Domingo fui dormir preocupado. A chuva não dava trégua. Nas primeiras horas da segunda-feira já tinha certeza que o dia seria de muito trabalho para nós jornalistas. Fui confrontado a um dilema. A Rede TV estava ilhada, os profissionais não conseguiam chegar à sede da emissora, em Osasco (SP), para apresentar o primeiro jornal ao vivo, o ‘Papo de Bola’. O temporal paralisou a maior metrópole do Brasil e cidades vizinhas. Os rios Tietê e Pinheiros transbordaram, afetaram o transporte, autoridades pediram para que a população só saísse de casa em caso de emergência. O longo dia começava. Na redação havia raríssimos profissionais do jornalismo e operações, dentre eles o comentarista esportivo e editor-chefe do portal, André Lucena, que havia dormido na emissora por não ter conseguido voltar para a casa na noite anterior.
O desafio era colocar a emissora no ar sem o mínimo de pessoal. De casa, me prontifiquei a entrar ao vivo com ele e com o Boris Casoy por telefone. Rogério Simões, superintendente de operações estava na tevê com pouquíssima gente, mas o necessário para subir videos que chegavam pelas redes sociais. Eis que escalei o André para a bancada e, com a autorização dos acionistas, derrubamos a programação da manhã e início de tarde. Não deixamos a peteca cair no plantão.
A informação ganhava corpo e conseguimos com a improvisação de colaboradores grampear na linha o prefeito de Osasco, Rogério Lins, e o capitão Palumbo, do Corpo de Bombeiros. No peito e na raça, fomos informando a população. Foram quase três horas no ar da primeira parte da jornada épica. Na sequência, coloquei uma muda de roupa no carro, algumas barras de chocolate e dirigi para o inesperado, rumo à Rede TV. A missão era clara, mas desafiadora: conseguir chegar e fazer o impossível para entrarmos no plantão no ‘A Tarde é Sua’, no ‘Alerta Nacional’ e colocar no ar os telejornais ‘Rede TV News’ e ‘Leitura Dinâmica’.
No caminho liguei para o Elias Abrão, proprietário da produtora Câmera 5 e perguntei, caso desse tudo errado, se poderíamos fazer os telejornais da produtora dele, uma vez que daria para chegar de carro à produtora, mas não à emissora, que estava com a entrada e os arredores alagados. Ele prontamente aceitou colaborar. Tinha um plano B.
Eu estava no congestionamento já maquiado para apresentar o ‘News’, caso o Boris Casoy não chegasse. Na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, as ruas viraram rios. Foi aí que vi um morador fazendo um stand-up em cima de uma porta e usando a vassoura de remo.
Apesar de hoje ser um executivo de televisão, nunca saiu do meu sangue o “vírus” de repórter e correspondente de guerra. De imediato parei o carro no meio da chuva, saquei o meu celular do bolso, me identifiquei como repórter da Rede TV e o entrevistei. Aquele cidadão havia perdido a barraca que era tudo o que tinha na vida. Nessa altura, o sapato que era para apresentar o jornal estava encharcado de água de esgoto. Claro que nada comparado aos dramas humanos que foram relatados por outras pessoas entrevistadas no meu percurso.
Segui viagem. O trecho próximo à Ponte dos Remédios, na Marginal Tietê, estava completamente vazio. Parecia madrugada. Sem carros. O ânimo durou pouco. Ao avistar o alagamento em frente à emissora com um carro submerso, fui obrigado a cometer uma conversão ilegal na Rodovia Castelo Branco para, finalmente, chegar à Rede TV. Registrei tudo no meu celular.
Era um clima de domingo de feriado prolongado. Não tinha quase ninguém. Mas, aos poucos, um ou outro guerreiro chegava para ajudar.
Já fiz todas as funções em uma redação: editor de imagens e texto, cinegrafista, videorrepórter, repórter etc. Não deu outra. Fui para a ilha de edição com outro profissional que entendia um pouco de edição e montamos o VT que eu trouxe da rua. Ao mesmo tempo que garantia esse VT, tentava com os poucos companheiros que estavam na emissora montar o jornal e subir o helicóptero para o repórter Edie Polo entrar no ‘Alerta Nacional’. Menos de uma hora antes do telejornal começar, chegou um editor de imagens.
Foi dia para os jornalistas colocarem a mão na massa técnica. Um sabia converter arquivos, outro enviar para o switcher e editar. Cada um ajudava como podia. Um alívio tomou conta quando um cinegrafista chegou à redação. Revezamos o microfone em frente à sede entre dois repórteres. Era o batismo da repórter Carol Riguengo, que estreava naquela segunda caótica no quadro de repórteres da emissora. Para alívio, o Boris Casoy e a Mariana Godoy também conseguiram chegar.
Cada um de nós tinha uma história da epopeia no caminho. Boris não tinha um terno que servia. Tentei emprestar o meu, mas não coube. Sem figurinistas presentes, a copeira, que milagrosamente estava na emissora, localizou a chave do camarim e salvou o “look” do experiente Casoy, que já tinha minha permissão para apresentar o ‘News’ com a camisa de manga curta que vestia.
No switcher, a tensão era crescente sobre a incerteza da chegada dos VTs e da qualidade. Na dúvida, o plano era seguir com videos de internet e notas peladas, mas não desistimos. Pessoas quebravam o galho em funções que não tinham domínio, mas ninguém estava de braços curtos. Todos no sacrifício remando juntos em busca do mesmo objetivo.
Um pouco antes do jornal ir ao ar, pedi ao Sérgio Galvão, editor-chefe do ‘News’, para a Mariana Godoy durante a escalada, no improviso, avisar aos telespectadores que o jornal poderia ter falhas, como ausência de GC, mas que estávamos fazendo de tudo para colocar um jornal com qualidade no ar. Acho que aquilo humanizou mais e nos aproximou dos dramas que todos os cidadãos estavam passando. Afinal, não estava fácil para ninguém ir ao trabalho ou voltar para casa. Conosco não era diferente e, para piorar, o nosso local de trabalho estava inacessível.
E não é que até o helicóptero conseguimos. O nosso público pouco notou a diferença. Ao contrário, foi um jornal quente, com informação que chegavam a todo momento. Nossos corações bateram acelerados pelo amor à profissão, apesar da tristeza de mostrarmos famílias que haviam perdido tudo, pessoas mortas e desaparecidas.
Já tive carro metralhado na Líbia, vi pessoas mortas em coberturas de guerra e desastres ambientais. Mas posso garantir que a adrenalina era parecida. Pior nas guerras, bem verdade, mas o espírito de união foi contagiante.
Uma emoção tomou conta de mim quando o ‘Rede TV News’ terminou. Pena que não conseguimos subir os créditos para imortalizar aquela edição. Porém, eles estão em nossas memórias como medalhas para cada um que contribuiu. Agradeci com orgulho aos poucos presentes no final do jornal pela façanha alcançada. Certifiquei-me com a Cristiane Toledo, editora-chefe do ‘Leitura Dinâmica’, se ela tinha condições de colocar no ar o último jornal da noite/madrugada. Ela garantiu que sim e, assim, terminava aquele longo dia.
Sobre o meu VT, ele foi ao ar (vídeo acima; a partir dos 29 minutos), mas, para minha surpresa, o último trecho havia sido apagado, pois não acharam correto que o superintendente de jornalismo, esporte e digital da Rede TV mostrasse no ar uma infração de trânsito para chegar à emissora. Oras, pedi para incluir novamente no ‘Leitura Dinâmica’. Afinal, sem a ousadia de cada um que conseguiu chegar, enfrentando adversidades pelo caminho, teríamos tido um dia de programas reprisados e não de vitórias que marcaram mais um capítulo em nossas vidas profissionais, no dia em que mais choveu em 25 anos em São Paulo.
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Por Franz Vacek. Superintendente de jornalismo, esporte e digital da Rede TV.
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