A ciência do “fecha tudo” e a imprensa na rinha política – por Adalberto Piotto

“Em tempo: já escrevi aqui em outros momentos. O erro do combate à pandemia no país passa por praticamente todo mundo”

O objetivo é parar tudo de forma generalizada ou buscar meios de enfrentar a pandemia com ciência de verdade? Porque a decisão do Governo de São Paulo de suspender jogos de futebol precisa ser mais discutida.

Afinal, a CBF mostrou a rigidez de seus protocolos de segurança, seguidos pelas federações e os clubes. E com os dados levantados na imensa quantidade de testes com um mesmo grupo específico de atividade profissional de controle epidemiológico, algo sem precedentes no país, estão contribuindo internacionalmente com os estudos mundiais que tentam mapear o comportamento do vírus.

Reconheçam-se os fatos, a liderança da CBF e as ações de segurança em saúde das federações e dos clubes neste caso. É justo. Além do que não houve ainda nenhuma prova de alguma transmissão de Covid-19 durante os jogos em estádios vazios. Pelo contrário, é incrível o controle que tem sido feito, com quaisquer inconsistências ou casos rapidamente corrigidos e controlados.

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Veja um exemplo: desde a onda de Covid no seu elenco, em meados de 2020, o Palmeiras fez uma maratona imensa de partidas, viajou pelo país, pela América do Sul e foi até o Qatar. Hospedou-se em hotéis diferentes, passou por aviões de todos os portes e aeroportos. Raríssimos foram os casos de Coronavírus, desde então. E todos rapidamente diagnosticados, com o paciente isolado e sem evolução séria. Recentemente, uma onda de Covid-19 atacou o Corinthians, que passou por uma maratona algo menor, mas que só aconteceu muito tempo depois.

Não é razoável deduzir que se fosse o futebol, com rodada duas vezes por semana, todos os clubes teriam ondas de Covid em um espaço de tempo de 30, 40 dias e não com quase um ano de diferença?

Por que, então, João Dória (PSDB) decide paralisar o Campeonato Paulista e todas as atividades esportivas que, notem, são realizadas sem público e com um número restrito e altamente controlado, epidemiologicamente falando, de participantes, seja nas concentrações ou nas arenas?

Chute? Sem desmerecer o grupo de especialistas do governo estadual, tem cara de um chute com verniz de “preservação de vidas” que parece ser movido por uma ideia fixa que afronta o estudo da CBF, os fatos e não oferece nenhum outro argumento alternativo. E um chute daqueles para dar à galera uma ideia de virilidade e concentração no jogo. Mas que se assemelha muito ao comportamento do jogador sem recursos técnicos que, estando com a bola, sem competência e habilidade para seguir jogando, dá um chutão para fora.

Daí, refaço a pergunta que fiz no início deste artigo: o objetivo é parar tudo com chute generalizado ou buscar meios de enfrentar a pandemia com ciência de verdade, preservando-se os ganhos, os avanços e as atividades que estão conseguindo superar o pior da contaminação e nos apontando soluções? Vamos combater o vírus buscando superá-lo com o que conseguimos descobrir sobre ele ou vamos usar a mesma régua para situações diferentes e continuar fechando tudo, prendendo e arrebentando indistintamente, ignorando meios de controle que estão se provando cientificamente eficientes?

Porque a ciência, com tudo o que se viu e foi apresentado pela CBF, com seu time altamente competente de especialistas que montou diante da pandemia, está do lado da continuação dos campeonatos neste modelo sem público, por ora, e com o rígido controle que está sendo feito.

Para finalizar, a construção civil, os transportes públicos, os supermercados, a indústria e outras áreas estão funcionando sem terem algo parecido na proporção de rigidez e controle do que está sendo aplicado pelo protocolo do futebol. Vamos parar todos eles? Quem controla a contaminação nesses setores? Não. Mas o critério da essencialidade não poderia ser único, visto o avanço do protocolo do futebol, para citar uma razão apenas.

Contrário que sou desde o início à interrupção do trabalho nessas áreas e de um debate aprofundado e intelectualmente honesto que teria poder de atrair mais gente para as medidas de enfrentamento do vírus, só mencionei o exemplo acima para expor a ausência de lógica científica na decisão do governador de São Paulo, que chuta a bola pra fora parando a partida porque parece ser a única coisa que sabe fazer. E espera que o adversário desista para ganhar o jogo da vida.

“Não se fez um debate sobre o combate à pandemia, fez-se um debate de saúde com ranço eleitoral. E com uma atuação ruim de parte importante da imprensa que embarcou na rinha política”

Em tempo: já escrevi aqui em outros momentos. O erro do combate à pandemia no país passa por praticamente todo mundo. Politização excessiva, inclusive de medicamento, abandono de tratamento precoce e alternativas de mitigação, uso ruim de recursos públicos com denúncias de desvio, monopolização da ciência com tratamento desleal ao pensamento divergente ou com outro ponto de vista, desmonte, que se mostrou inadequado, de hospitais de campanha e falta de debate sério sobre a doença, longe da eleição presidencial do ano que vem.

Não se fez um debate sobre o combate à pandemia, fez-se um debate de saúde com ranço eleitoral. E com uma atuação ruim de parte importante da imprensa que embarcou na rinha política, além de um comportamento trágico do STF que, em abril de 2020, decidiu que as atribuições do governo federal e dos estados, com poder momentâneo maior para os governadores, eram concorrentes, mas foi embora do jogo que ficou sem regras claras e juiz. A guerra de atribuições continuou, tornaram-se conflituosas com acusações de ambos os lados, e o Supremo se omitiu até decidir nesta semana que a eleição do ano que vem é a pauta principal do país.

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Conteúdo publicado originalmente na página do autor no Facebook.

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Adalberto Piotto

Jornalista formado pela Universidade Metodista de Piracicaba com especialização em economia pela Fipe-USP. Apresentador do ‘Pensando o Brasil’, programa fruto da parceria com o CIEE. É diretor e produtor do filme-documentário “Orgulho de Ser Brasileiro” (2013), de sua autoria, que disseca o estilo de ser do brasileiro com todas as suas nuances e oscilações de sentimento enquanto cidadão. De 1999 a 2011, foi âncora da CBN em São Paulo, onde começou como repórter. Em 2014, de julho até o início de dezembro, foi âncora do ‘Jornal da Manhã’, noticiário transmitido pela Jovem Pan. É palestrante nas áreas de economia, realidade social brasileira e jornalismo.

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