Rede social tem projeto que visa incentivar a produção de jornalismo local país afora. Para isso, Facebook busca se aliar a veículos de comunicação do Brasil
Por Carolina de Assis. Texto publicado originalmente no site do Knight Center for Journalism in the Americas
Um programa do Projeto Facebook para Jornalismo chegou em 29 de julho ao Brasil. Seu objetivo? Fortalecer o jornalismo local nas cinco regiões do país. O Acelerador de Notícias Locais selecionou dez veículos brasileiros para participar do programa de 12 semanas de treinamento e mentoria com especialistas, informou o comunicado do Facebook divulgado no dia 24 de julho. O programa também prevê apoio financeiro para que cada meio desenvolva um projeto com foco em jornalismo local. Antes, já havia passado por Estados Unidos, Alemanha, Canadá e Austrália
Segundo o comunicado, os veículos selecionados foram Correio (Bahia), Correio do Estado (Mato Grosso do Sul), A Crítica (Amazonas), Estado de Minas (Minas Gerais), A Gazeta (Espírito Santo), Gazeta do Povo (Paraná), Jornal do Commercio (Pernambuco), NSC Total (Santa Catarina), O Popular (Goiás) e O Povo (Ceará). Todos os dez estão fora do eixo Rio-São Paulo, que costuma dominar a narrativa jornalística nacional.
“Para este primeiro Acelerador, nosso objetivo foi encontrar redações com modelos de negócios similares, iniciativas digitais e que atingissem uma área maior”, explicou Sabrina Cimenti. Gerente de parcerias estratégicas do Facebook no Brasil, a executiva conversou com o Knight Center for Journalism in the Americas. Segundo ela, o Acelerador de Notícias Locais é parte de um programa global do Facebook que promete investir US$ 300 milhões em diversas iniciativas de fomento ao jornalismo local.
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O investimento da empresa foi anunciado em janeiro de 2019. A decisão foi seguida a contínuas críticas ao Facebook por seu papel na disseminação de desinformação, pela mudança em seu algoritmo, que diminuiu o alcance de conteúdo jornalístico na rede social, e por seu modelo de publicidade digital. A estratégia publicitária abocanhou parcela significativa de uma tradicional fonte de receita de meios de comunicação.
“As pessoas sempre nos dizem que querem ver mais notícias locais no Facebook. Sabemos que as notícias locais são o ponto de partida para um jornalismo de qualidade. Elas aproximam as comunidades em torno de questões que estão mais próximas delas. As notícias locais também nos ajudam a entender as questões relevantes para nossas comunidades e que afetam nossas vidas”, afirmou Sabrina Cimenti.
“As pessoas sempre nos dizem que querem ver mais notícias locais no Facebook”
O programa é desenvolvido em parceria entre a gigante das redes sociais e o Centro Internacional para Jornalistas (ICFJ, na sigla em inglês). “Leitores em todo o mundo contam com notícias locais para se manter informados sobre questões decisivas que afetam seu dia a dia. É algo absolutamente essencial”, disse Johanna Carrillo, vice-presidente de programas do ICFJ. “Uma parte crucial da missão do ICFJ é ajudar meios locais em todo o mundo a inovar, aprender e prosperar”. Entre os temas que serão abordados no Acelerador de Notícias Locais estão “estratégias de modelo de pagamento, aquisição de assinaturas digitais e melhores práticas para engajar audiências”, explicou Johanna Carrillo.
Jornalismo local contra os “desertos de notícias”
O Facebook foi um dos apoiadores do Atlas da Notícia. Em 2017 e 2018, o projeto mapeou a presença de meios jornalísticos locais em todo o Brasil. A conclusão foi que um em cada cinco brasileiros vive em municípios que não possuem jornais e sites de notícias locais ou emissoras de TV e rádio. Um dos objetivos do Acelerador de Notícias Locais é “chegar nos chamados desertos de notícias, regiões onde há escassez de imprensa local”.
Segundo o Atlas da Notícia, 70% dos municípios da região Norte podem ser considerados desertos de notícias, pois nenhum veículo foi mapeado nestas localidades. É a maior proporção de municípios sem meios locais no país. Sediado em Manaus, capital do Amazonas, o jornal diário A Crítica é o único participante do Norte no Acelerador de Notícias Locais.
Dante Graça, editor-executivo do jornal, disse que a cobertura sobre temas regionais é responsável por mais de 80% dos acessos ao portal online A Crítica. Sendo que 40% do total de acessos partem do próprio estado amazonense. “[A cobertura local] é o nosso carro-chefe, no qual pretendemos intensificar todos os nossos esforços”, afirmou.
Desafio amazônico
Segundo Dante Graça o jornalismo local de A Crítica engloba “todas as notícias que abrangem o nosso estado, bem como notícias de âmbito nacional que possuem impacto direto na nossa região, especialmente medidas econômicas e políticas”. No estado com a maior extensão territorial e a segunda menor densidade demográfica do país, cujo nome remete à imponente floresta que o conforma, a cobertura local impõe muitos desafios, comentou.
“Em se tratando de Amazonas, a principal dificuldade é a questão logística/estrutural de nosso estado como um todo. Muitos municípios são muito distantes. São de difícil acesso, deslocamentos caríssimos e com uma estrutura precária de internet. Muitas vezes, o Amazonas acaba ficando distante inclusive de Manaus. Estamos buscando alternativas para suprir esse nosso grande e literal deserto de notícias”, pontuou.
Fundado em 1949, o jornal A Crítica se encontra em meio a uma transição. Isso consiste em “centrar a maior parte dos esforços da equipe no digital”, explicou Dante Graça. “Somos de um jornal que tem 70 anos de história. Esse processo é complicado. Ter a oportunidade de fazer essa atualização — não apenas com os professores do curso, mas também com os colegas do Brasil –, veio em ótima hora”.
Cooperação nacional e internacional
Entre os colegas está uma equipe do jornal A Gazeta. A publicação tem cobertura focada no Espírito Santo e sede em Vitória, capital do estado da região Sudeste. “Somos um jornal regional de cobertura tradicionalmente local”, disse Aglisson Lopes, editor do portal Gazeta Online. “Nossa missão é ouvir as comunidades, lançar olhares sobre o interior, levantar as demandas, as discussões das cidades, dos bairros. Não temos pretensão de nos tornarmos ‘nacionais’. Mas sabemos que, nesses tempos de boom das redes sociais, precisamos aperfeiçoar nossa forma de ouvir a sociedade. [Além de] comunicar nossas histórias, ampliar os debates”.
Bruna Borjaille, gerente de produto do Gazeta Online, também destacou a possibilidade de cooperação com outros meios participantes do Acelerador de Notícias Locais. “Esta parceria com o Facebook vai permitir conhecer práticas que empresas de conteúdo jornalístico no mundo estão desenvolvendo e aplicando em suas estratégias para distribuição e produção de conteúdo”, comentou. “Além da oportunidade de interagir e trocar experiências para conhecer o modelo de negócio de mídia com outras empresas do Brasil que também estão no programa”.
Troca de experiências de conteúdos
Sabrina Cimenti, do Facebook, disse que essa troca pode ser internacional. Uma vez que a experiência dos Aceleradores de Notícias Locais em outros países apontou que publishers em todo o mundo enfrentam o mesmo desafio. “Eles precisam criar um relacionamento direto mais forte com suas audiências”, afirmou a executiva da rede social.
“Temos percebido que os veículos de qualquer país estão incrivelmente curiosos sobre o sucesso dos veículos de outros mercados. Uma das coisas que estamos planejando é conectar os veículos que participaram das edições anteriores do Acelerador com os que estão em treinamento no Brasil”, adiantou a gerente do Facebook.
“Eles [veículos] precisam criar um relacionamento direto mais forte com suas audiências”
Além disso, segundo Sabina Cimenti tem outras estratégias em vista. Ela quer, por exemplo, levar o Acelerador de Notícias Locais a mais países. O mesmo vale para outros modelos de Aceleradores promovidos pelo Facebook, como o de assinaturas e o de vídeo Digital. Este último também é desenvolvido em parceria com o ICFJ e já passou por Argentina e Chile e está em desenvolvimento no Brasil. Ele também deve ser realizado ainda em 2019 no México, no Reino Unido e em Singapura.