Opinião

Não há “solução mágica” no combate às fake news

O uso do termo desinformação, segundo a professora Madeleine de Cock Buning, é mais preciso do que fake news, nome apropriado por alguns políticos e seus apoiadores para desvalorizar notícias que os desagradam

Como é possível combater a desinformação, também conhecida como notícias falsas (ou fake news, no termo popularizado em inglês)? Na avaliação da professora e diretora do grupo de especialistas em desinformação da Comissão Europeia – órgão executivo da União Europeia, Madeleine de Cock Buning, não há apenas uma solução que dê conta do problema.

“Não há bala de prata. É um problema com várias faces. E tem que ter uma solução multidimensional. O nosso trabalho é definir o escopo do problema e formular recomendações”, disse. Madeleine participou quarta-feira, 24, em São Paulo, da conferência de abertura do Seminário Internet, Desinformação e Democracia. O evento foi promovido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), órgão multissetorial que organiza endereços da web no país e indica diretrizes sobre a rede. O encontro dá continuidade a um debate iniciado no ano passado sobre práticas para para conter o fenômeno da desinformação na internet.

Fake news?

O uso do termo desinformação, segundo a professora, é mais preciso do que fake news, nome apropriado por alguns políticos e seus apoiadores para desvalorizar notícias que os desagradam. “Nosso trabalho é definir o escopo do problema e formular recomendações”, afirmou.

Segundo a coordenadora, o grupo elaborou um relatório com recomendações sobre o tema. “É preciso ter uma abordagem em diferentes dimensões, fazer pesquisas para compreender o fenômeno e monitorar sua evolução. Isso inclui entender porque as pessoas gostam e compartilham notícias falsas e qual o impacto disso na vida política, como em eleições”.

O relatório sugere que as plataformas digitais adotem medidas para dar mais transparência à sua operação, mostrando como funcionam sistemas, algoritmos responsáveis pela escolha dos conteúdos, recomendações de vídeos, textos e imagens a cada usuário. “As plataformas não são transparentes sobre seus algoritmos. Somos deixados no escuro sobre o funcionamento desses sistemas”, ressaltou a professora.

Fora do Brasil

O documento elaborado pelo grupo da União Europeia indica que a desinformação não será combatida se não houver um ambiente plural e diverso, com diferentes fontes de informação disponíveis aos cidadãos. A promoção passa pelo empoderamento, tanto dos jornalistas e veículos profissionais de notícias, quanto dos próprios usuários. Iniciativas de formação – “alfabetização midiática” – fundamentais para que as pessoas tenham uma postura mais crítica, não acreditem ou não repassem as mensagens automaticamente.

Para Madeleine, a disseminação de notícias falsas está vinculada à desconfiança no conjunto das instituições, gerando um desinteresse no que elas apresentam como verdade. “Em muitos casos, pessoas preferem acreditar naquilo que confirma suas opiniões, evitando posições críticas.”

Código de práticas

O grupo elaborou um código de práticas para plataformas digitais como Facebook, Google, Twitter e Amazon, baseado em uma série de princípios que definem atitudes que as companhias devem adotar.

Algumas das práticas indicadas são as seguintes:

  • Adaptar suas políticas de publicidade, incluindo e identificando incentivos monetários à difusão de desinformação e avaliando formas de diminuir esses mecanismo;
  • Garantir transparência e formas de fiscalização pública sobre seu funcionamento e maneira como gerem o conteúdo de seus usuários;
  • Distinguir claramente o conteúdo, patrocinado e não pago, publicado pelos usuários;
  • Permitir o acesso a dados do que ocorre no seu interior e das mensagens difundidas para projetos de checagem de fatos e pesquisadores acadêmicos;
  • Disponibilizar aos usuários configurações para empoderá-los de modo a definir como desejam o fluxo de informações em suas linhas do tempo, personalizando sua experiência nesses ambientes;
  • Melhorar a visibilidade de notícias precisas e confiáveis e facilitar o acesso dos usuários a essas reportagens;
  • Colocar, junto a notícias de grande visibilidade na plataforma, sugestões de conteúdos relacionados que permitam outras perspectivas sobre um determinado fato;
  • Prover ferramentas amigáveis para permitir aos usuários estabelecer links com checadores de fatos de modo a conferir se há questionamento sobre as publicações que recebe;
  • Nas políticas de identificação de notícias apontadas como falsas (flagging, no termo em inglês), implantar salvaguardas para evitar abusos por usuários;
  • Fornecer dados relevantes sobre a operação de seus serviços para pesquisadores independentes.

Implantação

Madeleine explicou que após a conclusão do documento, em 2018, teve início um diálogo com as plataformas de modo a criar um “plano de ação” voltado para colocar em prática as recomendações formuladas.

Para além das medidas de auto-regulação das plataformas, a União Europeia aprovou, nos últimos anos, regulações importantes como o Regulamento Geral de Proteção de Dados e as novas diretivas de serviços audiovisuais e de direito de autor.

A especialista afirmou que, nas eleições para o Parlamento Europeu deste ano, não houve grandes ondas de desinformação. Segundo Madeleine, a implementação das recomendações vem sendo avaliada. Caso as medidas adotadas pelas plataformas não sejam suficientes, outras respostas mais fortes podem ser adotadas. “Mas este ainda não é o caso”, concluiu.

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Repórter: Jonas Valente. O repórter viajou a convite do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI).
Edição: Maria Claudia.

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Agência Brasil

Agência pública de notícias criada em 1989, logo após a incorporação da Empresa Brasileira de Notícias (EBN) pela extinta Empresa Brasileira de Comunicação (Radiobras). Em 2007, com a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que incorporou a Radiobras, passou a integrar o sistema público de comunicação.

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