Opinião

Reflexões de um paciente sobre nossa única certeza na vida – por Edson de Oliveira

Diz-se que nesta vida a única certeza que temos é a da morte, seja causada por uma doença, por um acidente, pelos outros ou até por nós mesmos, como, neste último caso, morreu Ian Curtis, vocalista da banda de rock gótico inglesa Joy Division, que se enforcou, aos 23 anos.

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É “Love Will Tear Us Apart”, música do cantor lembrado acima, que dá título ao quinto capítulo de “Nirvana” (Sendas Editora, 460 páginas), romance em que o recém-chegado escritor Marcelo Nunes coloca Arthur Balan, um homem de 56 anos em estado terminal, para filosofar sobre a morte.

“Adeus, sociedade, governo, brigas políticas, preconceitos, contas a pagar, impostos, multa; adeus, música ruim, trânsito, poluição, cobiça, burrice; adeus, chefes e empregados, idiotas de toda espécie, prazos a cumprir, admoestações, críticas, desprezo; adeus, frustrações, desejos não realizados, culpa, raiva, medo e tristeza; adeus, inferno que são os outros; adeus, planeta Terra com seus políticos satânicos, seus reacionários de extrema direita, seus caçadores estúpidos, seus falsos gurus e seus pastores canalhas; adeus, praias lotadas, rios fétidos, céus enegrecidos pela fumaça”, declara o texto.

O livro continua: “adeus, hordas de turistas com máquinas em punho; adeus ao rebanho sem consciência, aos simplórios; adeus às mídias sociais e sua multidão de néscios; adeus à pútrida televisão, às celebridades, às subcelebridades, aos aspirantes a subcelebridades; adeus aos moralistas, aos mentirosos, aos reacionários, aos mendazes; adeus a todos os crimes cometidos em nome da pátria, da família e da religião; adeus à perversão travestida de moral, à covardia travestida de zelo, à falsidade travestida de honradez. Adeus, acima de tudo, a mim mesmo.”

Se havia uma coisa que não fazia parte da vida dele, era casamento, “pois a primeira coisa que o casamento mata é o sexo”

Sozinho no mundo depois da morte do pai, que foi atropelado por um ônibus na avenida Brigadeiro Luís Antônio, e depois da morte da mãe, que, dias antes de completar 50 anos, se jogou do Viaduto do Chá, Arthur não tinha nada a perder, a não ser o que ele mais prezava, sua liberdade, sua solidão para poder trabalhar. Isso significa que, se havia uma coisa que não fazia parte da vida dele, era casamento, “pois a primeira coisa que o casamento mata é o sexo”, ou, repetindo La Rochefoucauld, “o casamento pode ser bom, mas jamais prazeroso”.

A parte em que Balan fala dos filósofos e dos autores que se ocuparam da morte, como Albert Camus, Arthur Schopenhauer, Epicuro, Sócrates, Michel de Montaigne, Santo Agostinho e o romeno Emil Cioran, conterrâneo dos pais do protagonista, deve ter agradado aos amantes da filosofia tanto quanto os capítulos em que ele fala sobre seu trabalho solitário como tradutor, jornalista e escritor, seus relacionamentos furtivos (“Comigo o amor sempre foi um fogo que consumia a mim e ao objeto amado, deixando para trás apenas cinzas e ressentimentos.”).

Inclusive o amor platônico que ele tem pela doutora do hospital em que ele se encontra confinado, sua “viaje al fin del mundo” e seu plano para antecipar o fim de seu sofrimento, no qual ele será ajudado pela pessoa para a qual ele vai deixar todo o seu dinheiro, me agradaram.

Sobre sua própria vida

Posto que, para mim, ninguém melhor para escrever a biografia de uma pessoa do que ela mesma, deixo para o próprio Marcelo encerrar este texto:

“Eu sempre soube que queria fazer arte. Escrevo desde a adolescência. Por volta dos 20, quis ser músico, e tive duas bandas, nas quais cantava, tocava guitarra e compunha (em inglês). Depois, me dediquei às artes plásticas. Durante todo esse tempo, para pagar as contas, trabalhei, primeiro, como professor de inglês e, depois, virei tradutor (meus primeiros trabalhos foram para uma empresa de tradução e legendagem de vídeo e para uma editora, onde traduzi alguns livros)”.

Ao que completa: “Escolhi traduzir filmes porque ganhava mais. Aos 30 e poucos, terminei meu primeiro romance, que foi descartado. Anos depois, escrevi mais dois romances, que também foram engavetados, até que, finalmente, me senti satisfeito com ‘Nirvana’, que foi publicado neste ano. Agora, eu me encontrei, e seguirei escrevendo romances até morrer.”

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Julia Renó

Jornalista. Natural de São José dos Campos (SP), onde vive atualmente, após temporadas em Campo Grande (MS). Formada pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (MS) e voluntária da ONG Fraternidade sem Fronteiras, integrou o time de jornalistas do Grupo Comunique-se de julho de 2020 a abril de 2022.

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