Uma ida ao supermercado ou à farmácia e um bate-papo pontual com vizinhos, parentes ou amigos, ao vivo ou pelas redes sociais digitais, são as únicas fontes de informação para muitos brasileiros sobre o desenrolar da situação da Covid-19 em suas cidades. Isso porque oito em cada dez dos 5.570 municípios do país são considerados como desertos ou quase desertos de notícia, localidades que não têm veículos jornalísticos ou contam com até dois deles, segundo mostra o Atlas da Notícia, publicação anual do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor) e do Volt Data Lab.
Nos quase desertos de notícia, há problemas na cobertura da Covid-19, que se limita a divulgar diariamente os boletins epidemiológicos municipais apenas reproduzindo seus dados, sem uma explicação acerca do que eles realmente significam e sem questionar as prefeituras sobre o que têm feito para o controle da doença. Um dos possíveis motivos para a superficialidade da cobertura é a precarização da profissão jornalística de maneira geral, que está sendo intensificada no decorrer da pandemia e, claramente, afeta a qualidade do trabalho realizado.
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Apesar das dificuldades que enfrenta, o jornalismo local no Brasil tem significativa taxa de credibilidade, como mostra o recém-lançado “Digital News Report 2020”, publicação do Reuters Institute, da Universidade de Oxford. 68% dos brasileiros afirmam acreditar neste tipo de jornalismo, que apenas perde em grau de confiança para a Rede Bandeirantes (76%), Jornal do SBT (75%) e Record (74%), mas supera, por exemplo, O Estado de S.Paulo (66%) e UOL (66%).
Mesmo tendo a confiança do público, muitos jornais de diversos tamanhos e municípios fecharam ou correm o risco de fechar por falta de financiamento, especialmente no decorrer da crise econômica agravada pela Covid-19. No geral, uma das grandes fontes financeiras do jornalismo, a publicidade, desapareceu, apesar do aumento da busca por informações.
Uma alternativa para o financiamento jornalístico neste período, segundo o guia desenvolvido pelo Media Development Investment Fund (MDIF), é pedir apoio ao público e solicitar doações voluntárias, mesmo sabendo que existem outras causas dignas. Também é importante explicar aos membros ou assinantes os cortes de custos que estão sendo feitos para que haja o suporte contínuo deles.
Outra solução possível é o fundo de endowment, formado por recursos oriundos de doações de pessoas jurídicas ou físicas, como explica o professor Carlos Eduardo Lins da Silva, da Universidade de São Paulo (USP). Esse fundo sustenta as operações do jornal com base nas aplicações de seus rendimentos.
O professor sugere também que os governos ajudem o jornalismo a sobreviver financeiramente. No entanto, deve ser avaliado o tipo de proposta a ser feita, “porque sempre há a tendência de os governos tentarem se aproveitar da situação, de serem provedores de vantagens, de financiamento, dinheiro ou qualquer coisa parecida para, depois, tentarem influenciar o conteúdo do jornalismo”, elucida Lins da Silva à Rádio USP.
Como manter financeiramente o jornalismo, especialmente o local, é um ponto fundamental que deve continuar a ser pensado por teóricos e profissionais da comunicação. Quem sabe, com recursos financeiros decentes e permanentes, exista uma melhor cobertura jornalística de doenças como a Covid-19, proporcionada por condições de trabalho que não sejam precárias, e ampliem-se os veículos de comunicação por todo o território brasileiro?
Ana Beatriz Tuma é membro e voluntária da RedeComCiência. Doutoranda em Ciências da Comunicação pela USP, mestra em Divulgação Científica e Cultural pela Unicamp e jornalista pela UFU.
Texto originalmente publicado em Observatório da Imprensa
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