Devido à relação que mantém com jornalistas e veículos de comunicação, o presidente Jair Bolsonaro conseguiu entrar para um ranking em nível internacional. Agora, o mandatário brasileiro pertence ao nada honroso grupo de “predadores da liberdade de imprensa”, conforme definição utilizada pela organização não governamental (ONG) Repórteres Sem Fronteiras. A presença dele na lista foi confirmada pela entidade nesta segunda-feira, 6.
O relatório da Repórteres Sem Fronteiras é atualizado anualmente e é a primeira vez que o nome do atual presidente do Brasil aparece. Na edição deste ano, 37 chefes de Estado espalhados mundo afora são definidos como “predadores da liberdade de imprensa”, informa a Radio France Internationale. No geral, Bolsonaro surge em companhia de políticos considerados de esquerda — espectro rotineiramente criticado por ele. Vladimir Putin (Rússia) e Nicolás Maduro (Venezuela) são alguns dos outros presidentes na lista.
No material divulgado hoje, a equipe da ONG Repórteres Sem Fronteiras não poupou críticas diretas a Bolsonaro. De acordo com a entidade, o político atualmente sem partido não tem contribuído em nada para melhor o ambiente de trabalho dos profissionais de comunicação. Pelo contrário, analisa a organização. “O trabalho da imprensa brasileira se tornou especialmente complexo desde que Jair Bolsonaro foi eleito presidente, em 2018”, afirma-se.
Novos ataques do presidente contra a imprensa, que ele rotula como responsável pela crise e que tenta transformar em verdadeiro bode expiatório
Mais do que isso, a ONG atribui ao ocupante do Palácio do Planalto atitudes contra o livre exercício da profissão jornalística e a plena liberdade de expressão. “Insultos, difamação, estigmatização e humilhação de jornalistas passaram a ser a marca registrada do presidente brasileiro”, pontua trecho do relatório. A chegada da pandemia do novo coronavírus ao país só piorou a situação. “Expôs sérias dificuldades de acesso à informação no país e deu origem a novos ataques do presidente contra a imprensa, que ele rotula como responsável pela crise e que tenta transformar em verdadeiro bode expiatório”, destaca o conteúdo.
Em relação ao Brasil, a ONG Repórteres Sem Fronteiras foi além de tecer críticas à postura de Jair Bolsonaro diante dos jornalistas. Sem citar nomes de grupos do setor de comunicação, a entidade lembrou que “a mídia brasileira ainda é bastante concentrada, principalmente nas mãos de grandes famílias, com frequência próximas da classe política”.
A família do ex-presidente da República e atual senador por Alagoas, Fernando Collor de Mello (Pros), é dona de afiliada da Rede Globo de Televisão, que tem na família de outro ex-mandatário do país — José Sarney — à frente de sua afiliada no Maranhão. O atual ministro das Comunicação, Fábio Faria (PSD), é casado com Patrícia Abravanel, uma das filhas do apresentador Silvio Santos, dono do SBT. Faria chegou a fazer ponta como figurante em propaganda da Jequiti, marca de cosméticos idealizada por sua mulher.
Fora a postura adotada por Bolsonaro e a concentração de veículos de comunicação sob poder de poucas famílias, a organização internacional lamenta outra situação frequentemente enfrentada por comunicadores no Brasil. “O sigilo das fontes é regularmente prejudicado e muitos jornalistas investigativos são alvo de processos judiciais abusivos”, pontua a ONG.
No mês passado, por exemplo, o editor-executivo da versão brasileira do site The Intercept, Leandro Demori, tornou-se alvo de inquérito da Polícia Civil do Rio de Janeiro após publicação de reportagem sobre a operação policial que terminou com mais de 20 assassinatos em uma favela carioca. Diante da situação envolvendo o jornalista, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) questionou se o país havia voltado aos tempos de censura imposta pela ditadura militar.
A edição 2021 do relatório apresentado pela ONG Repórteres Sem Fronteiras conta com “velhos tiranos”, conforme definição a respeito de quem surge frequentemente na lista de “predadores da liberdade de imprensa”. Além dos já mencionados Bolsonaro, Putin e Maduro, o ranking traz nomes como os de Bachar al-Assad (Síria), Ali Khamenei (Irã), Alexandre Lukashenko (Belarus), Teodoro Obiang Nguema Mbasogo (Guiné Equatorial), Paul Kagamé (Ruanda) e Issaias Afwerki (Eritreia).
O príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, é outro personagem na lista da ONG. Ele é acusado por órgãos internacionais de ter sido o mandante do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi. Saudita crítico do governo local, Khashoggi foi morto em outubro de 2018 dentro do consulado da Arábia Saudita na Turquia.
Bolsonaro, Salman e todos os demais 35 chefes de Estado classificados como “predadores da liberdade de imprensa” são responsáveis em algum grau pela “criação de estruturas de censura, a detenção arbitrária de profissionais da mídia, a incitação à violência contra os jornalistas”, segundo definição da equipe da entidade responsável pelo relatório.
Impõem o terror com ordens irracionais e paranoicas
Christophe Deloire
“Cada um desses ‘predadores’ tem um método particular. Alguns impõem o terror com ordens irracionais e paranoicas”, afirma o secretário-geral da ONG Repórteres Sem Fronteiras, o francês Christophe Deloire. “Outros criam estratégias baseadas em leis restritivas. Temos de impedir que suas formas de impor a repressão se tornem o ‘novo normal’”, complementa o representante da entidade.
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