Ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia participou do 11° Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Em encontro para discutir a liberdade de imprensa e expressão no judiciário, a magistrada conversou com Míriam Leitão e criticou as ações de juízes contra profissionais da Gazeta do Povo. Para ela, o caso se trata de grave perseguição à imprensa.
De acordo com Cármen, a situação muda o que estava sendo falado até agora sobre censura judicial e distorce o direito à privacidade. “Os juízes são servidores públicos e o que diz respeito as suas funções são públicas. Os dados divulgados pelos jornalistas da Gazeta do Povo não eram proibidos e fazem parte da transparência”, comentou. Sobre o julgamento, a ministra ressaltou que como parte interessada os juízes não podem apreciar os casos.
“O que nos for considerado como atingindo expectativa, interesse ou direito, vai se entrar no Poder Judiciário, vai se ingressar na condição de parte, por isso eu chamei a atenção que não sabemos a decisão que um juiz pode provocar, se ele tiver qualquer impossibilidade de julgar com imparcialidade, a parte contra aquele jornalista ou aquela empresa jornalística que ele considerou, esse juiz não poderá julgar”, explicou.
Em tom bem humorado, Cármen recheou a conversa com referências literárias – em citações que foram de Cecília Meireles a Guimarães Rosa – e histórias inusitadas. O debate foi ampliado, ainda, para a transparência do poder Judiciário e os “vazamentos seletivos” que frequentemente são vistos na imprensa durante a cobertura da Operação Lava Jato.
Equipe pode ser condenada
O ‘Jornal Nacional’ divulgou na última semana que a equipe da Gazeta do Povo corre o risco de ser condenada por ter faltado em uma audiência na sexta-feira, 24. Segundo as informações, com o aumento do número de ações, os profissionais precisavam participar de duas audiências praticamente no mesmo horário, só que a quase 400 quilômetros de distância uma da outra.
Ao ‘JN’, o jornalista Chico Marés, que está sendo processado, falou que era fisicamente impossível participar dos dois eventos. “A não ser que a gente se teletransportasse de um lugar para o outro, não teria como comparecer as duas ao mesmo tempo”, disse.
Desde abril, quando começaram as ações, os repórteres já percorreram mais de nove mil quilômetros. “O que está em questão aqui não é se eles têm ou não direito a entrar na Justiça, mas sim a forma que eles entraram na Justiça que é uma agressão mesmo, uma agressão ao nosso trabalho, à Gazeta do Povo e, sobretudo, à liberdade de imprensa”, afirmou Marés ao jornalístico da Globo.
Entenda o caso da Gazeta do Povo
A Gazeta do Povo e cinco repórteres do jornal foram processados por magistrados do Paraná por causa de reportagens publicadas nos dias 15, 16 e 17 de fevereiro de 2016. As matérias abordaram o conceito de “teto constitucional” e remuneração que ultrapassa o teto, ainda que dentro da legalidade. Os processos foram abertos em diferentes cidades no Juizado Especial, que aceita causas de pequeno valor (até 40 salários mínimos).
A Gazeta do Povo afirma que as reportagens foram feitas com informações públicas disponibilizadas no Portal da Transparência. Segundo os dados da matéria, o rendimento médio de juízes e membros do Ministério Público no Paraná superou o teto de R$ 30.471,10 em mais de 20% no ano de 20145. As ações indenizatórias contra o conteúdo foram ajuizadas mesmo depois de o jornal ter feito esclarecimentos em seu editorial e publicado o direito de resposta solicitado pela Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar) e Associação Paranaense do Ministério Público (APMP).
A situação acaba por prejudicar o trabalho do impresso e dos profissionais, que estão sendo obrigados a deixar a redação para comparecer a todas as audiências pessoalmente, sob pena de serem condenados à revelia. A direção da Gazeta do Povo conta que o impedimento é comprovado com audiências marcadas para datas próximas ou mesmo coincidentes em locais distantes dentro do Paraná.