Mais um recorde na imprensa brasileira. O motivo, no entanto, não é de comemoração. Trata-se de um número alarmante para a categoria: 430 casos de agressões a jornalistas foram registrados em 2021. O dado faz parte do “Relatório da Violência Contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil – 2021”, divulgado nesta quinta-feira, 27, pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).
O registro é o mais alto desde a primeira edição do documento, na década de 1990, e ultrapassa o antigo líder, ano de 2020, em dois casos. O número, apesar de não representar aumento significativo, evidencia a continuidade de níveis altos de violência contra o jornalismo e coloca o Brasil como “um país bastante hostil aos jornalistas e, por consequência, sem total liberdade de imprensa”, segundo o relatório.
Entre os parâmetros utilizados para mensurar os ataques, a censura foi o mais recorrente no último ano. Esta forma de violação assume uma nova posição de destaque, que nos anos de 2019 e 2020 era ocupada pela descredibilização dos veículos de comunicação e jornalistas.
No total, foram 140 casos (32,46%) em todo o país, dos quais 138 (98,57% da categoria) ocorreram dentro da estatal Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). Em segundo lugar está a descredibilização de jornalistas em discursos, responsável por 30,46% das ocorrências de violência contra a imprensa, percentual correspondente a 131 casos.
Para avaliar o cenário do jornalismo, a Fenaj analisou as seguintes categorias:
Com exceção das duas líderes, todas as demais registraram pequenas diminuições em comparação com os dados do ano anterior. O resultado, no entanto, não foi suficiente para ser considerada uma melhora na realidade dos profissionais, especialmente do gênero masculino, o mais afetado por este tipo de violência em 2021, com 158 vítimas. O número de jornalistas mulheres agredidas foi 61. Outros 40 profissionais não tiveram o gênero identificado. (O documento destaca que os valores não coincidem com o total de casos, já que algumas ocorrências envolveram mais de um profissional e outras não poderiam ter distinção de gênero aplicada).
Mesmo com o alto índice de violência contra a imprensa, a presidente da federação, Maria José Braga, pontuou que a entidade acredita que há subnotificação dos casos, que frequentemente deixam de ser relatados aos sindicatos ou autoridades de segurança.
“Apesar dos números alarmantes do relatório da Fenaj, acreditamos que há subnotificação em praticamente todas as categorias. Muitas vezes, os profissionais ou as profissionais não dão importância para um ataque verbal ou virtual e não fazem a denúncia”, afirmou a presidente, durante coletiva de imprensa para lançamento do relatório.
Para além do panorama nacional, os dados divulgados no relatório evidenciam as regiões brasileiras com maior número de ocorrências. Em 2021, assim como nos dois anos anteriores, o ranking foi liderado pelo Centro-Oeste (56,9%), seguido por Sudeste (23,23%), Nordeste (8,42%), Sul (6,06%) e Norte (5,39%). Entre as unidades federativas, a lista é:
*Casos em Amapá, Sergipe e Rondônia não foram citados no documento.
O alto nível de violência contra jornalistas, mantido ao longo dos últimos anos no Brasil, é relacionado pela Fenaj com o governo do presidente Jair Bolsonaro. Segundo o relatório, os três principais fatores para o resultado obtido em 2021 são: “sistemática ação do presidente da República, Jair Bolsonaro, para descredibilizar a imprensa”; “ação de seus auxiliares e apoiadores contra veículos de comunicação social e contra os jornalistas”; e “censura estabelecida pelo governo Bolsonaro aos profissionais da Empresa Brasil de Comunicação (EBC)”.
“Sozinho, ele foi responsável por 147 casos (34,19% do total), sendo 129 episódios de descredibilização da imprensa (98,47% da categoria) e 18 de agressões verbais a jornalistas”, detalha o material da Fenaj.
O documento aponta, ainda, que o presidente da República tem sido o principal agressor dos jornalistas desde 2019, quando iniciou seu mandato. “Houve continuidade nos ataques do presidente da República e também no seu discurso. Para atacar a mídia, ele repetiu os argumentos e até mesmo as expressões utilizadas nos dois anos anteriores. Como argumento, repetiu que a imprensa o persegue, porque ele cortou verbas publicitárias. Na forma, repetiu expressões como ‘a mídia mente o tempo todo’, ‘a mídia é uma fábrica de fake news’ e ‘imprensa de merda’”, destaca o documento.
Apoiadores do presidente também aparecem entre os cinco principais agressores de jornalistas ao longo do último ano, os quais são responsáveis por 84,65% dos casos. O “top 5” é formado por Jair Bolsonaro, dirigentes da EBC, políticos/assessores, manifestantes bolsonaristas e internautas/hackers.
Em meio aos registros das ocorrências, ações de combate à violência contra jornalistas foram tomadas por entidades da categoria. Além do apoio às vítimas e publicações de notas de repúdio, os sindicatos de jornalistas, a Fenaj e a Abraji pressionaram as autoridades para que houvesse punição dos agressores.
“Em relação ao presidente Jair Bolsonaro, a Fenaj e outras entidades, como o Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, já haviam protocolado uma ação por dano moral coletivo (à categoria), em 2020, pelas reiteradas agressões. Uma nova ação com o mesmo objetivo foi protocolada pelo Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, em 2021”, informa o relatório.
Mais do que a defesa de uma categoria, a federação destaca que a proteção destes profissionais está diretamente ligada à manutenção da liberdade de imprensa, um dos pilares da democracia e ressalta: “não há jornalismo sem jornalistas”.
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