Tudo começa pelo respeito. É isso que a Rede Globo de Televisão defende — ao menos na teoria e no campo publicitário, com ações estreladas por seus principais artistas. Na prática, porém, essa atividade de responsabilidade pregada pela empresa de comunicação falhou ao menos uma vez. Em março de 2019, a jornalista Michelle Sampaio deixava o emprego depois de mais de 15 anos. E não foi por vontade própria. Apresentadora da TV Vanguarda, afiliada global na região de São José dos Campos (SP), ela foi informada de sua demissão. O motivo passou longe de questões de competência profissional. A razão alegada para a dispensa passou longe do respeito. Afinal, ela garante: foi demitida por causa do peso. Peso ganho durante a gravidez.
“Em nenhum momento, durante a minha demissão, foi falado de crise, de salário, de ter uma empresa ou qualquer outro tema”, conta Michelle Sampaio, quase um ano depois do episódio. “Na sala da diretoria geral da emissora, ainda ouvi uma frase que me marcou muito ‘você é uma ótima mãe, mas não se cuidou. Se quisesse mesmo emagrecer, tinha emagrecido’. É fácil você julgar quando não se vive a vida do outro”, detalha a jornalista. Ela pontua, ainda, que apesar da campanha “Tudo começa pelo respeito”, ninguém da Rede Globo, que é parceira da TV Vanguarda, a contatou. “Acho lindo o que se prega, mas na prática é bem diferente”, lamenta. “Essa questão de padrão estético na bancada do telejornal não é apenas na Rede Globo, em outras emissoras também acontece”, reclama a comunicadora.
Michelle Sampaio, porém, não ficou parada apenas reclamando da situação. Após divulgar pelas redes sociais o motivo de sua demissão da TV Vanguarda, ela seguiu o seu caminho. Longe do dia a dia da afiliada da Rede Globo que é controlada pela família de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, ela vem conseguindo se destacar. E em dose dupla. Nos últimos meses, a jornalista tem se dedicado à sua própria empresa no ramo da comunicação corporativa e treinamentos, a Comunicarte. O projeto, que já existia antes de sua dispensa da televisão, é conduzido em parceria com o também jornalista Marcelo Hespana. Além da versão “mulher de negócios”, a comunicadora tem atraído a atenção do mercado publicitário — sobretudo em campanhas voltadas ao público da Região do Vale do Paraíba. Público que a parou de acompanhar no telejornalismo porque a direção d TV Vanguarda entendeu que ela precisava emagrecer.
Sobre essa transformação — da demissão por causa do peso à volta por cima fora da TV Vanguarda –, Michelle Sampaio conversa de forma exclusiva com a reportagem do Portal Comunique-se. Confira, abaixo, a íntegra da entrevista.
Em março de 2019, depois de 16 anos, você deixou a TV Vanguarda. Na ocasião, você deu a entender de que foi uma escolha da emissora, que teria indicado que você precisaria voltar ao peso de antes da gravidez. Como foi essa situação?
A decisão de desligamento foi da emissora. Apenas fui chamada pela chefia de jornalismo e comunicada da dispensa. Na época, eu já estava afastada da bancada do telejornal por estar acima do peso. Foram dois anos tentando emagrecer, sem sucesso. Em nenhum momento, durante a minha demissão, foi falado de crise, de salário, de ter uma empresa ou qualquer outro tema. Apenas que foi uma decisão acima, da direção da emissora. Por não atender às expectativas deles, que era estar na bancada do jornal. Na sala da diretoria geral da emissora, ainda ouvi uma frase que me marcou muito: “você é uma ótima mãe, mas não se cuidou. Se quisesse mesmo emagrecer, tinha emagrecido”. É fácil você julgar quando não se vive a vida do outro.
No texto sobre a saída do canal, você destaca que foi deslocada para funções de bastidores por causa do peso. Da volta da licença-maternidade ao desligamento da TV Vanguarda, essa questão era clara?
Essa questão era claríssima. Nunca foi segredo, os funcionários e pessoas próximas sabiam. Essa conversa sobre “peso” aconteceu pelo menos umas cinco vezes ao longo desses dois últimos anos na emissora, com a minha chefia de jornalismo. Eu engordei mais de 20 quilos na minha gravidez, em 2016. Em novembro do mesmo ano, quando retornei da licença-maternidade, apresentei o jornal dois ou três dias no máximo. Logo depois, fui chamada pela minha chefia de jornalismo pela primeira vez. Foi para me comunicar que eu deixaria a bancada do jornal e ficaria “fora do vídeo” (não poderia aparecer na tela da TV) por causa do meu peso.
A decisão seria da direção da emissora (Sr. Boni), segundo a minha chefia de jornalismo na época. O pedido era para que eu emagrecesse e voltasse ao meu peso antes da gravidez. Era para que retornasse à bancada da emissora mais magra. Isso não era segredo nenhum. Os funcionários sabiam e os telespectadores perceberam que eu “sumi” da bancada do jornal. Eles me perguntavam nas ruas, nas redes sociais da emissora, aos meus colegas de trabalho, à minha família.
Nesse contexto, você chegou a ser vítima de assédio moral?
Claro que não era confortável passar por essa situação dentro da emissora por tanto tempo. Até porque não tive a minha capacidade de trabalho afetada por estar acima do peso. Pelo contrário. Eu estava mais disposta, feliz e motivada com a chegada da minha filha. Mas sempre tentei levar a situação com leveza e brincadeira, para que aquilo não pudesse vir a mexer com a minha auto-estima e minha cabeça. Meus colegas, família e pessoas sabiam o quanto era constrangedor viver aquilo, mas decidi enfrentar, assumir minhas fraquezas, como o fato de não conseguir emagrecer, por exemplo. Tudo tem seu tempo.
Pensou ou pensa em acionar judicialmente a emissora?
Não penso em acionar a emissora nesse momento. Sei que o Ministério Publico do Trabalho (MPT), em Brasília, abriu uma investigação sobre essa situação, mas não sei como está agora. Em junho do ano passado, prestei esclarecimentos à procuradoria do MPT, em São José dos Campos. Mas tudo corria em segredo de justiça.
Você se arrepende de por mais de uma década ter se dedicado de forma integral ao seu trabalho no telejornalismo e, consequentemente, às exigências da TV Vanguarda?
Não me arrependo, mas é claro que se tivesse outra chance, teria feito diferente. Hoje, mais madura e com mais experiência, teria olhado mais para mim, para minha vida, para o que realmente me faz bem. Entrei muito jovem na emissora, recém-formada, sempre vesti a camisa da TV. Brinco que eu era o “Rogério Ceni na época de São Paulo”. Lá, nunca tive vontade de sair. Eles podiam contar comigo sempre. Eu não faltava, era comprometida, tinha um ótimo relacionamento com os meus colegas de trabalho e com os telespectadores. Sempre respeitei os chefes, a hierarquia, as decisões. Realmente, durante os anos de emissora, a minha entrega foi total e todos sabiam disso.
O seu desabafo em meio à saída da TV Vanguarda repercutiu no Brasil inteiro, nas redes sociais e na imprensa profissional. Após tal repercussão, alguém da emissora entrou em contato contigo?
Não, ninguém da emissora me procurou em momento algum. A atitude deles foi de afastamento total, sem qualquer conversa. O post foi apenas para comunicar a minha saída, já que não tinha outro canal para isso. Acredito que a repercussão tem relação com a identificação do público comigo. Ao longo desses anos, eles não se importavam se eu estava acima do peso ou não. Eles gostavam do meu trabalho. E também porque a sociedade não tolera mais essas imposições de padrões, ainda mais para uma mulher que virou mãe perto dos 40 anos.
Uma semana após a sua saída, a TV Vanguarda também dispensou o repórter Marcelo Hespana, seu sócio no meio da comunicação corporativa. Acredita que a demissão dele foi algum tipo de retaliação devido ao seu desabafo?
Eu acredito, mas, para o Marcelo, alegaram uma crise. Realmente acho que eles entraram em crise, mas crise de imagem e de credibilidade, porque ficou ruim. Como você prega uma coisa na “tela da TV pra fora” e internamente age de um jeito retrógrado, machista e preconceituoso? Depois da crise que enfrentaram, aproveitaram pra “arrumar a casa”.
A Globo, empresa da qual a TV Vanguarda é parceira, tem uma plataforma chamada “Tudo Começa pelo Respeito”. Em campanhas, ela defende que não se pode discriminar alguém por religião, raça ou aspectos físicos, por exemplo. No seu caso em específico, de ter sido demitida por causa do peso, esse discurso ficou só na teoria ou alguém da Rede Globo buscou, de algum modo, te dar apoio e repudiar a decisão tomada pela afiliada?
Não, em nenhum momento qualquer pessoa da Rede Globo entrou em contato comigo, seja para me ouvir e muito menos para dar apoio. Acho lindo o que se prega, mas na prática é bem diferente. Essa questão de padrão estético na bancada do telejornal não é apenas na Rede Globo, em outras emissoras também acontece. Alguém conhece alguma apresentadora de telejornal gordinha, acima do peso, em algum telejornal do país? Porque o apresentador pode ser grisalho, gordinho, barrigudinho? Essa imposição de padrão estético para mulher é um pouco machista e injusta ainda. Na verdade, eles que perderam uma oportunidade grande de inovar, fazer diferente, de pregar a diversidade realmente na sua essência, não só no discurso.
Acredita que, de alguma forma, o seu caso pode funcionar como um divisor de águas e fazer com que canais de TV reflitam sobre abrir mão de certos padrões de beleza para formar suas equipes à frente do vídeo?
Pode ter certeza que já fez efeito. Dentro da própria Rede Globo, inclusive. E isso vale para outras empresas e profissões. Você não imagina o que chega para mim de relatos de mulheres que pararam de sofrer assédio por causa do peso. São muitas. Pode ter certeza dessa mudança!
Fora da TV, você tem se dedicado — ao lado do Marcelo Hespana — à Comunicarte. Como tem sido esse primeiro ano de dedicação integral ao empreendedorismo na área de comunicação e treinamentos?
Tem sido maravilhoso! Tenho levado uma vida muito mais produtiva e mais leve. Com menos cobranças, com mais ganho financeiro e de qualidade de vida. É muito bom empreender, depende muito de você, da sua disposição, da sua motivação. É prazeroso demais.
Quais os diferenciais da Comunicarte em relação aos concorrentes da região de São José dos Campos e de outras localidades? Atualmente, a empresa atende quantos clientes?
Trabalhamos com desenvolvimento de pessoas e empresas, por meio da comunicação. Nosso diferencial são nossos treinamentos personalizados e que realmente promovem uma reflexão e uma mudança de atitude dos nossos clientes. Temos feedbacks muito positivos, o que só nos motiva. Hoje, atendemos quatro empresas na capital paulista e mais 12 clientes no Vale do Paraíba e restante do interior de São Paulo e Minas Gerais. Nosso próximo passo é ter um time capacitado para crescermos com consciência e qualidade.
Em quais aspectos o fato de ser liderada por dois experientes comunicadores — Marcelo Hespana e você — ajudam no dia a dia de trabalho da Comunicarte? E para vocês: em que a experiência no telejornalismo agrega no ambiente corporativo?
Só o fato de termos mais de 20 anos de experiência trabalhando com comunicação já nos dá credibilidade para desenvolvermos esses projetos pela Comunicarte. Fazemos um trabalho um pouco diferente do que fazíamos na TV. Trabalhamos com desenvolvimento humano, fomos buscar capacitação para isso, há sete anos. Mas a experiência com as pessoas ao longo dos anos na TV, só vem somar na hora de lidar com os clientes e na desenvoltura dos nossos treinamentos.
Ainda em termos de negócios: quais as perspectivas de crescimento da Comunicarte para 2020?
Tivemos dias intensos de planejamento para 2020. Foi muito produtivo sentar e discutir o futuro próximo da Comunicarte. Nosso objetivo inicial é capacitar um time de profissionais para que a gente possa crescer e conquistar novos clientes. Eu, o Marcelo e nossos parceiros já estamos com a agenda bem cheia de compromissos. Tem surpresas boas por aí, com novos parceiros, novos treinamentos e projetos para a internet. Aos poucos, vamos divulgando nas nossas redes sociais.
Figura reconhecida no Vale do Paraíba, você tem comprovado que o tal padrão imposto pela TV Vanguarda está em descompasso com os meios publicitário e comercial. Tem sido requisitada nesses campos. Como tem sido essa experiência como garota-propaganda?
Nossa, tem sido muuuito legal! Estou amando poder caminhar em paralelo com a publicidade, mas o preconceito com o peso ainda existe e muito nesse meio. Mas o que tenho feito tem sido muito gostoso! É uma nova possibilidade de trabalhar, de melhorar os rendimentos e, acima de tudo, de somar experiência e aprendizado para minha vida.
Desde quando saiu da TV Vanguarda, foram muitas ações publicitárias protagonizadas por você…
São diversas ações que contemplam minhas redes sociais, principalmente, mas também internet e TV. Algumas ações ainda tenho rejeitado, para primeiro conhecer melhor o mercado, a demanda, o meu perfil, o tipo de cliente, os valores. Fiz uma campanha que teve uma repercussão legal há alguns meses para uma rede de farmácias. O foco da campanha foi TV. As pessoas gostaram bastante, o retorno foi muito positivo. A relação com clientes e parceiros é sempre ótima, sempre priorizei o bom trato ao lidar com as pessoas, a educação e o respeito às diferenças.
Você também tem investido em palestras. Normalmente, quais são os temas abordados nesses eventos?
Na maioria das vezes o tema é comunicação: como melhorar as nossas relações no trabalho, em casa com a família, como usar a nossa comunicação para nosso crescimento pessoal e profissional. Mas tenho tido uma demanda também sobre autoconhecimento, autocuidado e valorização de si próprio, justamente por trabalhar com desenvolvimento humano e pela minha história na TV. Algumas universidades também têm me chamado para bater papo com estudantes sobre essas exigências, padrões e os novos caminhos do jornalismo. Tem sido muito enriquecedor viver essas experiências.
Agora, como empreendedora, quais conselhos você dá a colegas de jornalismo — sobretudo às apresentadoras de TV — sobre seguir cegamente determinadas imposições?
O primeiro passo é você se conhecer. Ver o que te faz bem, o que te faz feliz, o que te chateia ou entristece você. A partir do momento que você se conhece, você vai estar mais conectado com o seu proposito de vida, com aquilo que te move, que te faz levantar da cama e ir à luta. Se você lida bem com essas exigências, tudo bem. Só não se esqueça que quando você não estiver dentro das exigências deles, será só mais um número no crachá.
Mas pra quem vive isso e está insatisfeito, sugiro traçar um plano B em paralelo. Isso, porém, demanda tempo. Tempo para você se estudar, se conhecer. Tempo para se capacitar para esse novo projeto. E tempo para agir em direção a ele. Mas é fato que se você agir nesse sentido vai atrair o que realmente quer. Só digo uma coisa: o mundo fora da TV é lindo e cheio de possibilidades, basta se esforçar para enxergar além.
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