Nas últimas semanas, a pandemia do novo coronavírus se tornou agenda prioritária nos veículos de comunicação de todo o país. Nas periferias brasileiras, coletivos e veículos de independentes têm se reinventado para enfrentar um duplo desafio: cobrir os impactos da covid-19 nestes territórios, e fazer com que informação de qualidade chegue à população, no lugar de boatos e desinformações.
A colaboração, ferramenta já comum entre esses projetos, tem sido peça-chave também neste momento. Redes que já existiam têm se fortalecido; e novas coalizões têm sido formadas para que a realidade das periferias também protagonize o jornalismo nos tempos do novo coronavírus.
Em 19.mar.2020, por exemplo, foi lançada a cooperação nacional #CoronaNasPeriferias. A iniciativa reúne dezenas de comunicadores e comunicadoras das periferias e favelas para informar seus territórios sobre ações relacionadas à doença. Também questionam que as medidas estabelecidas pelo poder público para conter a pandemia não levam em consideração as realidades periféricas.
“É aí que entramos. Nós, comunicadores periféricos e periféricas, de várias partes do país, estamos juntando esforços para colaborar com informações precisas e que realmente consigam alcançar os nossos. Precisamos saber informar nossas crianças, nossos jovens, nossos idosos, nossos pais, mães e familiares. De nós para os nossos!”, diz trecho da carta de lançamento.
A Abraji conversou com algumas iniciativas pelo país para entender os desafios enfrentados e quais as alternativas encontradas para retratar os impactos da covid-19 nas periferias, além de levar informações de serviço para essa parcela populacional.
Rádio poste
No Complexo do Alemão, zona norte do Rio de Janeiro, moradores criaram o “Gabinete de Crise” para colocar em prática ações de prevenção da covid-19 que levem em conta a realidade do território. Parte do trabalho é pensar em estratégias de comunicação que transmitam à população informações básicas, como os sintomas da doença, formas de prevenção e até o modo de lavar as mãos corretamente.
A dificuldade de falar com os ativistas por telefone, ou mesmo por mensagem, se explica pelo trabalho árduo, dia e noite, que eles têm desenvolvido para transmitir a informação não apenas nas redes sociais, mas também nas ruas — levando em conta, é claro, os cuidados de higiene.
“Duas estratégias, nas redes e nas ruas, são igualmente necessárias. Não são todos que têm acesso à internet e às redes sociais, principalmente os mais idosos”, explica Tiê Vasconcelos, moradora do Alemão e colunista do Voz das Comunidades.
Foi pensando nisso que passaram a usar a rádio poste do Complexo do Alemão e um carro de som que percorre a comunidade para transmitir alertas e informações de higiene e direitos. Esse mesmo material depois é distribuído nos grupos de WhatsApp da comunidade. “Atenção Complexo do Alemão, pedimos aos moradores que evitem aglomerações. Sua saúde em primeiro lugar”, é possível escutar em diferentes momentos do dia.
Panfletos informativos, cartazes nos postes e cards nos aplicativos de mensagem também levam material de serviço para os moradores. Até uma sirene, usada tradicionalmente para alertar sobre possíveis enchentes, tem sido usada para transmitir informações sobre o novo coronavírus.
Nas redes sociais, as postagens são acompanhadas da hashtag #COVID19NasFavelas, e têm sido disseminadas nas páginas do Coletivo Papo Reto e do Voz das Comunidades. Também foi criada uma campanha de arrecadação de itens como água, sabão e álcool em gel para os moradores das favelas do Rio.
WhatsApp, sim
Se os aplicativos de mensagem têm sido campo para disseminação de boatos e desinformação sobre o novo coronavírus, também é neste espaço que os comunicadores podem e devem atuar. Essa é a aposta feita por alguns coletivos de comunicação das periferias de São Paulo.
Desde 2015 com uma rede de correspondentes locais que moram nos bairros da periferia da Grande São Paulo, a Agência Mural direcionou todos os esforços de sua cobertura para o novo coronavírus.
Nesta semana, o projeto lançou o podcast Em Quarentena, que em cerca de 5 minutos aborda os problemas específicos enfrentados nesses territórios, e também traz orientações para os moradores. No segundo episódio, por exemplo, o debate é sobre a dificuldade de acesso à água e álcool em gel em Paraisópolis, na zona sul. É possível escutar no Spotify, e também receber diariamente pelo WhatsApp (11 9 7591 5260).
“Temos conversado com os moradores e visto como é mais complicado que as medidas importantes e prioritárias sejam aplicadas nas periferias, onde há aglomeração de casas, problemas com saneamento; e como as pessoas já estão sendo afetadas com a redução de suas rendas. Buscamos trazer essas histórias”, explica Paulo Talarico, editor-chefe de jornalismo da Mural.
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Ele lembra que, assim como jornalistas ao redor do mundo, os comunicadores periféricos têm encontrado dificuldades para exercer a profissão no período de quarentena. Mas explica que algumas delas são específicas. “Fazemos muitas pautas com o transporte público, e temos evitado ao máximo nestes dias. Além disso, a internet que chega nos bairros pode prejudicar o trabalho. Estamos entendendo como, dentro do possível, conseguimos disseminar as informações”.
Quem também tem apostado nas mensagens por áudio são as agências Alma Preta e Periferia em Movimento e o Desenrola e Não me Enrola. Juntos, os coletivos têm produzido o podcast Pandemia Sem Neurose, enviado pelo WhatsApp (11 95781 6636). É possível ouvir os episódios anteriores no Spotify.
Uma das vozes escutada nos episódios é da jornalista Gisele Brito. Ela explica que o podcast, distribuído em mensagens de áudio, tem caráter noticioso, com as informações mais importantes do dia, e também de serviço. Em um deles, por exemplo, é lembrado aos moradores uma novidade que pode impactar suas vidas diretamente: a suspensão do corte de fornecimento de gás de consumidores residenciais e pequenos comércios no estado até 31.mai.2020, após acordo negociado pelo governo estadual.
A estratégia tem sido um desafio. “Como criar uma coisa e não ser apenas mais um em um milhão no universo de informação dos aplicativos de mensagem?”, explica Brito. O modelo de podcast jornalístico, com trilhas sonoras, abertura, fechamento e informações verificadas contribui para isso, mas não deixa de lado a proximidade com os moradores. “Usamos a linguagem do cotidiano, falamos gírias”.
A jornalista e educadora popular Gisele Alexandre, moradora do Capão Redondo, periferia sul de São Paulo, também criou o podcast “Manda Notícias“. A ideia é esclarecer dúvidas que chegam até ela através de sua própria família, moradores da região e das redes sociais, como Facebook e Instagram. Em um dos episódios, por exemplo, Alexandre explica, com base em informações oficiais e pesquisas científicas, quanto tempo o vírus pode viver fora do organismo humano. É possível acompanhar o material no Spotify.
Em Santarém, município no oeste do Pará, o Coletivo Jovem Tapajônico busca levar informações de prevenção para os povos tradicionais da região. Ao todo, dialoga com 13 povos da região, de 76 comunidades e aldeias. Walter Oliveira da Silva, da etnia Kumaruara, é comunicador popular e explica que o principal desafio tem sido combater a desinformação que chega aos moradores.
Para isso, eles criam e distribuir materiais informativos no WhatsApp, aplicativo mais usado pela população das comunidades. “Uma das nossas preocupações é a linguagem para informar. Linguagens técnicas podem complicar o entendimento dessas informações. Por isso, nosso jeito de informar é na linguagem deles”, explica Oliveira.
O Coletivo Jovem Tapajônico tem produzido videoclipes, paródias e imagens para distribuir nas redes, sempre levando em consideração a realidade local. “Lavem bem as mãos com sabão quando voltarem do roçado ou chegarem do futebol”, alerta um dos materiais.
Em algumas comunidades ainda sem acesso à internet e nas quais o radinho de pilha é um importante meio de comunicação, o esforço é para transmitir informações no Programa da Rede Mocoronga, transmitido semanalmente pela Rádio Rural de Santarém e que alcança 72 comunidades.
No bairro da Cabanagem, periferia da cidade de Belém do Pará, o coletivo Periferia em Foco atua desde 2016. Segundo Wellington Frazão, o objetivo da iniciativa é divulgar boas práticas na periferia, evidenciar a potência desse território, mas também o abandono pelo poder público. Atualmente, os esforços também estão voltados para cobrir os impactos do novo coronavírus.
O projeto tem produzido materiais informativos sobre como prevenir a doença e também publicado, através de vídeos, a história de moradores do bairro e as dificuldades que estão enfrentando com a queda de suas rendas.
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