Enquanto não levarmos o suicídio e a depressão a sério e continuarmos enxergando-a como mera frescura e não doença, as pessoas que amamos continuarão tirando a própria vida “sem que saibamos o que motivou uma atitude tão radical”
Assim que um dos integrantes do Linkin Park confirmou oficialmente a morte de seu vocalista, Chester Bennington, por suicídio, as mídias sociais foram prontamente inundadas pelos famosos “especialistas em tudo” que insistem em dar às caras sempre que algo dessa magnitude acontece e deixa parte do mundo perplexo.
“Ah, para mim suicídio é coisa de covarde. Só egoístas tiram a própria vida, pois não pensam nos filhos e nas famílias, estas que, aliás, geralmente dependem deles para tudo!”, disse um dos donos da verdade que surgiu nas últimas horas em minha timeline.
Confesso que, ao ler uma bobagem como essa, compreendo com mais facilidade o motivo pelo qual a raça humana vivencia – há séculos – uma crise existencial vitalícia, e, mais do que isso, me assusto com a possibilidade de pensamentos assim, retrógrados e incompreensíveis, obterem mais poder de influência do que deveriam, e assim sendo, outras pessoas também avaliarem tragédias como a de Chester nessa mesma linha extremamente banhada à falta de respeito para com a dor de um semelhante.
Antes de qualquer coisa precisamos entender que não há covardia maior do que julgar a realidade de uma pessoa que sofre a mais degradante entre todas as enfermidades emocionais, que é a depressão, sem nem sequer lhe oferecer abraço confortante ou dispensar alguns minutos de conversa que possam, quem sabe, mudar seu dia para melhor e contribuir – mesmo que timidamente – para que desfrute mais um dia no calendário de sua trajetória composta por mais lutas do que glórias.
Será que alguma coisa é realmente mais importante para um ser vivo do que a própria vida?
Será que alguma coisa é realmente mais importante para um ser vivo do que as pessoas que ele ama incondicionalmente?
Não, meu amigo. Nada é.
Portanto, agir como Kurt Cobain (Nirvana), Chris Cornell (Soundgarden/Audioslave), Champignon (Charlie Brown Jr.) e, agora, Chester Bennington (Linkin Park), não é sinal de covardia, egoísmo ou tampouco solução proposital que encontraram para fugir de seus problemas.
É simplesmente um ato de condição impulsiva decorrente da depressão e que jamais deverá ser julgado ou tratado como a última opção consciente para se conquistar paz física e/ou espiritual.
Nenhuma dessas pessoas que citei acima se matou com simples objetivo em deixar os filhos órfãos passando fome, sem amor paterno e jogados à própria sorte nesse mundão de meu Deus, acredite. Aliás, nem eles e nem qualquer pessoa “comum/anônima” que já fez (ou fizer) o mesmo.
Proponho, inclusive, um desafio a você que me acompanha neste texto, pode ser?
Escolha, por favor, uma das alternativas abaixo:
1- Pegar uma arma carregada, apontar para a cabeça e apertar o gatilho;
2- Segurar uma faca contra o peito e pressioná-la até que somente seu cabo fique à mostra;
3- Colocar um punhado de veneno para ratos em uma das mãos e jogar na goela com tudo;
4- Amarrar uma corda em um teto qualquer, dar um nó, envolvê-la no próprio pescoço, subir em uma cadeira e se jogar.
Você consegue cumprir qualquer um dos quatro desafios acima propostos?
[PAUSA PARA QUE VOCÊ PENSE…]E sabe porque você não é capaz de executar nenhuma dessas incitações?
Por que você está vivendo agora o que conhecemos por estado de “sã consciência”. Exatamente o raciocínio lógico que falta a um suicida no momento em que ele decide pôr fim aos próprios dias.
Chegar nesse ‘limite do limite’ é o ato mais corajoso da mente humana justamente porque se ela estiver em pleno funcionamento e saudável ninguém se torna capaz de tal feito.
No caso de Bennington, por exemplo, a frieza do tempo em que levou para preparar um objeto para que este o matasse por enforcamento é algo que transcende qualquer estado mínimo de lucidez, e, dependendo do estágio em que se vivencia a maldita depressão, ela é sim capaz de fazer sua vítima perder completamente o raciocínio lógico por longos e eternos minutos.
Ou seja, por uma fração de tempo não é a pessoa em si que está lá preparando seu funeral. Na verdade, é até impossível saber no que se transforma o suicida nos instantes que antecedem sua morte e quem de fato está ali em seu íntimo decidindo por algo tão terrível.
Em vista disso, é muito fácil julgar uma pessoa que se matou chamando-a de covarde, quando tuas faculdades mentais correspondem exatamente aos estímulos racionais comuns à nossa espécie, como o medo, que é a grande defesa do instinto para nos manter distantes de qualquer perigo que coloque nossa estadia por aqui em risco.
Quanto mais desdém e falta de compreensão com suicidas, menos a depressão será tratada de acordo com a gravidade que merece e, consequentemente, menos ajuda os portadores dessa terrível doença terão da sociedade ou das pessoas que lhe cercam.
Aquilo que começa com chorinho involuntário trancado no quarto ou uma tristeza sem aparente motivo é sim uma luz amarela piscando ‘DANGER’ para o futuro de qualquer pessoa em médio/longo prazo.
Talvez sejamos imprudentes por não falar com mais afinco e regularidade sobre esse assunto no dia a dia, e isso é sim um grande equívoco que cometemos por ser um problema de todos em qualquer época, independente das características sociais da vítima.
Mas, infelizmente, é natural que alguns assuntos ganhem maior notoriedade somente quando alguém com grande alcance midiático passa pela situação, como foi o caso agora de Chester.
Apesar disso, a depressão não escolhe classe social para habitar um coração desprotegido, então, pouco importa se é rico e famoso ou pobre e desconhecido.
Para se ter ideia, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que a cada 40 segundos alguém dê fim a própria vida em todo o mundo.
Então, se você não ficar assustado ou não busca modificar uma vírgula seu raciocínio de “suicida é covarde e egoísta” ao saber que, enquanto lê este texto, uma ou mais pessoas morreram pelas próprias mãos, é possível que sua pessoinha precise de tratamento sério e intenso ‘pra ontem’ – além, é claro, daquela pitadinha de amor para compartilhar com o planeta.
Olhe ao redor e observe melhor as pessoas que precisam de ajuda. Não negue, não julgue, não diga que é frescura. Apenas ajude. Apenas ouça. Apenas compreenda.
E, se for o caso, aceite também o apoio de um braço que vier a se estender em sua direção, por você e por aqueles que lhe amam.
PREVENÇÃO AO SUICÍDIO | CENTRO DE VALORIZAÇÃO DA VIDA
Disque: 141 ou acesse: www.cvv.org.br
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