Portal Comunique-se publica mais um artigo do revisor de textos Edson de Oliveira. Em pauta, o trabalho de transformar algo gravado em texto
Se as pessoas cujas falas são gravadas – como participantes de palestras, entrevistas, julgamentos e ligações telefônicas – soubessem como transcrever áudio é difícil, falariam devagar, claro e mais alto, principalmente quando estão longe do microfone.
Leia mais:
- Google lança curso para jornalistas
- O melancólico fim da Rádio Globo SP
- PayPal lança sala de imprensa virtual
Primeiro, porque, diferentemente do que parece, transcrever áudio não é como digitar texto, trabalho este cuja execução só precisa de que o interessado saiba ler, ao passo que aquele exige que o peão (peão mesmo, porque é como é visto quem presta serviços para intermediários, trabalhando para burro e, dependendo do atravessador para o qual a pessoa vende seu peixe, ganhando um terço do que ganharia se negociasse seu serviço diretamente com o cliente), domine a gramática da língua da fala que ele está transcrevendo, obedeça ao manual de redação, estilo e padronização do cliente e, o mais importante, consiga ouvir o que está sendo falado, mas ouvir bem, uma vez que, como disse Oswald de Andrade, a gente escreve o que ouve, nunca o que houve, isto é, o risco de o transcritor escrever uma coisa quando, na verdade, foi falada outra é muito grande, como escrever “antologia” em vez de “ontologia”, “mel em potes” em vez de “melting pots” e “trocando de biquíni sem parar” em vez de “tocando B.B. King sem parar”.
“Diferentemente do que parece, transcrever áudio não é como digitar texto, trabalho este cuja execução só precisa de que o interessado saiba ler”. Edson de Oliveira
Mas só no dia em que saiu de sua confortável cadeira de chefe e ocupou a desconfortável de transcritor é que um dos clientes para os quais mais presto serviços conseguiu sentir – nas mãos, nos olhos, na coluna e no bolso – que transcrever áudio não é mamão com açúcar, principalmente quando o áudio está cheio de falas baixas, ininteligíveis e nomes, especialmente de pessoas, com os quais o transcritor não está familiarizado, problemas estes que já me fizeram entregar atrasadas ou incompletas tantas transcrições que corrigi que acabei me tornando transcritor de áudio.
Se, em 1993, quando eu era editor de um fanzine, eu não tivesse transcrito uma entrevista que fiz com uma jornalista da Folha de S. Paulo, eu diria que a primeira transcrição que fiz na vida foram os ditados que fiz em meus primeiros anos de escola.