Setembro de 2002. Três meses depois do assassinato de Tim Lopes, que marcou e assustou todo o país, Marcelo Beraba surgiu com protagonismo na defesa da liberdade de imprensa e da segurança de comunicadores. Há 17 anos, ele foi o responsável por se reunir com outros profissionais para criar a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), entidade que se prepara para realizar mais uma edição de seu congresso internacional. Agora, em 2019, o jornalista aproveita para analisar os desafios atuais enfrentados pelo meios de comunicação e de seus colaboradores. Para ele, vivemos um momento que “exige muita atenção de nossa parte”.
Em contato com a reportagem do Portal Comunique-se, Marcelo Beraba sinaliza temer pela liberdade de imprensa no Brasil. O experiente jornalista analisa que o atual governo federal, liderado pelo presidente Jair Bolsonaro, trata a mídia como se fosse adversária. “Vejo um governo muito mais preocupado em enfrentar seus ‘inimigos’ por meio do enfrentamento, de ataques”, comenta. “E um dos alvos tem sido a imprensa”, reforça o profissional, que sabe muito bem como é ter problemas ao trabalhar com restrições. Com 48 anos de experiência no jornalismo, ele começou na área em plena era da ditadura militar. “Tínhamos uma censura”, enfatiza sobre o período em que jornais não tinham liberdade sobre as pautas a serem veiculadas.
Com passagens por veículos como O Globo, TV Globo, Folha e Estadão (do qual deixou a direção da sucursal de Brasília no início de fevereiro), o jornalista tece críticas a atos protagonizados por Jair Bolsonaro contra comunicadores. Como no caso em que, pelo Twitter, “validou” fake news contra a repórter Constança Rezende. “Deu voz a algo que era perceptivelmente falso”, lamenta. Na ocasião, a contratada de O Estado de S. Paulo teve declaração distorcida por um blog francês e pelo site Terça Livre. Pela rede social, o presidente da República replicou o trecho distorcido para criticar a jornalista. O integrante do PSL ainda cravou: Constança estaria querendo acabar com o seu governo.
Ao falar sobre o setor jornalístico no Brasil, que acaba de cair três posições no ranking mundial da liberdade de imprensa, Marcelo Beraba coloca a situação como crônica. Seus comentários vão muito além da forma com que Jair Bolsonaro e aliados tratam a mídia e seus agentes. “Tivemos problemas quase que intrínsecos na relação governo-imprensa”, pontua. O jornalista menciona que nenhum político gosta de ser alvo de reportagens e denúncias, por mais que o material apresentado esteja correto. “Todos eles reagem [mal] à pautas negativas”, diz. Como exemplo, cita as reclamações registradas por Fernando Henrique Cardoso em seu livro de memórias. Também menciona um episódio envolvendo Lula. Em 2004, o petista ameaçou expulsar Larry Rother, colunista do New York Times, do país. O motivo? O jornalista tinha sugerido o “excesso de álcool” supostamente consumido pelo então presidente da República.
As ameaças à liberdade de imprensa não partem apenas de figuras imponentes do Poder Executivo. Membros dos outros dois poderes, Legislativo e Judiciário, também protagonizam atos em desfavor do trabalho jornalístico. Ações que partem até mesmo de quem deveria ser o guardião-mor da Constituição, que preserva o livre trabalho da comunicação social: o Supremo Tribunal Federal (STF). “O que me preocupa é a resistência à imprensa por parte do Congresso. O que me preocupa é essa caça às fontes de informações”, reclama Marcelo Beraba. Ele cita – no contato com a reportagem do Portal Comunique-se – recente decisão tomada pela mais alta Corte do Brasil. Em meados de abril, o STF censurou reportagem publicada pela revista digital Crusoé e o site O Antagonista. Posteriormente revogada, a decisão fora tomada pelo ministro Alexandre de Moraes.
Em tempos de fake news, Marcelo Beraba pontua, ainda, que mais do que a liberdade de imprensa, a segurança dos comunicadores tem enfrentado problemas nos últimos tempos. “Há um forte movimento, não só de agora, e vindo de todos os lados, de ameaçar de fato jornalistas”, diz. Além do caso envolvendo Constança Rezende, o fundador da Abraji menciona Patrícia Campos Mello. Repórter da Folha de S. Paulo, ela recebeu ameaças de morte pela internet após publicar reportagem sobre rede de disseminação de notícias falsas via WhatsAppp. Para promover ataques contra Patrícia, páginas e sites picaretas fizeram uso de boatos para atacar a honra da comunicadora. Chegaram a espalhar que ela teria sido condenada pelo STF a indenizar Bolsonaro.
Marcelo Beraba vê, contudo, que os veículos de comunicação mais bem estruturados e tradicionais têm feito um bom trabalho na questão de sair em defesa de seus jornalistas — e de cuidarem da segurança propriamente dita deles. Sobre o clima até vindo das redes sociais, de promover críticas a comunicadores, ele diz que a experiência, sobretudo na cobertura política, serve como antídoto. “O corpo de jornalistas em Brasília é, em geral, experiente”, afirma. “As relações em Brasília sempre tiveram atrito. O repórter precisa ter discernimento para entender o que é provocação, o que é reclamação e o que é uma crítica normal. “Precisa distinguir isso do embate que desqualifica, com ameaças, agressões, assédio e ataque público”, observa o profissional que é sinônimo da defesa da liberdade de imprensa no Brasil.
Marcelo Beraba colocará sua experiência profissional e sua visão sobre a imprensa à disposição de evento a ser realizado em maio no Rio de Janeiro. No dia 11, ele será um dos palestrantes do MasterClass da Comunicação – O jornalismo hoje e sua relação com o mercado. O encontro, que está com inscrições abertas, terá como palco o Templo da Gávea. No treinamento, o experiente jornalista pretende enfatizar que o principal do jornalismo não pode ser deixado de lado: a reportagem, a apuração.
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