Num curto espaço de tempo, ‘O Mecanismo’ se tornou a bola da vez num país indiscutivelmente desgastado e cansado de sua própria história, mas que está tendo a oportunidade de conhecê-la melhor, e de maneira bem pedagógica, por meio da série disponível em plataforma streaming.
Alguns, é claro, recomendam, elogiam e até compartilham – mesmo sem terem assistido à série, “porque, já que todo mundo só fala nisso, não é, vamos comentar, também…”.
Outros atacam a iniciativa e ainda se vitimizam perante à obra de sonoridade sofrível, mas de enredo sedutor. Afinal, não é todo o dia que a TV nos fornece um produto com contornos de entretenimento que nos coloca cara a cara com quem se beneficiou ou se beneficia (segundo a narrativa) do dinheiro público, de todo um sistema reprovável, covarde e que, infelizmente, cheira à naftalina.
Por meio de ‘O Mecanismo’, sabemos onde vivem, com quem moram, o que fazem, como se vestem e do que se alimentam os algozes da pátria, que por anos até foram anônimos, e que tempos depois, mesmo ocupando expressivo espaço nos telejornais e na mídia impressa, não nos pareciam, digamos, tão interessantes – no máximo interesseiros.
Políticos ou indicados por estes para as mais variadas tarefas, os personagens do “núcleo rico” de ‘O Mecanismo’ são os mesmos do “núcleo dos vilões”. Eles não têm apenas cúmplices – eles também têm família, carrões, piscinas, vida boa e, no decorrer da história inspirada no livro Lava Jato – O juiz Sergio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil choram e até parecem sofrer. Não cheguei ainda ao episódio em que estes homens e mulheres demonstram arrependimento.
Sim, reafirmo, a sonoplastia de ‘O Mecanismo’ é ruim e algumas cenas poderiam ser mais bem produzidas. Há, também, muita pegada caricata, mas talvez porque a ficção acaba, neste caso, perdendo feio para as inspirações reais que fazem da série o que ela é – extremamente palatável, enquanto didaticamente detalha ao telespectador como as maiores empreiteiras do País encabeçaram por anos um audacioso esquema de corrupção sob custódia da Política, o que fez da Petrobras mais que o berço do pré-sal.
Melhor que estar na Netflix, seria ‘O Mecanismo’ ser novela das nove, ou propaganda obrigatória gratuita. O conteúdo deveria ser disponibilizado nas escolas e, também, nas prefeituras – em muitas cidades brasileiras, primeira instância de maus usos e costumes licitatórios, que, enquanto “abastecem” o “núcleo rico” da Política, patrocinam a falta de remédio nos postos de saúde, de uniforme nas escolas, e de vergonha na cara de alguns gestores.
Mesmo sendo ficção, como sinaliza o lettering inicial, ‘O Mecanismo’ é uma conquista institucional. O resto é a carapuça que serve e que, de tão hipócrita e absurda, favorece que a cegueira do Brasil saia aos poucos da função soneca.
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Por Carla Fiamini. Graduada em comunicação social com habilitação em jornalismo, pós-graduada em docência no ensino superior, especialista em assessoria de imprensa, com ênfase para órgãos públicos e mandatos, escritora e palestrante.
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