Organizações de notícias no Brasil raramente estimulam o engajamento do seu leitor por meio do WhatsApp, além de usarem pouco conteúdo multimídia, como imagens, vídeos ou áudios. Também estão perdendo uma oportunidade de gerar receita no aplicativo, o que poderia ser feito com anúncios, pedidos de apoio ou assinatura.
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O diagnóstico é do pesquisador brasileiro Giuliander Carpes, doutorando em ciências da comunicação e informação na Universidade Toulouse III, que acaba de publicar um estudo sobre o assunto, com os resultados preliminares da sua pesquisa de doutorado. O levantamento foi feito em parceria com o pesquisador espanhol Enric Moreu, da Universidade Dublin City. Os dois fazem parte do JOLT, um projeto financiado pela Comissão Europeia que estuda como o jornalismo pode fazer o melhor uso possível das tecnologias digitais e de dados.
Para a sua tese, Carpes investiga o uso, por parte das redações, de aplicativos de mensagens, e realizou entrevistas qualitativas com 40 editores do Brasil, Chile, Guatemala, México, Espanha e França, sendo que a maioria dos entrevistados, 28, são latino-americanos. A pesquisa também aborda o tipo de relação – de dependência ou de autonomia– que os meios de comunicação têm com as plataformas de mensagem.
Os resultados preliminares, que focam no cenário brasileiro, vão ser publicados em artigo, mas Carpes queria apresentar os dados em um formato “mais quente” e amigável, com gráficos interativos, para jornalistas.
“O site funciona como uma espécie de guia de melhores práticas, um benchmarking inicial, tanto para quem já tem um canal no WhatsApp e está interessado em saber o que está sendo feito por outros meios, quanto para quem tem interesse em criar um novo canal”, disse.
A LatAm Journalism Review (LJR) entrevistou Carpes sobre a sua pesquisa. Leia a seguir a entrevista, que foi editada por motivos de clareza e tamanho.
- LJR: A sua pesquisa foca no uso de aplicativos de mensagens no Brasil e na América Latina pelas redações. Por que é interessante estudar esse tema nesses países? Eles usam mais esses aplicativos do que outros?
Giuliander Carpes: Sim, segundo o último Digital News Report, do Reuters Institute, as regiões que mais utilizam aplicativos de mensagem são América Latina, África e Ásia. Para a minha pesquisa, estou fazendo um paralelo [entre América Latina] com Espanha e França. É interessante ver como os editores se comportam na adoção ou não dessas ferramentas levando em conta realidades locais diferentes. Os europeus têm muito mais facilidade de desistir do WhatsApp se ele não está dando o retorno que esperavam do que os brasileiros.
- LJR: Quais diferenças você tem observado entre os aplicativos e sobre como eles são usados pelas redações?
GC: WhatsApp é o mais difundido e, até por isso, oferece muitas limitações ao compartilhamento massivo de mensagens como uma forma de tentar frear a desinformação. Os veículos se interessam por causa da sua popularidade, mas logo se frustram com essas limitações. Alguns permanecem, outros largam e vão para o Telegram, que é muito amigável para as organizações de notícias (não só por causa dos canais com número de usuários ilimitado, mas também porque possibilitam criar chatbots e agendar mensagens). Assim, tem crescido bastante o interesse e uso do Telegram para distribuir notícias, já que ele é mais híbrido, digamos assim, tendo um caráter mais privado de mensageiro, ao mesmo tempo que tem funções de rede social aberta, como os canais. Mas não tem ainda uma popularidade comparável [ao WhatsApp]. Messenger fica num meio termo que não atrai muito.
- LJR: Quais são as principais conclusões dos resultados preliminares?
GC: Que, de maneira geral, os meios de comunicação ainda tentam utilizar o WhatsApp de uma forma muito limitada, com o objetivo principal e, na maioria dos casos, único, de distribuir notícias da forma mais massificada possível, para atingir o maior número de leitores que conseguirem. Porém, o WhatsApp cada vez mais limita esse tipo de uso: cada lista de transmissão e cada grupo hoje em dia pode ter, no máximo, 256 usuários. Ou seja, a ferramenta tem e fomenta, pelo menos na versão gratuita, uma essência de comunicação interpessoal, de “um para um”, mas também de discussão em um grupo pequeno. E, em geral, os meios de comunicação não levam isso em consideração ou isso não os interessa.
É até compreensível porque falta braço na imprensa para interagir de forma “um a um” com os leitores, mas tem um ou outro veículo que foca nisso e o retorno é interessante. A participação dos usuários nesses canais, a interação, é mais positiva, mais genuína, porque, por ser privada (entre leitor e editor, por exemplo), não há necessidade de se fazer um comentário bombástico, polêmico, para chamar atenção (o que, em redes mais públicas, como Facebook e Twitter, e nas próprias caixas de comentários dos sites, fomenta um comportamento troll, bem negativo).
- LJR: Teve algo que te surpreendeu nos resultados?
GC: Achei muito positivo que alguns casos – ainda muito poucos, é verdade– tentam incentivar uma certa interação, um engajamento com o leitor. A quantidade de mensagens que têm alguma tentativa nesse sentido dentro da amostra total ainda é bem pequena, de 13%, mas alguns meios, como o Aos Fatos e o Correio Sabiá, fazem isso consistentemente.
E tem alguns casos, como a Tribuna do Paraná, que estão muito bem organizados para lidar com essa interação. Além de segmentarem os grupos deles em regiões de Curitiba, do resto do estado, e em times de futebol, o que é muito interessante, eles têm uma pessoa específica da equipe responsável por gerenciar os grupos e responder as mensagens dos leitores que chegam diariamente.
Também me surpreendeu positivamente o uso muito difundido de emojis, mostrando que os meios estão afim de usar mais a linguagem dos aplicativos de mensagens, só não conseguem mais por limitações do próprio WhatsApp. Por outro lado, ainda há uma dificuldade muito grande de usar o tipo de comunicação mais descontraída que é comum nesses aplicativos e está na essência da disseminação de desinformação na plataforma.
Acho muito difícil lutar contra a desinformação quando o conteúdo desinformativo, digamos assim, é muito mais interessante, divertido e compartilhável que a informação de credibilidade. É preciso achar uma forma de aliar tudo isso em prol da informação de qualidade, sem se preocupar em manter uma pretensa sobriedade. A inovação das notícias no WhatsApp é muito limitada.
- LJR: E qual a importância de enviar esse tipo de conteúdo jornalístico pelo WhatsApp, uma rede que, principalmente no Brasil, tem sido muito usada para disseminar fake news?
GC: Acho bem importante, porém reitero que esse conteúdo de mais qualidade normalmente vem num formato e linguagem mais sóbrios, por vezes até sisudos, o que, infelizmente, não tem o mesmo impacto de um meme de desinformação. Ninguém sabe como brigar de igual para igual com isso ainda. E, em parte, acho que é porque nem se tenta brigar, sabe? É preciso inovar mais, criar ou copiar formatos que usem a linguagem que já faz sucesso no dia a dia dos aplicativos de mensagem.
Engraçado é que nos stories do Instagram ou no TikTok, por exemplo, vejo vários meios que tentam inovar, criam filtros, até programas específicos com uma linguagem jovem. Por que no WhatsApp os formatos têm que ser basicamente newsletters ou links, se esses não são necessariamente os formatos mais populares na ferramenta?
- LJR: Na sua pesquisa, você relata que poucos veículos fazem uso de conteúdo multimídia, como imagens, gifs ou áudios no WhatsApp. Essa é uma estratégia acertada?
GC: É difícil falar de certo ou errado nesse assunto porque cada veículo tem uma ideia para o seu próprio canal do WhatsApp. Muitas vezes, essa opção de não utilizar conteúdo multimídia é motivada também por uma limitação da própria ferramenta. Muitos editores me relataram que quanto mais complexa ou pesada for a mensagem (se tiver vídeos, fotos, gifs), mais chances de ocorrer uma falha no processo e ela chegar para menos gente. Então, é compreensível que muitos veículos queiram manter o processo o mais simples possível, apenas com link e/ou texto. Mas, realmente, não são os casos mais interessantes.
A gente sabe que mensagens em áudio, em geral, não têm tantos problemas no WhatsApp. Esse é também um formato super comum e popular entre os usuários na plataforma e há meios que estão apostando nisso e colhendo frutos. Um clássico é o The Telegraph, na Inglaterra, focado em quem está se deslocando para o trabalho, e no Brasil tem o Panorama, uma newsletter diária com foco nacional, e o Matinal, uma newsletter local para Porto Alegre. No caso do Telegraph, eles dizem que um leitor do WhatsApp é 12 vezes mais propenso a assinar o jornal que um leitor que acompanha o veículo só nas outras redes.
- LJR: Como você falou, as redações brasileiras usam pouco o WhatsApp para mudar a relação com o seu público. A sua pesquisa aponta que apenas 12,8% do total de mensagens tinha qualquer tipo de pedido de engajamento. Essa é uma estratégia adequada para usar a ferramenta, que é marcada por uma comunicação interpessoal?
GC: Acho que, em geral, dá para melhorar bastante. O problema é que muitos veículos não têm braço suficiente para interagir com os leitores pelo WhatsApp. E suspeito que a maioria não vê como criar valor nessa relação mais próxima com o leitor. Então se contentam em fazer o que dá. Pesquisas indicam que mesmo a adaptação ao Twitter, por exemplo, que é uma rede muito mais antiga e consolidada para notícias, não criou uma nova cultura para a ferramenta, apenas adaptou o modus operandi já existente.
- LJR: Você mencionou a falta de equipe para fazer essa interação com os leitores. Vale a pena contratar pessoas para isso?
GC: Depende muito do tamanho do seu veículo e do retorno que você espera ter. Eu pesquisei canais muito distintos: tinha veículo local pequeno (para o qual o WhatsApp, via de regra, serve para gerar cliques), local maior (que já consegue pensar em criar uma relação de mais proximidade com o leitor), veículo nacional grande (para o qual o WhatsApp é uma fonte de audiência bem pequena, que dá muito trabalho, então não recebe muito investimento), meios pequenos como agências de fact-checking (que apostam em várias fontes de audiência e precisam fazer o seu conteúdo ser compartilhado o máximo possível) e veículos praticamente nativos do WhatsApp, como Correio Sabiá e Panorama.
Então, quanto mais importante for o WhatsApp para um veículo, mais vale a pena investir, mas sempre com a ressalva de que ficar muito dependente de uma ferramenta só, principalmente uma que não é muito afeita ao jornalismo, não é uma boa estratégia. Vejo veículos locais, agências de fact-checking e esses nativos do WhatsApp como aqueles que mais podem se beneficiar de investir nesse tipo de engajamento. Mas tem que ver caso a caso, como tudo hoje em dia nesse ambiente plataformizado, não existe fórmula pronta.
Acho que os veículos com canais mais sustentáveis, digamos assim, são aqueles que agregam valor ao usuário com um serviço ou produto importante para ele – seja uma newsletter 3x ao dia, pela manhã ou ao fim do dia, seja um áudio, seja um apanhado de notícias só sobre a região da cidade do leitor ou sobre o seu time de futebol.
- LJR: E quais são os benefícios de investir nesses aplicativos?
GC: O principal benefício que muitos editores têm relatado é o contato direto com o leitor, a mensagem enviada que chega direto na caixa dele e tem uma taxa de leitura maior que um email, porque ele tá ali abrindo o aplicativo de mensagens o dia todo – sem falar que essa mensagem não é escolhida por um algoritmo. Os retornos são diversos, dependem muito de cada veículo. Aumento de audiência acho que só ocorre para veículos ainda pequenos, que costumam ter um teto baixo. Os maiores canais hoje em dia no WhatsApp têm cerca de 20 mil pessoas e no Telegram, quase 200 mil. Ainda é pouco perto dos milhões do Facebook e Twitter (embora só uma parte bem pequena desses milhões realmente veja cada publicação nessas redes).
- LJR: A sua pesquisa mostra que apenas alguns veículos aproveitam o WhatsApp para aumentar suas fontes de receita, seja pedindo apoio dos leitores, fazendo propaganda anúncios ou pedindo que os leitores façam uma assinatura (apenas O Estado de S. Paulo, Aos Fatos, Panorama, Correio Sabiá, UOL Economia+ fazem isso com regularidade). Essa é, na sua opinião, uma oportunidade perdida?
GC: Sim, acho que é uma oportunidade perdida, porque não custa nada pedir apoio para o seu programa de membros, oferecer algum pacote de assinatura ou mesmo compartilhar anúncios publicitários ali. Por que não fazer? Quem tem feito tem tido retorno positivo, sim. Claro que as receitas ali não bancam o veículo inteiro, mas acrescentam. Em termos de assinatura, ninguém faz no Brasil o que o The Telegraph faz (antigamente, eles colocavam uma lista de links, deixavam alguns abertos e outros fechados, hoje fecham todos e incentivam os usuários do WhatsApp a assinar o jornal com uma experimentação gratuita de um mês), mas o Estadão e o UOL Economia+ fazem alguma coisa.
Alguns jornais como o Correio e a Gazeta do ES têm grupos apenas para assinantes. Em programa de membros destaco Aos Fatos, Agência Pública e Correio Sabiá. Um jornal local de Santa Catarina, O Município, veicula anúncios publicitários de comerciantes pequenos e médios na ferramenta, o que é bem válido. Estadão e GZH têm patrocinadores para suas newsletters na plataforma.
- LJR: Falamos dos benefícios e oportunidades, mas quais os riscos desses aplicativos?
GC: O principal é a imprevisibilidade. O que hoje funciona bem para um meio de comunicação num aplicativo de mensagens pode não funcionar mais amanhã. O WhatsApp hoje tem um modelo de negócios um pouco mais claro, mas o do Telegram ainda está bem aberto. Uma hora eles vão ter que abordar a questão da desinformação também. O WhatsApp proibiu a automação e envio massivo de mensagens, o que prejudicou o funcionamento dos canais de vários veículos (principalmente estrangeiros) e limita o potencial de crescimento deles. O Telegram dará um tratamento diferenciado aos veículos de notícias? Não sabemos.