José Roberto Guzzo nunca escreveu para a Veja. Ao menos é essa a percepção de quem desde a tarde desta quinta-feira, 17, acessa o site da publicação mantida pela Editora Abril. A página online batizada de ‘Fatos’, e que apresentava ao público as colunas produzidas pelo jornalista, foi excluída. Na prática, o veículo de comunicação “apagou” a relação que manteve nos últimos anos com o comunicador.
Manteve. No passado mesmo. Ao responder a mensagem de um internauta, José Roberto Guzzo afirmou que a revista não queria mais contar com a sua colaboração. Em texto publicado por meio de sua conta verificada no Twitter, ele afirmou que o comando do impresso havia se recusado a publicar o artigo que produziu para a edição desta semana. A coluna (íntegra ao fim da reportagem) traz críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O fim da era de José Roberto Guzzo como colunista da Veja foi selado na terça-feira, 15. Além da postagem via Twitter, ele usou o perfil que mantém no Facebook para falar sobre o assunto. Reforçou, entre outros pontos, que vinha produzindo textos para a revista desde fevereiro de 2008. “A partir daí a coluna não deixou de sair em nenhuma das quinzenas para as quais estava programada”, afirmou o jornalista.
“O artigo era sobre o STF, e sustentava, como ponto central, que só o calendário poderia melhorar a qualidade do tribunal — já que, com a passagem do tempo, cada um dos 11 ministros completaria os 75 anos de idade e teria de ir para casa. Supondo-se que será impossível nomear ministros piores que os destinados a sair nos próximos três ou quatro anos, a coluna chegava à conclusão que o STF tende a melhorar”, discorreu o colunista sobre o texto que afirma ter sido vetado pela direção da Veja.
Sobre o fato de o semanário não ter veiculado seu último artigo, José Roberto Guzzo evitou falar em censura. Em sua análise, o veículo de mídia exerceu o direito que lhe cabe — de selecionar os materiais a serem divulgados. “A liberdade de imprensa tem duas mãos. Em uma delas, qualquer cidadão é livre para escrever o que quiser. Na outra, nenhum veículo tem a obrigação de publicar o que não quer. Ao recusar a publicação da coluna mencionada acima, Veja exerceu o seu direito de não levar a público algo que não quer ver impresso em suas páginas”, pontuou o agora ex-colunista da marca. O veto, no entanto, foi decisivo para a descontinuação de seu trabalho para a revista. “A partir daí, em todo caso, o prosseguimento da colaboração ficou inviável”, garantiu.
Diferentemente de José Roberto Guzzo, a equipe da Veja tem se reservado ao direito de não comentar o assunto. Até o fechamento desta reportagem, o título não havia se posicionado quanto às críticas feitas pelo jornalista. Em seu site, contudo, a marca de mídia tomou atitude. Apesar do recente desfecho da parceria com o colunista, o blog que ele assinava já foi descontinuado. Dessa forma, os textos produzidos por ele ao decorrer dos últimos anos já não são mais encontrados pelos leitores. Ativa desde a última reformulação da Veja.com, a página apresentava — basicamente — os conteúdos que o articulista desenvolvia originalmente para a versão impressa.
Apesar de ver “apagada” de forma imediata na internet a página que reunia seus artigos, José Roberto Guzzo tem gravado o seu nome na história da Veja. Ele fez parte que ajudou a fundar a revista em plena ditadura militar, no ano de 1968. Mais tarde, assumiu a responsabilidade de ser o diretor de redação do título da Editora Abril. Permaneceu no cargo de 1976 a 1991. Em 15 anos no cargo de gestão, ajudou a elevar a tiragem por edição da casa de 100 mil para quase 1 milhão de exemplares. Nos últimos anos, além de colunista e integrante do conselho editorial da própria Veja, ela vinha colaborando com a Exame.
Fora da Veja, José Roberto Guzzo usou a fan page que administra para disseminar o texto que, segundo ele, teve sua publicação vetada pela direção da revista. Confira, abaixo, a íntegra do artigo.
J.R. Guzzo
Um dos grandes amigos do Brasil e dos brasileiros de hoje é o calendário. Só ele, e mais nenhum outro instrumento à disposição da República, pode resolver um problema que jamais deveria ter se transformado em problema, pois sua função é justamente resolver problemas — o Supremo Tribunal Federal. O STF deu um cavalo de pau nos seus deveres e, com isso, conseguiu promover a si próprio à condição de calamidade pública, como essas que são trazidas por enchentes, vendavais ou terremotos de primeira linha. Aberrações malignas da natureza, como todo mundo sabe, podem ser resolvidas pela ação do Corpo de Bombeiros e demais serviços de salvamento. Mas o STF é outro bicho.
Ali a chuva não para de cair, o vento não para de soprar e a terra não para de tremer — não enquanto os indivíduos que fabricam essas desgraças continuarem em ação. Eles são os onze ministros que formam a nossa “corte suprema”, e não podem ser demitidos nunca de seus cargos, nem que matem, fritem e comam a própria mãe no plenário. Só há uma maneira da população se livrar legalmente deles: esperar que completem 75 anos de idade. Aí, em compensação, não podem ser salvos nem por seus próprios decretos. Têm de ir embora, no ato, e não podem voltar nunca mais. Glória a Deus.
Demora? Demora, sem dúvida, e muita coisa realmente ruim pode acontecer enquanto o tempo não passa, mas há duas considerações básicas a se fazer antes de abandonar a alma ao desespero a cada vez que se reúne a apavorante “Segunda Turma” do STF — o símbolo, hoje, da maioria de ministros que transformou o Supremo, possivelmente, no pior tribunal superior em funcionamento em todo o mundo civilizado e em toda a nossa história. A primeira consideração é que não se pode eliminar o STF sem um golpe de Estado, e isso não é uma opção válida dos pontos de vista político, moral ou prático.
A segunda é que o calendário não para. Anda na base das 24 horas a cada dia e dos 365 dias a cada ano, é verdade, mas não há força neste mundo capaz de impedir que ele continue a andar. Levará embora para sempre, um dia, Gilmar Mendes, Antônio Toffoli, Ricardo Lewandowski. Antes deles, já em novembro do ano que vem e em julho de 2021, irão para casa Celso Mello e Marco Aurélio — será a maior contribuição que terão dado ao país desde sua entrada no serviço público, como acontecerá no caso dos colegas citados acima. E assim, um por um, todos irão embora — os bons, os ruins e os horríveis.
Faz diferença, é claro. Só os dois que irão para a rua a curto prazo já ajudam a mudar o equilíbrio aritmético entre o pouco de bom e o muitíssimo de ruim que existe hoje no tribunal. Como é praticamente impossível que sejam nomeados dois ministros piores do que eles, o resultado é uma soma no polo positivo e uma subtração no polo negativo — o que vai acabar influindo na formação da maioria nas votações em plenário e nas “turmas”. Com mais algum tempo, em maio de 2023, o Brasil se livra de Lewandowski.
A menos que o presidente da época seja Lula, ou coisa parecida, o ministro a ser nomeado para seu lugar tende a ser o seu exato contrário — e o STF, enfim, estará com uma cara bem diferente da que tem hoje. O fato, em suma, é que o calendário não perdoa. O ministro Gilmar Mendes pode, por exemplo, proibir que o filho do presidente da República seja investigado criminalmente, ou que provas ilegais, obtidas através da prática de crime, sejam válidas numa corte de justiça. Mas não pode obrigar ninguém a fazer aniversário por ele. Gilmar e os seus colegas podem rasgar a Constituição todos os dias, mas não podem fugir da velhice.
O Brasil que vem aí à frente, por esse único fato, será um país melhor. Se você tem menos de 25 ou 30 anos de idade, pode ter certeza de que vai viver numa sociedade com outro conceito do que é justiça. Não estará sujeito, como acontece hoje, à ditadura de um STF que inventa leis, censura órgãos de imprensa e assina despachos em favor de seus próprios membros. Se tiver mais do que isso, ainda pode pegar um bom período longe do pesadelo de insegurança, desordem e injustiça que existe hoje.
Só não há jeito, mesmo, para quem já está na sala de espera da vida, aguardando a chamada para o último voo. Para estes, paciência. (Poderiam contar, no papel, com o Senado — o único instrumento capaz de encurtar a espera, já que só ele tem o poder de decretar o impeachment de ministros do STF. Mas isso não vai acontecer nunca; o Senado brasileiro é algo geneticamente programado para fazer o mal). Para a maioria, a vitória virá com a passagem do tempo.
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