Pesquisas apontam impacto direto da pandemia na vida dos jornalistas
Os jornalistas brasileiros convivem com aumento do estresse e da ansiedade e enxugamento de benefícios e da renda mensal em meio à pandemia. Esses foram os resultados de pesquisa realizada pela Federação Internacional dos Jornalistas (IFJ, na sigla em inglês) de 26 e 28.abr.2020.
O levantamento on-line recebeu respostas de 1.300 jornalistas de 77 países. Brasileiros foram os que mais participaram, contabilizando 22% das respostas (289). Segundo números divulgados pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), que capitaneou a pesquisa no Brasil, 61,25% (177) dos profissionais afirmaram ter notado aumento da ansiedade e do estresse. Outros 26% (75) relataram perda de benefícios e salário.
Entre o perfil dos participantes, 51,53% são mulheres e os outros 48,47% são homens. Enquanto 53% possuem vínculo empregatício formal, os outros 47% trabalham como freelancers. Os jornalistas também relataram ter convivido com restrições legais para executar o trabalho desde a chegada do novo coronavírus no Brasil. Um terço afirmou que tem coberto temas diferentes dos que acompanhava antes da crise de saúde.
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A presidente da Fenaj, Maria José Braga, avalia que a pandemia e a postura de algumas empresas fomentaram a tensão já inerente à rotina dos profissionais. “Jornalistas são uma das categorias mais submetidas ao estresse, mas, agora, há duas mudanças significativas”, diz.
Braga elenca as alterações no ambiente de trabalho e os prejuízos nos vínculos empregatícios como potencializadores da ansiedade e do estresse para os profissionais. No primeiro caso, o trabalho remoto pode ser causador de ainda mais estresse. “Temos visto que o profissional fica em um alerta constante e que, muitas vezes, não há delimitação do horário da jornada”. No caso dos jornalistas que continuam na cobertura presencial, a necessidade de redobrar cuidados de prevenção e a possível exposição ao vírus também agravam a situação, segundo explica Braga.
Já no segundo caso, afirma que “a pandemia também foi usada como justificativa para medidas prejudiciais nas relações de trabalho, como a redução da jornada com redução salarial, ou mesmo a suspensão do contrato de trabalho”.
Outras organizações também estão monitorando o agravamento da saúde mental na categoria por preocupações semelhantes às da Fenaj. O Centro de Pesquisa em Comunicação e Trabalho, da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, realizou estudo recente sobre os impactos da pandemia na vida dos comunicadores, que terá os resultados publicados em breve.
Mudança impactante também para os jornalistas
Roseli Fígaro, coordenadora do CPCT, explicou à Abraji que 557 profissionais — sendo 75% jornalistas — responderam às perguntas de 5 a 30.abr.2020, período que corresponde ao início das políticas de afastamento social. As respostas vieram de 24 unidades da federação, além do Distrito Federal.
Os profissionais apontaram a reorganização da rotina profissional como um dos principais desafios enfrentados. Em relação aos principais medos, 60% colocaram em primeiro lugar o contágio pela covid-19, enquanto outros 40% mencionaram o medo do desemprego.
“Podemos dizer que, nas últimas décadas, as condições de produção dos profissionais da comunicação vêm piorando. A pandemia adiantou um processo que já estava em andamento: a virtualização das redações”, explica Figaro. A especialista questiona, no entanto, o custo dessas rápidas transformações para os jornalistas.
72% dos participantes da pesquisa afirmaram que houve intensificação da jornada de trabalho, tanto em relação ao ritmo quando às horas trabalhadas. As respostas indicaram um aumento que variou de 2 a 6h por dia.
“A redação virtual é bacana, mas é preciso pensar como se faz isso: o tempo de trabalho, a gestão e as plataformas usadas. Os custos operacionais têm sido todos do comunicador — computador, celular, internet, energia elétrica”, descreve a professora da ECA-USP.
“O trabalhador está sendo levado ao extremo com o aumento de horas trabalhadas, a intensificação do ritmo e a renormalização ampla dos processos produtivos na qual ele tem que se reinventar por conta própria, sem qualquer manual”. A consequência, avalia, é o agravamento do estresse emocional.
Outra questão apontada pela pesquisa como delicada para o quadro de tensão dos comunicadores é a preocupação constante com a sociedade e o bem público. “Notamos uma consciência muito presente da função social dos comunicadores. Isso é importante, mas também traz uma preocupação a mais no decorrer do processo de produção”, explica Figaro.
Psiquiatra relata preocupação com jornalistas
A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) também iniciou esta pesquisa, ainda aberta para a resposta de profissionais da imprensa. De acordo com Antônio Geraldo da Silva, presidente da ABP e da Associação Psiquiátrica da América Latina (Apal), a ideia surgiu de relatos informais coletados de jornalistas. Em um dos episódios, ele ouviu de profissionais da imprensa que jornalistas estavam com dificuldade de diferenciar se a falta de ar que passaram a sentir no dia a dia era um sintoma da covid-19 ou de um quadro de ansiedade.
“Estresse é uma palavra que não vem da medicina, é emprestada para medir a tolerância a algo. E o jornalista, que estava acostumado com uma rotina, agora já soma três meses trabalhando em uma situação atípica”, descreve. “Outro conceito importante nessa discussão é a resiliência, outra palavra emprestada pela medicina que está ligada à adaptabilidade. É importante reforçar que a adaptação de cada jornalista é diferente e deve ser respeitada”, completa.
A pesquisa da ABP com jornalistas dá continuidade a outros monitoramentos também feitos pela associação com profissionais na linha de frente do combate à pandemia. Todos sinalizaram preocupação com a saúde mental. No primeiro monitoramento, a pesquisa coletou respostas de trabalhadores do Sistema Único de Saúde (SUS). O levantamento, que esperava a participação de uma média de 2 mil profissionais, teve 220 mil respostas, e os dados ainda estão em análise.
De acordo com o presidente da ABP, o cenário que se desenha é de que a sociedade experimentará uma ‘quarta onda’ da pandemia, marcada pelo agravamento das doenças mentais. “Índices de suicídio, depressão, ansiedade, consumo de álcool e drogas aumentarão”, afirma.