De Londres, Luciana Gurgel (Editora, MediaTalks)
O desafio de regulamentar conteúdo nas mídias sociais para combater males como assédio infantil online e discurso de ódio sem ameaçar a liberdade de expressão é um dos enigmas mais intrincados da sociedade contemporânea. Esta semana, o Twitter encarnou na Índia os dois lados dessa contradição.
Diante da tragédia em que se transformou a Covid-19 no segundo país mais populoso do mundo, a plataforma resolveu ajudar. Criou recursos novos para ajudar as pessoas a procurarem ajuda médica, oxigênio e medicamentos. E também para divulgar informações sobre vacinas e cuidados para evitar a propagação da Covid-19.
É um grande apoio para as autoridades de saúde em seus esforços para controlar o surto que tem escandalizado o mundo com imagens dramáticas de pessoas morrendo na porta de hospitais e piras funerárias ardendo sem parar.
Mas não foi suficiente para ganhar a simpatia do governo. O mesmo Twitter foi visto como ambiente para proliferação de informações consideradas falsas ou prejudiciais à segurança nacional.
E no último fim de semana, 25, veio a ordem. Um comunicado do Ministério da Informação indiano determinou ao Twitter e também ao Facebook e ao Instagram a remoção de mais de 100 postagens que, aos olhos do governo, infringem as leis locais.
Coincidência ou não, o Twitter foi o mais atingido, com cerca de 50 pedidos de remoção, incluindo jornalistas, cineastas, políticos, artistas e ativistas. A plataforma não teve opção senão acatar, sob risco de penas severas. Mas só removeu as postagens para os usuários da Índia, por entender que as críticas à gestão da pandemia e as imagens veiculadas pelos autores não infringem suas regras internacionais.
Foi como enxugar gelo, pois as 50 postagens removidas não são nada perto dos protestos contra o governo do primeiro-ministro Narendra Modi. Pelos nomes envolvidos, ficou claro que trata-se de uma ação política para intimidar adversários.
O problema é o efeito colateral. A Índia tinha baixado, em fevereiro, um decreto que não passou pelo Parlamento impondo regras severas às plataformas, dando ao governo o poder de censurar e controlar o que é compartilhado pelos usuários e até de identificar anônimos.
O pacote ainda não está em vigor, pois as plataformas ganharam três meses para se adaptar. Mas a ordem de remoção de conteúdo mostra que o governo indiano nem esperou a lei passar a valer para aumentar a repressão.
Enquanto isso, a liberdade de expressão nas redes valeu ao Gana o prêmio de ter sido escolhida como sede africana do Twitter, desbancando favoritos como a Nigéria, a África do Sul e o Quênia.
No comunicado anunciando a escolha, o Twitter mandou um recado para outros países que ensaiam reprimir o discurso livre online, ressaltando que a liberdade de expressão e o compromisso com a internet livre em Gana foram determinantes para a decisão.
A perdedora Nigéria não se fez de rogada: culpou adivinhem quem? A imprensa do país. Ao comentar o resultado, o Ministro das Comunicações responsabilizou os jornalistas por terem construído uma imagem negativa da Nigéria no exterior, razão pela qual, segundo ele, o Twitter optou por Gana.
O velho ditado “se a mensagem é ruim, mate o mensageiro” anda mais viva do que nunca.
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