto com a nossa sensibilidade e a nossa capacidade de mobilizar a audiência, que é um pouco diferente do jornalismo. Para que isso funcione e ganhe corpo, porque fazer jornalismo é uma coisa séria, precisamos buscar alianças”. Foi o que disse Juan Ravell ao Knight Center for Journalismo in the Americas. Ele é o CEO da Plop Contenido, produtora responsável pelo Ampli. Juan Ravell e sua empresa estão por trás de um dos sites satíricos mais populares da Venezuela, o El Chigüire Bipolar. Também comandam vários outros projetos de humor político no país e na América Latina, como El Reporte Semanal e Isla Presidencial.
Parcerias
Da ampla experiência na Plop e de Juan Ravell no humor político, surgiu a ideia de dar um passo adiante e se aproximar ainda mais do jornalismo. Para isso, foi necessário buscar parcerias com jornalistas investigativos experientes do continente. Foi o que aconteceu com a repórter e editora Romina Mella, cofundadora do IDL-Reporteros, um meio independente de jornalismo investigativo do Peru. Desde 2011, Romina Mella e sua equipe produziram diversas investigações sobre as relações entre a construtora brasileira Odebrecht e o governo peruano. Com a empresa no centro do caso de corrupção descoberto pela Operação Lava Jato no Brasil, não tardou muito para que surgissem escândalos similares no continente.
“Em 2015, criamos uma rede latino-americana para cobrir o caso, pois nos demos conta que era o caso mais importante de corrupção da América Latina. A rede funciona até hoje como uma redação virtual. Compartilhamos muita informação, fontes e conhecimento, para revelar informações em todos os países”, disse Romina Mella. Esta mesma rede foi acionada para a produção dos três vídeos sobre a Operação Lava Jato que marcam a estreia do canal Ampli. “Eles nos serviram de fontes, de fact-checkers e jornalistas investigativos, para uma série fiel à realidade, na qual contamos uma história real, com um pouco do nosso estilo, a sátira, com muitas analogias. Uma explicação divertida de um tema complexo”, reforçou Juan Ravell.
Vídeos da Lava Jato
Os três vídeos da série do Ampli sobre a Operação Lava Jato na América Latina têm ao todo 26 minutos e seis segundos de duração. Os conteúdos levaram oito meses de produção, desde a ideia até a publicação, passando pela pesquisa, roteiro, animação e edição. A escolha do tema foi estratégica. Isso porque a operação, segundo Juan Ravell, conseguiu quase todos os países América Latina. “O caso Lava Jato é o que transcendeu mais fronteiras. A tecnologia de corrupção que o Brasil exportou se implementou em todos os lados, e há muitos cruzamentos. Para lançar um meio de jornalismo explicativo com sátira, nada melhor que a Lava Jato para unir toda a região”, disse o CEO da Plop Contenido.
Os vídeos explicam didaticamente e os principais fatos da Operação Lava Jato na América Latina. Vai do início das investigações no Brasil, com as prisões do então diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef. Passa pelo departamento de operações estruturadas montado dentro da Odebrecht apenas para gerenciar o pagamento de subornos a políticos. E chega até a lentidão com que os sistemas judiciais da região vêm lidando com o tema. Com muito humor, referências à cultura pop e animações divertidas, a série sobre a Lava Jato produzida pela Ampli tem o mérito de unificar a narrativa ramificada do esquema de corrupção, informando e, ao mesmo tempo, divertindo o público. E como a história segue se desenvolvendo no mundo real, não estão descartados novos vídeos.
Momento oportuno
A recente descoberta de que o juiz brasileiro do caso, Sergio Moro (hoje ministro da Justiça nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro), e o principal promotor, Deltan Dallagnol, trocaram muito mais informações do que seria esperado durante a investigação do caso, conforme revelou o site The Intercept Brasil, indica que mais capítulos podem surgir. “(O vazamento das conversas entre Moro e Dallagnol) vai nos fazer perder toda a série”, brincou Juan Ravell. “Fomos muito conscientes em nunca elevar o papel de Moro como salvador. A partir do momento que foi nomeado ministro, já levantava suspeita”.
Próximos passos
Depois da série sobre a Lava Jato, o Ampli já tem outros vídeos em pré-produção. É o que adianta o responsável pelo projeto. Mais do que produzir conteúdo, o momento atual do canal é de experimentar com as narrativas que misturam jornalismo e humor, sentindo a recepção do público. “Há umas histórias em pré-produção. Estamos fazendo também outros conteúdos que são menos ambiciosos, histórias menores, com um apresentador. Algo para balancear com o esforço exigidos por séries como a da Lava-jato, que são mais sensíveis de produzir”, explicou o comunicador.
Uma boa notícia é que a equipe do Ampli está buscando histórias e parcerias com jornalistas de toda a região. Segundo Juan Ravell, histórias curiosas que revelem, ao mesmo tempo, os bastidores de crises e informações delicadas sobre a realidade da América Latina. “Este processo foi muito interessante, aprendemos muito e não queremos que fique aí. Queremos trabalhar com outros jornalistas, de outros países”, disse o comunicador.
Experimentando com uma nova linguagem
O CEO da Plop Contenido considera que o Ampli está numa fase ainda experimental, em que ele quer testar a premissa de que é possível produzir um conteúdo noticioso com uma pegada humorística. “(Queremos) levantar audiência e sobretudo para demonstrar que há apetite para estes temas na América Latina. Digo com total sinceridade, é uma coisa muito experimental. Estamos no gênesis. Já saiu a série (da Lava-Jato), mas há muito que provar”, comentou Juan Ravell.
A proposta entusiasma jornalistas como Romina Mella, que pretende seguir colaborando com o canal em novas investigações de casos de corrupção e escândalos que ocorrem na América Latina. “Parece-me uma grande oportunidade de levar essas grandes investigações, muito complexas, a este formato de humor, para que muito mais pessoas possam entender, de uma forma que desperte o interesse. Creio que o humor gera uma grande aproximação com o público. A nós, jornalistas, nos interessa que as pessoas entendam e conheçam as nossas histórias, e através do humor, isso ocorre”.