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“A imprensa falhou”, diz autor de documentário sobre a facada de Bolsonaro

Desde o último fim de semana, o episódio envolvendo a facada sofrida pelo então candidato à presidência da República Jair Bolsonaro em setembro de 2018 na cidade mineira de Juiz de Fora voltou à tona na imprensa. Isso graças ao trabalho do jornalista Joaquim de Carvalho, que liderou a equipe do Brasil 247 que produziu um documentário a respeito do assunto. No ar desde o dia 11 de setembro, a produção intitulada “Uma fakeada no coração do Brasil” contabiliza mais de 800 mil visualizações no YouTube

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Diante da audiência, o experiente jornalista, que é finalista do Prêmio Comunique-se 2021 e tem no currículo passagens pelas redações de veículos como Rede Globo, Veja e DCM, comemora a demanda para o consumo de grandes reportagens na internet — afinal, o material tem quase uma hora e 45 minutos de duração. A repercussão não ficou restrita ao público em geral, movimentando também os bastidores do poder. A partir da veiculação do documentário, o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) avisou: vai solicitar a instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para analisar o caso da “suposta facada”, como Joaquim de Carvalho refere-se ao ocorrido há três anos.

Em vez de me atacarem, por que não apuram o caso?

Joaquim de Carvalho sobre críticas que recebeu de outros jornalistas

A repercussão do documentário, contudo, não foi apenas positiva. Jornalistas como San Pancher (Metrópoles) e Rafael Moro Martins (The Intercept Brasil) criticaram o conteúdo produzido pelo profissional do Brasil 247. Situação lamentada por Joaquim de Carvalho. “Um retrato da pobreza de setores da nossa imprensa. Em vez de me atacarem, por que não apuram o caso? Acho que é resultado de uma certa inépcia misturada à preguiça. A imprensa ficou muito adjetiva, pouco substantiva. Precisamos fazer renascer a reportagem”, diz em entrevista ao Portal Comunique-se.

Na conversa, aliás, Joaquim de Carvalho cita a imprensa em outros momentos. Na visão dele, por exemplo, houve falha, sobretudo, ao se destacar desde o início da história de que Adélio Bispo de Oliveira, autor da facada contra Bolsonaro, seria um militante da esquerda. Nesse sentido, o material exibido pelo Brasil 247 reforça que Adélio chegou a ser filiado do PSD, partido presidido nacionalmente pelo ex-ministro Gilberto Kassab, e esteve num clube de tiro de Santa Catarina no mesmo dia em que o vereador carioca Carlos Bolsonaro (o filho 02) realizou atividades no local.

Com a parte envolvendo o clube de tiro e admitindo que há perguntas sem respostas, o produtor do documentário pede a reabertura das investigações a respeito da facada sofrida por Jair Bolsonaro. Para isso, ele observa que a cicatriz do ataque teria, inclusive, mudado de lugar no abdômen do hoje presidente da República. Sobre essas questões e as dificuldades de se produzir uma reportagem nos tempos atuais, Joaquim de Carvalho conversa com a reportagem do Portal Comunique-se.

Confira, abaixo, a íntegra da entrevista com o jornalista Joaquim de Carvalho:

PRÉ-PRODUÇÃO

Quando e por que surgiu o interesse em se dedicar à produção de um documentário sobre o caso da facada sofrida por Jair Bolsonaro?

Eu e o Leonardo Attuch [fundador e diretor de redação do Brasil 247] conversamos sobre o projeto em julho deste ano, depois que Jair Bolsonaro explicou mais uma vez politicamente o episódio, ao relacionar o Adélio a partidos políticos. É um direito dele, mas, da parte da imprensa, era um dever apurar o episódio, inclusive sobre a militância política do Adélio.

Foi o que fizemos e a afirmação categórica que posso fazer é: Adélio não era mais um militante de esquerda. Pela postagens no Facebook, é possível ver que suas ideias estão próximas do bolsonarismo. Ele, por exemplo, defende enfaticamente o projeto de emenda constitucional que tem Bolsonaro como um dos autores e que reduziria a maioridade penal. Adélio chega a usar a expressão “cidadão de bem” e pede a Deus bênção aos policiais militares.

Quais foram as maiores dificuldades enfrentadas para conseguir tirar o projeto do papel e, assim, realizar o documentário?

A primeira dificuldade é o financiamento. O 247, como fizemos em outras ocasiões, recorreu ao financiamento coletivo. E a comunidade maravilhosa do site e do canal apoiou o projeto. Outra dificuldade é a reação das pessoas envolvidas (não estou falando de forma pejorativa) no episódio. Poucas falaram. Mas as que falaram deram boas informações.

Há meses, você e o Brasil 247 já haviam anunciado o interesse de produzir uma grande reportagem sobre a história da facada. Vocês chegaram a receber ameaças?

Ameaças por rede social — na verdade, xingamento. Mas nada que nos intimide. Uma pessoa me agrediu quando fazia a reportagem [o momento é exibido no documentário]. E duas chamaram a polícia. Talvez por medo da repercussão do caso.

O caminho da imprensa independente é o financiamento do público

Joaquim de Carvalho sobre a participação do público em prol do jornalismo

Você e o Brasil 247 fizeram questão de valorizar a participação do público para a realização desse trabalho. Acredita que cada vez mais a imprensa, seja ela nativa digital ou oriunda de plataformas tradicionais, deve investir em projetos de financiamento coletivo?

Eu não tenho dúvida disso. O caminho da imprensa independente é o financiamento do público. O ideal é o maior número de assinantes, e isso tem ocorrido. Assim, no futuro, talvez não precisemos captar por projeto, mas ter um orçamento que garanta a realização de reportagens investigativas. 

Para a produção desse documentário, quantas pessoas colaboraram com o programa de financiamento coletivo? Qual foi o valor arrecadado?

Arrecadamos cerca de R$ 67 mil (acima do que pedimos, que foi R$ 60 mil). A diferença tem sido usada para produzir os ‘Dossiês 247’, em que tratamos de temas relevantes, como a economia chinesa, país que é o maior parceiro comercial do Brasil.

O jornalista Joaquim de Carvalho. (Imagem: Divulgação)

SOBRE O DOCUMENTÁRIO

No documentário, você mostra que: Adélio Bispo foi filiado ao PSD e esteve num clube de tiro em Santa Catarina no mesmo dia em que Carlos Bolsonaro passou por lá. Acredita que a imprensa, em geral, falhou em não se atentar a essas questões?

Encontramos no inquérito um documento em que Adélio pede em carta protocolada no PSD desfiliação do partido. Ele também tinha em seus pertences o cartão do deputado Marcos Montes, que é bolsonarista, embora filiado ao PSD, e hoje faz parte do governo, como número 2 do Ministério da Agricultura.

O PSD reclamou. Disse que ele [Adélio] não foi formalmente filiado. Sim, mas era um filiado de fato. A carta de desfiliação é do final de 2016. Ele tinha se desligado formalmente do PSOL em 2014. A imprensa falhou. Comprou a narrativa do “militante-de-esquerda-que-tentou-matar-Bolsonaro”.

Agentes da Polícia Federal que acompanhavam Bolsonaro no dia da facada e foram promovidos. Presença de “seguranças voluntários”. O segurança Renato que surgiu com a faca que teria sido usada pelo Adélio. Cicatriz que teria mudado de lugar. A dona do clube de tiro que se tornou próxima da família Bolsonaro. De tudo que você apurou, o que mais te chamou a atenção nessa história?

O que pode desvendar o caso é uma perícia nas cicatrizes e a análise do prontuário do Hospital Albert Einstein, que não foi entregue à Polícia Federal (PF). Por isso, tecnicamente, o que mais me chamou a atenção é a mudança de lugar da cicatriz. Também me chamou a atenção a militância de direita do Adélio. Outra coisa que eu destaco: a presença de Adélio e Carlos Bolsonaro no clube de tiro, no mesmo dia. A polícia teria que ter investigado isso, inclusive com análise de câmeras.

Para quem assistiu ao documentário fica evidente que em Juiz de Fora (MG) a história é considerada tabu. Enquanto jornalista, como foi o seu trabalho em conseguir convencer as pessoas envolvidas no caso a concederem entrevistas?

Muita gente se recusou a falar. Mas eu insisti, fiz plantão na porta de casas. Pelo menos 10 pessoas que procurei não falaram comigo. Mas eu apurei histórias consistentes sobre elas. E o que pude afirmar está no documentário.

Houve fakeada no sentido de que a história narrada oficialmente é falsa

Joaquim de Carvalho sobre o ocorrido com Bolsonaro em 2018

Em mais de uma passagem do documentário, você cita o nome de Gustavo Bebianno (ex-aliado de Bolsonaro que morreu em 2020) e destaca que ele reforçava o fato de Carlos Bolsonaro ter feito questão de ir à viagem a Juiz de Fora. Você acredita que Bebianno tinha algum segredo a respeito do episódio da facada?

Acredito que sim. E aproveito a entrevista para novamente fazer um apelo. Se ouviu de Bebianno algo ou se tem algum documento, me procure. Meu e-mail é joaquim@brasil 247.com.br.

Por tudo que foi apurado e, consequentemente, exibido no documentário… para você, Jair Bolsonaro foi vítima de uma facada ou “fakeada”?

Houve fakeada no sentido de que a história narrada oficialmente é falsa — Adélio não tinha uma ideologia “diametralmente oposta” à de Bolsonaro. Quanto ao que ocorreu no calçadão da Halfeld [via de Juiz de Fora], não tenho elementos para fazer nenhuma afirmação por enquanto. Se houve facada por iniciativa de um “louco solitário”, se foi uma facada armada pelo próprio bolsonarismo, se não houve nada, se foi facada leve. Tudo isso estou apurando. Mas o caso como apresentado oficialmente não fecha.

O jornalista na redação do portal Brasil 247, em São Paulo. (Imagem: Divulgação)

CRÍTICAS E REPERCUSSÃO

Após a divulgação do documentário no YouTube da TV 247, o deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP) avisou que pedirá a abertura de uma CPI para apurar o caso. Acredita que esse trabalho poderá, sim, fazer o caso voltar a ser discutido entre autoridades?

A CPI deveria ser aberta, e ela poderia esclarecer tudo. Espero que os deputados enfrentem o tema. Quem não deve não teme. Seria muito interessante ouvir o Adélio (eu pedi a entrevista, mas a Justiça não autorizou) e analisar prontuário, a cicatriz e aprofundar o que houve no clube .38.

Além do Frota, alguma outra autoridade se manifestou em relação a uma possível reabertura do inquérito sobre a facada?

Não, o que é uma decepção. Por que não querem investigar?

Em quatro dias no ar, o documentário registra mais de 800 mil visualizações no YouTube. Independentemente do teor do material, você acredita que ele serve para provar que há demanda para o consumo de grandes reportagens em canais digitais?

Sem dúvida, há essa demanda.

Espero que os deputados enfrentem o tema. Quem não deve não teme. Seria muito interessante ouvir o Adélio

Joaquim de Carvalho sobre a possibilidade de abertura de CPI

Sam Pancher (Metrópoles), Rafael Moro Martins (The Intercept Brasil) e Kiko Nogueira (DCM) criticaram o documentário. Em geral, sugeriram que você teria ajudado a propagar teorias da conspiração. Moro Martins chegou a falar em “canalhice” de sua parte. O que dizer a esse tipo de crítica?

Lamento e acho um retrato da pobreza de setores da nossa imprensa. Em vez de me atacarem, por que não apuram o caso? Acho que é resultado de uma certa inépcia misturada à preguiça. A imprensa ficou muito adjetiva, pouco substantiva. Precisamos fazer renascer a reportagem. Ela é a razão da imprensa.

Diante da audiência, das críticas e da possibilidade de abertura de uma CPI, acha possível a produção de uma “parte II” do documentário?

Sim, queremos fazer a parte II.

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Anderson Scardoelli

Jornalista "nativo digital" e especializado em SEO. Natural de São Caetano do Sul (SP) e criado em Sapopemba, distrito da zona lesta da capital paulista. Formado em jornalismo pela Universidade Nove de Julho (Uninove) e com especialização em jornalismo digital pela ESPM. Trabalhou de forma ininterrupta no Grupo Comunique-se durante 11 anos, período em que foi de estagiário de pesquisa a editor sênior. Em maio de 2020, deixou a empresa para ser repórter do site da Revista Oeste. Após dez meses fora, voltou ao Comunique-se como editor-chefe, cargo que ocupou até abril de 2022.

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