Segundo o monitoramento da violência de gênero contra jornalistas, feito pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), 85 (71,4%) dos 119 ataques registrados em 2021 tiveram origem ou alguma repercussão no ambiente digital. Os números revelam uma dificuldade adicional que as redes sociais e o ambiente digital representam para jornalistas mulheres, profissionais de imprensa LGBTQIA+ e meios de comunicação comprometidos com pautas feministas. Frequentemente, esses grupos são alvos de ofensas, ameaças, campanhas de desinformação ou hostilização, hackeamento e outras formas de restrição na internet.
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Entre os ataques online, os discursos estigmatizantes, agressões verbais cujo intuito é descredibilizar o trabalho jornalístico, são os mais recorrentes. Para melhor analisar essa forma de ataque, o tipo “discursos estigmatizantes” foi dividido em três categorias: campanhas sistemáticas de ataques; agressões proferidas por autoridades públicas; e campanhas desinformativas. As campanhas sistemáticas de ataques, com dezenas, centenas e até milhares de mensagens e postagens voltadas contra uma vítima, corresponderam a 69,1% dessa forma de agressão. Já 59,3% desses discursos foram proferidos por autoridades e figuras de destaque no cenário político brasileiro – sobretudo atores estatais. Por fim, 4,9% foi categorizado como campanha desinformativa, envolvendo a divulgação de conteúdos, imagens e até vídeos falsos ou descontextualizados, veiculados com o objetivo de desacreditar jornalistas, geralmente mulheres.
Em 60% dos casos de violência na internet, as(os) profissionais foram atacadas(os) por coberturas ou comentários relacionados ao campo político. Não é por acaso que os principais agressores na internet são figuras políticas, no exercício de seus mandatos, e outros atores que se conectam com essa esfera. O campeão de ataques online, com 8 episódios registrados ao longo de 2021, foi o deputado federal Carlos Jordy (PSL-RJ). Ele usou sua conta no Twitter para hostilizar, em diferentes situações, as jornalistas Rachel Sheherazade, Daniela Lima, Barbara Gancia, Tania Morales, Astrid Fontenelle e Renata Lo Prete.
Filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) também figura entre os principais autores de ataques. Ele acumula 7 episódios de agressão, empatando com Tercio Arnaud Tomaz, assessor especial da Presidência da República. Em seguida, estão o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), também filho de Bolsonaro, e o comentarista político Rodrigo Constantino, com 4 ataques cada. O presidente Jair Bolsonaro (PL) vem em quarto lugar, ao lado do secretário especial de Cultura, Mario Frias, e do presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo – todos com 3 casos registrados nas redes sociais. O pastor Silas Malafaia e as deputadas federais Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP) fecham a lista com duas agressões cada.
Ainda que as autoridades de Estado tenham surgido como os principais autores identificáveis dos ataques na internet, grupos de trolls e internautas de maneira geral aparecem como agressores em 61 casos, o que representa 51,7% do total de ataques registrados pelo monitoramento e 71,7% dos episódios de violência online. Esses ataques são marcados por sua atuação coletiva e apresentam características que podem indicar uma ação coordenada, como o curto período de tempo entre as postagens e muitas mensagens com conteúdos parecidos ou repetidos, vindas de diferentes usuários.
A partir da dinâmica entre agressores, o monitoramento identificou um padrão relacionado ao potencial instigador dos atores políticos. Quase um terço (32,9%) dos episódios de violência online tiveram como agentes autoridades de Estado ou figuras proeminentes para o contexto político e social em conjunto com grupos de internautas que reverberaram as agressões iniciadas por esses agentes. Essa é a combinação mais comum entre dois tipos de agressores, representando 66,6% dos casos em que mais de um ator se soma aos ataques.
Apesar de as campanhas sistemáticas de ataques a jornalistas serem o tipo de agressão mais comum nas redes sociais, há uma participação importante de agentes estatais em iniciar ou propagar tal violência, para além dos discursos e manifestações individuais desses agentes. Essa informação põe em xeque a ideia de que as relações nas redes sociais são horizontalizadas e que os movimentos que nelas surgem são em sua maioria espontâneos. Em plataformas como o Twitter, perfis com maior visibilidade e influência têm o poder de inflamar debates e estimular ataques contra jornalistas, comunicadoras e comunicadores, agravando o quadro de ameaças à liberdade de imprensa.
Sobre o monitoramento
O monitoramento é realizado pela Abraji no âmbito do projeto Violência de gênero contra jornalistas. Patrocinada pela UNESCO, a iniciativa é uma extensão do acompanhamento focado em violações da liberdade de imprensa, feito pela Abraji em parceria com a rede Voces del Sur desde 2019.
O projeto conta com o apoio de Instituto Patrícia Galvão, Mulheres Jornalistas, Fenaj, Gênero e Número, CPJ e Repórteres sem Fronteiras. Os resultados completos foram publicados em relatório.
*Texto originalmente publicado no site da Abraji.