Senado presta homenagem à Folha de S. Paulo

Senadores discursaram em favor do jornal que completou 98 anos de circulação no mês passado. Otávio Frias Filho, diretor da Folha que morreu em 2018, também foi lembrado em homenagem

O Senado realizou na quinta-feira, 14, uma sessão de homenagem ao trabalho do jornalista Otávio Frias Filho (1957-2018), e à história do jornal Folha de S.Paulo. O diário paulistano completou 98 anos em fevereiro. Senadores e convidados comentaram a postura do periódico ao longo das últimas décadas e nos dias atuais.

O senador Eduardo Braga (MDB-AM) afirmou que o veículo se guia por apartidarismo, pluralismo e crítica fundamentada. Por isso, é a principal referência de jornal impresso do Brasil. Ele destacou que o jornal foi pioneiro em trazer a impressão offset, acabou com os moldes de chumbo, instalou o maior parque gráfico da América Latina e, na área editorial, revolucionou a velha maneira de fazer jornalismo ao instalar, por exemplo, a figura do ombudsman.

O senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) disse que a Folha não é apenas um órgão noticioso, mas “verdadeiro agente transformador do processo de redemocratização”. “A Folha ajudou o país a construir e a contar a História do Brasil dos últimos quase 100 anos, e isso não é pouca coisa. Nós somos frutos dessa história”, completou o tucano.

Para o senador de Minas Gerais, o jornal teve papel fundamental na promulgação da Constituição de 1988, nas primeiras eleições presidenciais, no impeachment de Fernando Collor, na instalação do Plano Real, e governos de FHC, Lula, Dilma e Temer.

Postura editorial

O trabalho da Folha no impeachment de Collor foi relembrado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP).Na época, ele fazia parte do movimento estudantil. “A Folha deu espaço ao contraditório, deu voz aos militantes, foi a primeira a cunhar o termo ‘cara pintada'”, lembrou.

Em seu discurso, Randolfe também falou do papel dos jornais nos dias de hoje e criticou a censura à imprensa. “No passado era empastelando os jornais, invadindo as redações. Hoje, é tentando destruir jornalistas pelas redes sociais. Agora foi com o Estadão, mas já foi com a Folha, com a Globo”, disse o senador. O parlamentar se referiu ao recente tuíte do presidente da República, Jair Bolsonaro, contra a jornalista Constança Rezende, do jornal O Estado de S. Paulo.

A senadora Kátia Abreu (PDT-TO). Ela requereu a homenagem à Folha (Imagem: Geraldo Magela/Agência Senado)

O senador Humberto Costa (PT-PE) também falou da atual linha da Folha na “fiscalização, denúncia, construção de uma visão crítica, de mostrar defeitos, problemas e insuficiências de governos”. “Na [última] eleição, corajosamente denunciou interferência importante no processo eleitoral, colocando-se ao lado do que era justo e correto, independentemente do que aconteceria. Sua posição é corajosa hoje em dia para criticar posturas que podem agredir a democracia”.

Representante do Supremo Tribunal Federal (STF) na sessão, Gilmar Mendes reconheceu o trabalho do jornal e de Otávio Frias Filho. “Nem sempre gostei do que a Folha publicou sobre o meu desempenho. Discordei da opinião do jornal muitas vezes, mas sempre considerei que a imprensa livre não existe para agradar a este ou aquele, tampouco a mim. E sempre reconheci no jornal e naquele que o comandou com brilho e talento, a honestidade de propósito. O grande valor da democracia está nas divergências”.

Jornal plural

Os senadores lembraram a instalação do Projeto Folha, que em 1984 abriu uma nova proposta de jornalismo “crítico, apartidário, pluralista e moderno”, nas palavras de Anastasia.

“Nem sempre gostei do que a Folha publicou sobre o meu desempenho. Discordei da opinião do jornal muitas vezes, mas sempre considerei que a imprensa livre não existe para agradar a este ou aquele” (Gilmar Mendes)

Integrando a Mesa durante a sessão de homenagem, a atual diretora de redação do jornal, Maria Cristina Frias, detalhou essa linha editorial. “A ideia central do jornalismo que praticamos é que os poderes numa sociedade democrática precisam ser contrastados, não podem ser exercidos sem crítica ou contrapeso, sob o risco de se desviarem para o arbítrio”.

De acordo com ela, o jornalismo não pode ser exercido “num vácuo de autocritica e controle internos”. Maria Cristina Frias destacou que, mesmo quando o jornalismo é praticado sob estritos protocolos técnicos, a capacidade de enxergar todo o campo é limitada — até pela natureza apressada do ofício — e incompleta do objeto. “É um fiapo de história que ainda não se revelou por inteiro”, descreveu.

A diretora de redação da Folha de S. Paulo, Maria Cristina Frias. Ela discursou durante a sessão solene (Imagem: Geraldo Magela/Agência Senado)

Autocrítica

Maria Cristina Frias reconheceu que o jornalismo está sujeito a cometer erros e impropriedades. Uma maneira de reduzir esse risco, observou, é instalar mecanismos de autocontrole. “A Folha tem como rotina inarredável ouvir os argumentos de quem foi criticado nas matérias. Cultiva a pluralidade no seu quadro de jornalistas, colunistas e articulistas. O intuito é permitir o florescimento de um jornalismo crítico e preciso e leal com leitores, fontes e personagens da notícia”.

O jornalista Josias de Souza falou sobre a “obsessão” de Otávio Frias Filho pela autocrítica. Ela se traduz, por exemplo, na seção ‘Erramos’, e por meio da figura do ombudsman, da qual a Folha foi vanguardista.

Sobre esse trabalho, o senador Weverton (PDT-MA) disse que a Folha teve “uma sabedoria política extraordinária ao entender que o jornalismo precisa autocriticar-se, verificando quais são os erros e acertos”. “Nessa linha editorial independente, a Folha acolheu a pluralidade do pensamento”, acrescentou o pedetista.

“[A Folha] cultiva a pluralidade no seu quadro de jornalistas, colunistas e articulistas. O intuito é permitir o florescimento de um jornalismo crítico e preciso” (Maria Cristina Frias)

O acolhimento à pluralidade também foi destacado pelo senador José Serra (PSDB-SP). Ele lembrou o momento em que passou a escrever para a Folha. A parceria do político com o jornal se deu depois de ele viver no exterior nos anos de regime militar.

O senador Jorge Kajuru (PSB-GO) também contou sua experiência como jornalista da Folha. “A imprensa não foi feita para bajular ninguém ,e a Folha é exemplo disso. Foi o único jornal brasileiro que deu espaço para perseguidos políticos e intelectuais falarem”, declarou. O parlamentar é jornalista.

O jornalista Otávio Frias Filho foi lembrado em sessão solene no Senado (Imagem: Geraldo Magela/Agência Senado)

Otávio Frias Filho

A sessão de homenagem aos 98 anos do jornal também foi um reconhecimento ao trabalho de Otávio Frias Filho na condução do jornal desde 1984 até o ano passado, quando morreu, aos 61 anos, vítima de um câncer.

Otávio Frias Filho foi idealizador do código de ética da Associação Nacional de Jornais (ANJ). O documento contém os princípios da auto-regulamentação dos periódicos brasileiros. O material traz ideias de independência, busca da verdade, profissionalismo, compromisso com os valores da democracia, reconhecimento e correção de erros.

Jornalista por formação, a senadora Eliziane Gama (PPS-MA) destacou o protagonismo de Otávio Frias Filho para revolucionar o jornal. “Foi o veículo que mais se notabilizou na transição do Brasil do regime militar para o democrático”, acrescentou a senadora.

Autora do requerimento de realização da homenagem, a senadora Kátia Abreu (PDT-TO) contou como conheceu e foi amiga de Otávio Frias Filho por mais de uma década. Disse que o convidou para conhecer o Jalapão, em seu estado.

“Se estivesse na sede da Folha ou ao lado dos artesãos do Jalapão, era a mesma pessoa simples e correta. Não conheci alguém mais culto e mais civilizado. [Estava] sempre disposto a discutir saídas para o Brasil, afirmou Kátia Abreu. Segundo a senadora, Otávio Frias Filho tinha grande capacidade de ouvir, ainda que não concordasse com o interlocutor.

O colunista da Folha, Josias de Souza. Jornalista ressaltou a “obsessão” de Otávio Frias Filho com a autocrítica (Imagem: Geraldo Magela/Agência Senado)

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Agência Senado

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