A Veja não é alinhada com conceitos da extrema direita e nem é uma publicação a serviço de esquerdistas. A afirmação é do diretor de redação do título mantido pela Editora Abril, André Petry. Em entrevista exclusiva ao Portal Comunique-se, ele pontua que sua missão é liderar a produção de bons conteúdos, não importando o alvo a ser atingido. “Veja faz jornalismo que bate nos dois lados”, comenta.
No comando do veículo há pouco mais de dois anos, quando substituiu Eurípedes Alcântara, Petry reforça que o conteúdo produzido pelo time de jornalistas da casa vai além da tradicional revista semanal. A começar pela integração do online com o impresso. Destaca, entre outros pontos, os investimentos no ambiente digital, com a criação de blogs temáticos, e a produção de eventos. São os casos de “Amarelas ao Vivo” e o “Prêmio Veja-se”, que terá sua segunda edição no fim deste ano. Processos que, segundo conta, ajudam a rentabilizar a operação.
Fora o crescimento no online e a estratégia de produzir eventos físicos, o diretor de redação promete que, independentemente da mídia em questão, Veja atuará cada vez mais na linha de frente no combate às chamadas notícias falsas. Trabalho motivado por um objetivo maior: mostrar a importância da imprensa contra a proliferação desmedida – e intencional – de mentiras e desinformações.
Fake news, conteúdo digital, investimentos e formas de rentabilizar a Veja. Esses e outros assuntos entraram em discussão na conversa com Petry. Confira a íntegra da entrevista:
Você foi anunciado como diretor da redação da Veja em fevereiro de 2016. Desde então, a publicação tem feito mudanças além do impresso. O site foi reformulado e a fan page tem apresentado conteúdos nativos. Quais os fatores na hora de pensar em materiais fora da revista?
A discussão era o que queríamos fazer no site e tivemos a ideia de sermos uma ponta de lança contra fake news. Foi quando criamos um blog, o ‘Me Engana que Eu Posto’, que chega a registrar 3 milhões de visitantes ao mês. É a prova cabal da importância da imprensa do jornalismo profissional contra mentira e desinformação.
A gente acabou se tornando essa potência online em termos de audiência, repercussão e compartilhamento. Em março de 2017, por exemplo, passamos a barreira de 7 milhões de seguidores no Facebook e hoje temos muito mais do que isso. Essa marca nos coloca acima de qualquer outra revista ou jornal brasileiro. É uma consagração de uma revista semanal no digital.
Dependendo do enunciado que ganha a capa da Veja, alguns internautas a chamam de extrema direita ou de esquerdista. O que você tem a dizer para esse público?
Eu diria que continuasse fazendo isso [criticando]. Uma revista não pode ser ao mesmo tempo extrema direita e esquerdista. Essas reclamações são reflexos das posições ideológicas polarizadas. No meio disso, Veja faz jornalismo que bate nos dois lados. De qualidade e que está sendo aprimorado ainda mais. Esse é um projeto que estamos desenvolvendo, passando por reuniões e contratações.
Curiosamente, quanto mais competente for o jornalismo, mais atacado ele será. É uma história com a qual estou habituado. Estou na Veja há 29 anos e vejo isso acontecendo desde a minha primeira grande cobertura, que foi o impeachment do Collor.
Você falou em desenvolver a equipe e contratar. Quais são os critérios da Veja na hora avaliar possíveis reforços?
Estamos fazendo duas coisas simultâneas. Tentando descobrir jovens talentos e somando com estrelas do jornalismo. No site, possuímos uma galeria de estrelas – como Augusto Nunes, José Roberto Guzzo, Ricardo Noblat e a excepcional crítica de cinema Isabela Boscov.
Ao mesmo tempo, há novos talentos que estamos descobrindo. Criamos páginas focadas na realidade estadual. Começamos com Paulo Sperb no Rio Grande do Sul, um jovem talento que está fazendo um trabalho excelente. Depois, fomos para o Paraná, com o Guilherme Voitch.
Sobre os projetos dos blogs locais: existem planos para lançar páginas especializadas na cobertura de outros estados?
Bem lentamente, mas sim, já existe [esse projeto]. Pretendemos lançar os próximos blogs sobre Minas Gerais e Bahia. Aos poucos vamos investindo em conteúdos regionais.
Em sua gestão à frente da Veja houve a saída do Reinado Azevedo. Foi bem no dia em que vazaram o áudio da conversa dele com a Andrea Neves. Como foi a conversa dele contigo?
Com a divulgação daquela conversa, ele se sentiu desconfortável e acabou pedindo demissão. Eu aceitei. Foi extremamente amigável, conforme ele relatou em seu blog.
Conteúdos audiovisuais têm tido vez no site e na fan page da Veja. Como tem sido esse trabalho?
Criamos um departamento de vídeo, que foi criado concomitantemente com a instalação de um estúdio. Começamos a produzir vídeo de maneira muito pessoal. Queremos profissionalizar ainda mais esse trabalho. Temos, inclusive, um editor que cuida de todo o departamento de produção audiovisual, o Silvo Navarro. De fato, vídeo é uma linguagem relevante para nós, tanto no site quanto nas redes.
Há vídeos da Veja que viralizam sobretudo no Facebook…
Há um tempo, publicamos uma reportagem sobre a professora Ana Beatriz, gaúcha, de Santa Catarina, que foi diagnosticada com câncer e decidiu a não se submeter a nenhum tratamento ou remédio. Realizamos a reportagem na revista e tínhamos em vídeo um depoimento que foi ao ar na internet. Explodiu. Foi para o exterior.
Desde o começo da sua gestão houve mudança do layout do site, além de uma quebra de barreiras, com impresso e digital trabalhando mais em sintonia. Houve alguma resistência durante o processo?
Toda mudança tem resistência, mas não demorou a termos compreensão generalizada de que precisávamos dessa unificação. A redação percebeu se determinado conteúdo é mais apropriado para o site ou para o impresso.
Aproveitando sua experiência de seis anos como correspondente em Nova York: como o trabalho no exterior ajudou no seu dia a dia na Veja?
Ajudou-me em múltiplos aspectos. É uma experiência muito relevante, sobretudo para ter olhar crítico sobre o jornalismo brasileiro. Enquanto você está aqui, lendo o jornal brasileiro, acaba ficando um pouco fechado. A experiência de ir para lá, tomar distância, permite ter uma visão crítica da imprensa nacional. Começa a ver falhas, desvios, deslizes e erros.
Como funciona a produção jornalística nos Estados Unidos?
Os Estados Unidos têm uma potência jornalística. É muito mais do que New York Times e Washington Post. Com a crise, há redações fechando. Porém, ainda existe fortíssima tradição de imprensa regional e séria, bem feita e muito profissional.
Quais as principais diferenças do jornalismo norte-americano com o brasileiro?
Eles têm muito mais reportagens. Vão até onde o fato está acontecendo. É cultural. É uma coisa que se pode, dentro das circunstâncias, trazer para o Brasil. Outra coisa é o papel fiscalizador do poder. É intenso, assim como aqui, mas com uma diferença: a mídia de lá não esquece determinados assuntos. Se acontecer algum um caso, eles vão investigar e vão noticiar até o fim, mesmo que esse trabalho dure anos. No Brasil, as pautas caem no esquecimento depois de 15 dias.
Antes de se tornar correspondente internacional, você era o chefe da sucursal da Veja em Brasília, onde sua equipe tinha o Policarpo Júnior. Agora, você é o diretor de redação e ele um dos redatores-chefes. Qual o significado dessa parceria?
O Júnior foi um dos responsáveis pela minha entrada na Veja há quase 30 anos. Ele acabou me indicando, pois havíamos trabalhado juntos na década de 80, no Correio Braziliense. A gente trabalha muito bem em parceria. Até hoje falamos a mesma língua. O Júnior é um dos melhores repórteres que conheci. É competente, ético, sabe o que é noticia. É um privilégio ter uma figura como ele ao meu lado.
Além do Policarpo Júnior, a Veja tem outros três redatores-chefes: Fábio Altman, Mauricio Lima e Thaís Oyama. Como funciona o trabalho no dia a dia?
A parceria funciona de modo geográfico. Tenho dois redatores-chefes em São Paulo [Altman e Thaís], um no Rio [Lima] e outro em Brasília [Júnior], que são as duas principais sucursais.
A Veja tem cobrado pelo acesso online, com o público tendo um limite de leitura gratuita e sendo convidado a se tornar um assinante do veículo. Como você avalia a decisão de mostrar para o leitor que vale pagar pelo jornalismo produzido pela Veja?
Primeiro: jornalismo de qualidade custa e o consumidor de notícia precisa entender. É uma realidade objetiva e incontornável. Portanto, preciso cobrar pelo que é feito. A segunda coisa é que o New York Times abriu um caminho de modelo de negócio, implantando o paywall. Se a publicidade no papel é um mundo cada vez menor, assinantes digitais estão se revelando como modelo em potencial, que pode viabilizar a operação. No nosso caso, até por estarmos “pegando leve” com valores baixos, o resultando vem sendo satisfatório, com pouco crescimento mês a mês.
No fim do ano passado, você conduziu o “Amarelas ao Vivo” e o “Prêmio Veja-se”, onde havia dois patrocinadores. Esses e outros eventos mostram que a Veja também está interessada em produzir e discutir jornalismo em novos formatos. Isso tem ajudado a dar mídia e a rentabilizar a publicação?
Tem sido um sucesso nos dois casos. Tivemos repercussão e entendemos que isso é conteúdo. E estamos investindo nesse nicho. Teremos em no dia 24 de abril evento sobre fake news, que vem sendo uma forte batalha que estamos travando. Em maio, haverá um sobre “conhecimento”. Em setembro, devemos fazer outro sobre as eleições. Todos esses terão a marca “Amarelas ao Vivo”. Em dezembro, fecharemos o ano com “Veja-se”, com o objetivo de prestigiar quem faz a diferença em determinados setores do nosso país.
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