Opinião

Falta de público ou de grana? Por que a Globo desistiu da Fórmula 1 e pode perder a Copa do Mundo?

O contrato de transmissão da Fórmula 1 pela Rede Globo está chegando ao fim. Durante os 48 anos desde a primeira transmissão do esporte no canal, esta é a segunda vez que a Globo interrompe o acordo para transmitir as provas da principal categoria do automobilismo. A primeira vez foi em 1980, ano em que a F1 foi ao ar pela TV Bandeirantes e, em 1981, retornou à emissora carioca. Mas o que essa mudança na programação representa?

Ainda sem um futuro certo, os fãs dessa modalidade ficam com a dúvida de como poderão acompanhar as corridas a partir de 2021. A notícia foi dada pelo site Meio & Mensagem e as informações foram confirmadas pela emissora na última sexta-feira (28). O contrato, referente às transmissões ao vivo, não impacta, no entanto, na cobertura do esporte nos programas da Globo.

O jornalista esportivo Lito Cavalcanti, que trabalhou na cobertura da Fórmula 1 pelo SporTV até 2018, explica que apesar de ser uma decisão administrativa, na época em que trabalhou lá, o grupo da emissora já dava sinais de um ‘desmonte do esporte automobilístico’. “Eu acho que a decisão da Globo foi tomada há mais tempo, pelo que senti. Trabalhei lá até 2018, no núcleo do esporte a motor, e eu vi esse núcleo ser desmontado antes dessa história de a Globo não renovar. E foi desmontado”, revela.

De acordo com relatório divulgado pela Liberty Media em janeiro de 2020, o Brasil é o país com a maior audiência para o esporte na TV, seguido por China, Alemanha, EUA e Itália. Os brasileiros também aparecem em segundo lugar com relação a audiência de novos fãs, com aumento de 54,7 milhões. A categoria, no entanto, apresentou uma queda de 19 milhões no número de espectadores no mundo, com 471 milhões em 2019, número que em 2018 era de 490 milhões de pessoas.

Por quê?

Nos últimos meses, o Grupo Globo tem sofrido reduções em sua receita e os direitos de transmissão da Fórmula 1 estão sendo negociados com a Liberty Media. Segundo notícias sobre o assunto, a empresa americana pedia o valor de US$ 22 milhões para as transmissões, enquanto as projeções máximas da emissora brasileira chegavam a US$ 20 milhões. Apesar das discussões, as duas partes não chegaram a um acordo.

Há de se considerar uma questão financeira agravada pela pandemia do Covid-19. Os direitos da F1 são todos negociados em dólares. No ano passado, a moeda americana era negociada quase sempre com cotação abaixo dos R$ 4,00. Com a pandemia do Covid-19, saltou para picos próximos de R$ 6,00. Entre julho e agosto deste ano, andou oscilando entre R$ 5,30 e R$ 5,50 em boa parte do tempo. Portanto, pode-se dizer que a valorização do dólar representa um aumento de, no mínimo, 35% nos gastos em reais para a Globo. É uma diferença que pode inviabilizar qualquer renovação.

Essa situação, em certa medida, é parecida com aquela que leva a Globo a se ver obrigada a enfrentar uma disputa judicial envolvendo o pagamento da parcela de US$ 90 milhões previstos no acordo de transmissão da Copa do Mundo com a FIFA.

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Para Lito, a possível suspensão da transmissão nesses dois esportes representa um momento de crise financeira e de adaptação da mídia tradicional a um novo cenário, fatores que abalaram a Globo. “Isso é resultado desse novo cenário de plataformas de mídia e também de uma crise financeira que, logicamente, eu acho que são consequências. A mídia clássica está abaladíssima”, afirma.

Segundo matéria do UOL com base em um comunicado interno do Grupo Globo, a receita líquida da empresa caiu cerca de 30% no segundo trimestre de 2020, em comparação ao ano anterior. Ainda de acordo com a publicação, a situação não se tornou mais grave devido à renegociação e suspensão de direitos de transmissão.

F1 TV

Apesar de cancelar o contrato de transmissão, em seu comunicado oficial, a Globo afirmou que seguirá com a cobertura do esporte em suas diversas plataformas. Atualmente, além de transmitir as corridas para a televisão, o contrato com a Liberty Media garante exclusividade em todas as plataformas. “Eles oferecem esse F1 TV em todos os países, mas no Brasil não pode, porque o contrato com a Globo dá exclusividade a ela em todas as plataformas e a Globo não abriu mão disso. Também, porque se abrir mão, vai ter uma concorrência direta”.

O aplicativo, criado pela própria Liberty Media, é pago e dá acesso a diversos recursos relacionados ao esporte. Atualmente, ele já está disponível no Brasil com uma versão básica, chamada F1 TV Access. A plataforma paga oferece acesso a comentários, melhores momentos de cada corrida, cronometragem ao vivo e acesso a arquivo de corridas.

Com o lançamento da versão completa, a F1 TV Pro, já disponível em outros países, o assinante poderá assistir às corridas ao vivo, os treinos livres e classificatórios, além das imagens das câmeras dos pilotos durante a corrida.

TV a cabo

Outro caminho esperado é o início das transmissões por canais de TV a cabo. Apesar de diminuir a popularidade, chegando apenas à parcela da população que tem acesso a esse serviço, a alternativa tem sido adotada em grande parte do mundo. Há anos, o Brasil é apontado como um dos últimos países a realizarem as transmissões em TV aberta.

A transmissão das corridas em canal aberto na Alemanha, por exemplo, também está com os dias contados. A partir de 2021, os direitos deixam de ser do canal RTL e passam para o serviço de assinatura da RedBull.

Quais são os impactos?

Lito ressalta que um acontecimento como esse é um “golpe grave” para toda a categoria do esporte automobilístico, principalmente para o surgimento de novos talentos no esporte. Isso porque o patrocínio é essencial e pode se tornar mais difícil sem a presença das transmissões no canal com maior número de espectadores do país.

Para o esporte, a tendência é que todas as categorias do automobilismo sejam impactadas. No entanto, Lito explica que não deve haver nenhuma surpresa. “Eu não acho que possa ter alguma consequência que a Liberty não tenha previsto. Se eles chegaram onde estão, é por que têm muita bagagem. Mas a gente vai ter que esperar para ver”, finaliza.

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Julia Renó

Jornalista. Natural de São José dos Campos (SP), onde vive atualmente, após temporadas em Campo Grande (MS). Formada pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (MS) e voluntária da ONG Fraternidade sem Fronteiras, integrou o time de jornalistas do Grupo Comunique-se de julho de 2020 a abril de 2022.

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