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Você é um dos que concorda ou concordam?

Você é um dos que concorda ou concordam
(Imagem: reprodução).

“Diferentemente do que os gramáticos nos ensinam sobre a concordância com a expressão “um dos que”, o uso do verbo no singular ou no plural não tem nada a ver com ênfase, mas com o contexto em que o verbo se encontra inserto”

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Faz tantos anos, que já nem lembro mais quando foi que, quando eu tinha tempo e dinheiro para gastar em livrarias, comprei “Sofrendo a Gramática: Ensaios sobre a Linguagem”, livrinho (são só 102 páginas) em que o linguista Mário A. Perini (o A é de Alberto) diz: “Para quem gosta de certezas e seguranças, tenho más notícias: a gramática não está pronta. Para quem gosta de desafios, tenho boas notícias: a gramática não está pronta. Um mundo de questões e problemas continua sem solução, à espera de novas ideias, novas teorias, novas análises, novas cabeças.”.

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Apesar de viver fugindo de problemas, concordo com o autor, porque, quando eu, que faço análise (sintática) desde que comecei a estudar gramática, principalmente depois que saí da escola, achava que já havia resolvido, pelo menos para mim mesmo, o da concordância verbal com a expressão “um dos que”, a madrinha de minha filha me fez a seguinte pergunta: “Amigo, veja se esta frase [‘Sou daqueles que, quando estaciona…’] está correta, pois muita gente está comentando que ela está incorreta. É estacionam ou estacionam?”.

A dúvida de minha amiga se deve porque os gramáticos dizem, e os exemplos comprovam, que, com a expressão “um dos que” o verbo pode ficar no singular ou no plural, o que significa que, quando o poeta usa o verbo no singular, ele só pode estar querendo se referir a um único indivíduo:

“Você é uma das pessoas que nunca cumprimenta ninguém”,

“O Tietê é um dos rios da capital paulista que deságua no Paraná”,

“Foi uma das peças de Shakespeare que estreou ontem”.

Ou seja:

“Das pessoas (= delas) você é uma que nunca cumprimenta ninguém”,

“Dos rios da capital paulista (= deles) o Tietê é um (o único) que deságua no Paraná”,

“Das peças de Shakespeare foi uma que estreou ontem”.

Já, quando o poeta usa o verbo no plural, ele só pode estar querendo se referir a todos os indivíduos:

“Ela foi uma das que saíram antes”,

“Ele é um dos candidatos que atacam o governo”,

“Ela foi uma das atletas que (mais) brilharam nos últimos jogos olímpicos”.

Isto é:

“Das que saíram antes ela foi uma”,

“Dos candidatos que atacam o governo ele é um”,

“Das atletas que (mais) brilharam nos últimos jogos olímpicos ela foi uma”.

Segundo os gramáticos, em construções como as acima, o verbo fica obrigatoriamente no plural porque é nítida a participação de todos os indivíduos na ação verbal, principalmente quando, explícito ou (subentendido), o antecedente do pronome relativo “que” é precedido das palavras “estes”, “esses”, “aqueles” e suas variantes.

Até então, enxergando a questão com a mesma lente dos gramáticos, eu disse a minha amiga que a resposta correta era “estacionam”, pois considerei que o sujeito da oração introduzida pela conjunção (subordinativa adverbial temporal) “quando” é o mesmo da oração (subordinada adjetiva) introduzida pelo pronome relativo “que”, cujo antecedente (…) se encontra no plural:

“Sou (um) daqueles (…) que, quando estacionam…”.

Mas, depois de analisar a frase “Hebe é uma das minhas amigas que mora na Inglaterra”, cujo verbo, apesar de o antecedente de “que” estar no plural, eu jamais colocaria no plural, uma vez que só tenho uma amiga que mora na terra dos Beatles e dos Rolling Stones, acho que vou precisar de um pouco mais de luz para continuar fazendo das palavras dos gramáticos as minhas, nem mesmo com o antecedente do pronome relativo “que” precedido das palavras “estes”, “esses”, “aqueles” e suas variantes, ou jamais deixaria no singular o verbo das frases “Estou com um daqueles documentos que veio assinado” e “Não sou uma daquelas que corrige tudo e todos”.

Por falar em amigos, esperando que meu compadre Clodoaldo Gomes dos Santos, única pessoa cuja ajuda não dispenso quando o assunto é gramática, recusasse concordâncias como “Umas das atletas que mais brilhou nos últimos jogos olímpicos”, visto que, se o verbo no singular se refere um único indivíduo, a palavra “mais” me parece estar sobrando, fui surpreendido com a seguinte resposta:

“Então, eu vim aqui dar uma olhada na proposta que você tinha feito: ‘Umas das atletas que mais brilhou nos últimos jogos olímpicos’. Olha, você sabe, essas construções que geram dúvidas sobre a concordância do verbo concordar ou não com o sujeito dele com o antecedente parece que são um universo sem fim. Você mesmo, cada vez que analisa uma construção, descobre uma situação nova. Eu queria estar nas condições de poder toda vez que um caso com o qual eu tenha que trabalhar fosse um caso da gramática, um caso da análise dos períodos, coisa e tal. Infelizmente, os casos em que tenho que trabalhar são casos de pessoas que estão recebendo pena (pena de prisão, de detenção, de multa). Ah, rapaz, que desolador que é isso aqui! Enfim, não é nada disso que eu queria falar para você. Um recurso que eu sempre uso ou um recurso com o qual eu me contento, não quer dizer que esteja certo ou esteja errado, é o recurso de reescrever a frase várias vezes, ou pelo menos reescrevê-la para conseguir um sentido que seja desejável. Quando olhei ‘Umas das atletas que mais brilhou nos últimos jogos olímpicos’, honestamente, de imediato, me pareceu que o certo é esse verbo ficar no singular. Assim, foi o que me pareceu. (…) Depois, para me colocar em xeque, eu mesmo me colocando em xeque, tentei, como eu disse a você um pouco antes nesta mensagem, tentei reescrever a frase, e, reescrevendo a frase, me aparece ‘Umas das atletas mais brilhantes dos últimos jogos olímpicos’. E daí eu fico na dúvida. Puxa vida, eu acabei de explicar por que o verbo deve ficar no singular, e eu reescrevo a frase, e aquele verbo que eu bateria na tecla de que ele deve ficar no singular, não ser pluralizado, puxa, esse verbo me dá origem a um adjetivo plural, um adjetivo com número plural. Olha, está aqui a minha observação inicial a você sobre essa construção. Tomara que seja uma observação que ofereça alguma novidade à sua análise, coisa que eu acho muito difícil de eu conseguir fazer [risos].”.

Depois dessa brilhante observação de meu amigo sobre a expressão-gilete, só posso dizer que “Achei um daqueles livros que estava perdido” está para “(…) um daqueles livros perdido” assim como “(…) um daqueles livros que estavam perdidos”, para “(…) um daqueles livros perdidos”.

Além disso, se levarmos para o infinitivo o verbo da oração desenvolvida, não só faremos, para a alegria dos que são contra o queísmo, a palavra “que” desaparecer, como, para não assassinar a lógica, veremos uma concordância para o singular:

“Ele é um dos candidatos a ser chamado” = “Ele é um dos candidatos que será chamado”,

e outra para o plural:

“Ele é um dos candidatos a serem chamados” = “Ele é um dos candidatos que serão chamados”.

Como se pode ver, diferentemente do que os gramáticos nos ensinam sobre a concordância com a expressão “um dos que”, o uso do verbo no singular ou no plural não tem nada a ver com ênfase, mas com o contexto em que o verbo se encontra inserto, porque, como diz o ilustre professor Mário na página 59 de sua impagável coletânea de ensaios sobre a linguagem, uma frase fora de contexto não tem, a rigor, significado.

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Edson de Oliveira

Revisor há mais de 20 anos, corrigindo principalmente legendas de vídeo, transcrição de áudio, textos jornalísticos e acadêmicos, é editor dos blogues “Café Elétrico” e “Blogue da Revisão”.

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