A divulgação de notícias faltas não ocorreu somente a partir das eleições de 2018, mas desde o pleito de 2014. E as fake news vem intensificando-se de forma bastante significativa, gerando uma sombra extremamente preocupante em relação às instituições do país e ao processo democrático. O alerta foi feito na quarta-feira, 27, pelo diretor de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Marco Aurélio Rudieger.
Em exposição na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPI) das Fake News, Rudieger explicou que a disseminação de fake news envolve não só um processo de desinformação organizada, mas um convencimento em massa de percepções que visa distorcer e quebrar a credibilidade do processo político e das instituições.
De acordo com Rudieger, há uma estrutura sistêmica de integração de várias plataformas a partir do disparo em massa de notícias, complementado por uma comunidade de influenciadores que cooperam de forma aderente com esse sistema.
“O impacto disso é a distorção brutal da informação, um processo de difamação e destruição de reputações consistentemente planejado e a quebra de confiança nas instituições, sendo este o aspecto mais nocivo e pérfido desse processo”, afirmou.
Rudieger ressaltou que, a partir da quebra de confiança, trafega-se no niilismo (pessimismo e ceticismo descrente) absoluto em relação às instituições e pactos sociais, abrindo espaço para qualquer tipo de aventura e proposta antagônica à própria democracia.
“Vivemos um momento extremamente complexo, que exige do aparato institucional e cívico uma atenção muito grande, sobretudo quando se aproximam as eleições de 2020”, observou.
O pesquisador ressaltou que perfis usam robôs “maliciosos”, totalmente automatizados, que influenciam não só as pessoas, mas também outros robôs, que replicam a disseminação de fake news repassadas sucessivamente pelos usuários humanos, gerando uma “onda de impacto”.
“Nas eleições de 2014 houve a utilização de robôs por vários campos. No primeiro turno das eleições de 2018, o centro político foi mais fraco na utilização desses mecanismos, usados de forma intensa nas polaridades”, afirmou.
Rudieger ressaltou que o processo de polarização é acentuado pela avalanche de informações em tempo real “sete dias por semana e 24 horas por dia, radicalizando o processo”.
“Há perfis ligados ao campo de direita e de esquerda, há robôs funcionando no debate contínuo hoje, que não se limita somente às eleições. O processo político hoje é influenciado pelo debate orgânico e inorgânico subjacente a ele, que opera e distorce, por vezes”, afirmou.
O pesquisador da FGV disse ainda que o processo de desinformação nas redes sociais é sofisticado e conta com o envolvimento de uma rede de influenciadores.
“A chave para esse problema reside nas próprias plataformas, que operam de forma distinta da mídia tradicional, na qual é mais fácil a identificação dos responsáveis pela veiculação das informações. Temos uma relação assimétrica e nociva em relação ao processo democrático, da forma como já o conhecemos”, disse o pesquisador.
Para as eleições de 2020, Rudieger sugeriu a adoção de transparência no financiamento com dinheiro público, a responsabilização das plataformas, a análise dos algoritmos e a proteção de dados.
“A gente tem lei de proteção de dados e ela tem que ser levada a sério, e está demorando muito tempo para isso”, concluiu o pesquisador, referindo-se à Lei 13709/18.
Na mesma reunião, a comissão ouviu o coordenador do Laboratório de Pesquisa em Tecnologia de Inspeção da PUC-RJ, Miguel de Andrade Freitas.
Ele é autor de um relatório encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR), em novembro de 2018, no qual aponta meios técnicos para chegar aos autores dos disparos em massa de fake news, via WhatsApp, em campanhas eleitorais recentes.
Freitas destacou que o caminho das postagens escritas é diferente do caminho percorrido pelas mídias postadas nos aplicativos, a exemplo dos vídeos. Também destacou que o Marco Civil da Internet estabelece que os provedores são obrigados a manter o registro de acesso das mensagens por seis meses.
“Não vejo motivos técnicos para que o WhatsApp seja desobrigado a cumprir com o Marco Civil. Há um empoderamento do usuário em garantir a sua privacidade, talvez para combater o acesso em massa pelo Estado. A criptografia dos aplicativos vem como resposta a essa questão”, afirmou.
Freitas sugeriu à CPI propor às empresas responsáveis pelos aplicativos maior colaboração para que estas, dentro dos limites tecnológicos, possam contribuir com as investigações previstas em lei.
Relatora da CPI, a deputada Lídice da Mata (PSB-BA) disse que os dois depoimentos confirmam, pela primeira vez, a possibilidade de rastreamento de notícias falsas pelas próprias plataformas, como o WhatsApp e o Twitter, entre outras.
“Esse rastreamento pode ser feito através das próprias empresas. Elas devem ser estimuladas a fazer isso porque têm condições técnicas de viabilizar isso. Essas empresas devem ser instadas a fazer isso quando a Justiça determinar porque é um dever social e ético a realização dessa tarefa”, afirmou.
Em 3 de dezembro, a comissão ouvirá os representantes da Agência Lupa, do site Fato ou Fake, da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). No dia 4, o colegiado deverá ouvir a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP).
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Com informações da Agência Senado.
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