Aconteceu. Virou manchete. Você tem de saber

De repente, apareceu um público que quer viver em um mundo sem saber, sem ser informado. Ou pior, se informando apenas pelo ralo da história. Brigam com os fatos. Em mais de 40 anos de jornalista, não lembro de ter assistido a tantas dificuldades e ataques à profissão, alguns muito violentos, e a maioria apenas de uma ignorância que traz ainda mais preocupação. Inclusive, com a segurança física – Portal Comunique-se publica mais um artigo da jornalista Marli Gonçalves

Coitado do mensageiro. Está sobrando sopapos para ele, o que traz as notícias que o mundo fabrica e que, especialmente aqui no Brasil, têm sido mesmo lamentáveis. Nós, jornalistas, sentimos muito. Adoraríamos, de verdade, diariamente informar que está tudo bem, só dar boas novas, falar sobre o crescimento econômico, equidade social, as vitórias e conquistas nacionais, sobre decisões governamentais ponderadas vindas de todas as esferas, reproduzir frases e pensamentos positivos dos governantes. Mas não são essas as notícias do momento. E não adianta fechar os olhos agora.

Algumas informações que transmitimos, até conseguimos compreender, parecem mesmo inacreditáveis. Sim, estamos falando de política, essa coisa sempre muito pesada e cheia de meandros que quem acompanha desde sempre nem mais se surpreende, porque sabe que nela tudo é possível. Mas que a política está exagerando na produção desse possível, está. Em embates infantis, na pequenez dos pensamentos, no amadorismo dos atos, na produção de capítulos vergonhosos que estamos tendo de escrever e descrever, e que se diga a verdade, com destaque nos últimos anos e meses.

Só que agora apareceu uma categoria de pessoas – vejam bem que apenas reparo nesse aparecimento, isso sim é novidade – que não querem saber. Negam. Ficam bravos. Para que contar que o miliciano era vizinho do presidente? Porque era. Para que escrever isso? Por que comentar aquilo?

“Algumas informações que transmitimos, até conseguimos compreender, parecem mesmo inacreditáveis” (Marli Gonçalves)

Querem selecionar ao bel prazer as notícias, o que em linguagem usual chama-se censura. Querem explicar que não foi bem assim o que ele disse, sendo que tudo está gravado. A verdade é só o que acham. E acham sem qualquer liame com a realidade, como se vivessem em outro mundo. Os caras fazem as bobagens, e a imprensa é que é culpada, xingada, martelada. Se procriaram nas últimas eleições, alimentados pelas fake news, pelo WhatsApp, pelo rancor, por um sectarismo muito louco que abriu espaço dentro da democracia.

Argumentação? Nenhuma. Pior. Em muitos casos não dá para revidar porque é gente “amiga”. Outro dia, por exemplo, para se contrapor aos protestos contra a ordem de comemorar o golpe de 64, uma escreveu que “não dissemos nada contra quando foi comemorada a Revolução Russa…”.

Oi?

Há outras versões engraçadas. Começam com as frases “ninguém está falando…” (e na verdade, não se fala em outra coisa, e pela grande imprensa, que dizem que não leem, que é lixo); “isso é perseguição…” (sendo que o “perseguido” foi quem produziu o fato da notícia); “querem que em três meses…” (sim, porque nos três meses ocorreram só trapalhadas, públicas). Nessa toada não deixarão nunca a alma de Celso Daniel descansar e ficam só batendo nas teclas P e T, e usando palavras que parecem espantalhos – esquerdalha, petralha, entre outras impublicáveis. Uma cruzada que inventaram para si. O que é deles. O resto seria do tal PT, coitado, que a cada dia aparece mais apagado e combalido, sem capacidade de reação, até porque não tem mesmo, aos atos praticados. Denunciados, inclusive, por quem? Pela imprensa! Vivemos para ver até o Estadão ser chamado de… comunista!

Não é por menos que há uma crise sem precedentes em toda a imprensa, que se esfacela a olhos vistos, sem compreender o que ocorre no país onde ter opinião é crime. Colunistas são trocados como roupas nos varais em prol de obterem uma diversidade que seja aceita, o que é praticamente impossível. E cada vez mais os portais privilegiam o que lhes dá milhares de cliques, contando quem se separou, quem está transando com quem, quem cortou o cabelo, emagreceu, engordou, usa biquíni branco ou tem estrias.

“Vivemos para ver até o Estadão ser chamado de… comunista!” (Marli Gonçalves)

Pior: fofocas que, antes, a imprensa até tinha de ir atrás para saber, fotografar. Agora não. As notícias chegam sozinhas, entram nas redações, gratuitas, diretamente dos noticiados. Isso dá Ibope. E nesse Ibope todos acreditam.

“Colunistas são trocados como roupas nos varais em prol de obterem uma diversidade que seja aceita” (Marli Gonçalves)

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Marli Gonçalves

Jornalista formada pela FAAP, em 1979. Diretora da Brickmann&Associados Comunicação, B&A. Tem 40 anos de atuação na profissão, com passagens por vários veículos, entre eles Jornal da Tarde, Rádio Eldorado e revista Veja. Na B&A, além de assessoria de imprensa e consultoria de comunicação, especializou-se em gerenciamento de crises, ao lado de Carlos Brickmann, com quem trabalha desde 1996. Também é editora do Chumbo Gordo, site de informações da B&A. Mantém, ainda, o blog particular Marli Gonçalves (http://marligo.wordpress.com). Desde 2008, escreve semanalmente artigos e crônicas para inúmeros jornais e sites de todo o país sobre comportamento, feminismo, liberdade e imprensa. Entre suas atividades na área de consultoria, comunicação empresarial e relações públicas foi de 1994 a 1996 gerente de imprensa da multinacional AAB, Hill and Knowlton do Brasil (Grupo Standard, Ogilvy & Mather). Participou de várias publicações e veículos, entre eles, Singular & Plural, Revista Especial, Gallery Around (com Antonio Bivar), Jornal da Feira, Novidades Fotóptica, A-Z, Vogue. Na área política, foi assessora de Almino Affonso, quando vice-governador de São Paulo, e trabalhou em várias campanhas, entre elas, de Fernando Gabeira e Roberto Tripoli.

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