O artigo de Antonio Risério publicado no último fim de semana na Folha de S. Paulo gerou onda de críticas, que culminou na carta de mais de 200 profissionais do jornal contra o conteúdo, mas também de apoio ao antropólogo. Criado na tarde de quarta-feira, 19, o movimento em favor do articulista ultrapassa, até o fim da tarde desta quinta, 700 assinaturas virtuais.
O texto que se apresenta em defesa do escritor e contra o “identitarismo” faz elogios à bagagem literária de Risério, além de colocá-lo como alguém que, diferentemente das críticas, repugna a escravidão. “Um dos melhores leitores vivos da nossa cultura, está claro que ele considera a escravidão uma instituição moralmente repugnante, e que ele busca entender como seres humanos que não são monstros poderiam ter convivido com ela no passado”, afirma trecho do material formulado pelos defensores do antropólogo baiano.
Está claro que ele considera a escravidão uma instituição moralmente repugnante
“É preciso fôlego para entender como ex-escravos se tornavam senhores de escravos. Risério tem esse fôlego; seus canceladores, não”, prosseguem os apoiadores do articulista, que, além de defenderem o teor do artigo “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo”, elogiam Sinhás Pretas da Bahia: Suas Escravas, Suas Joias — livro lançado por Risério em setembro do ano passado.
Dos 719 registros (atuais) em apoio ao articulista, 42 são de pessoas que se classificam como jornalistas. Nessa lista está, por exemplo, o ex-participante do ‘Big Brother Brasil’ e comentarista da Jovem Pan, Adrilles Jorge. Colunista da Folha e também alvo da carta dos jornalistas da publicação, Leandro Narloch é outro nome a figurar entre os apoiadores do antropólogo baiano.
Fora a carta, Antonio Risério também recebeu apoio de ao menos dois integrantes da chefia da Folha de S. Paulo. Sem citá-lo nominalmente, o diretor de redação do jornal, Sérgio Dávila, cravou que o veículo não “publicou artigos que relativizam ou fazem apologia do racismo”. Editor de ‘Ilustríssima’ e responsável por aprovar o texto do antropólogo, Marcus Augusto Gonçalves afirmou, em nota, que o material assinado pelo articulista “se inscrevia nos limites do debate público”.
Abaixo, a íntegra da carta assinada — até o momento — por 719 pessoas em defesa do antropólogo e escritor baiano Antonio Risério:
Carta Aberta de Apoio a Antonio Risério e Oposição ao Identitarismo
Nos últimos quatro meses, o antropólogo baiano Antonio Risério foi alvo de duas reações de parte da classe intelectual nacional por suas obras sobre raça. Em setembro de 2021, seu livro As Sinhás Pretas da Bahia: Suas Escravas, Suas Joias foi resenhado por Leandro Narloch. A resenha atraiu não apenas críticas, mas chamados pela demissão de Narloch, a quem muitos atribuíram o conteúdo do livro. Não há, ao contrário do que dizem esses críticos, nenhum delito moral no livro ou em sua resenha: Risério, que escreve há décadas sobre o assunto, divulga pesquisas a respeito de personalidades reais da história brasileira que complexificam o modo como entendemos as relações sociais da época da escravidão.
Nos escritos de Risério, que é um dos melhores leitores vivos da nossa cultura, está claro que ele considera a escravidão uma instituição moralmente repugnante, e que ele busca entender como seres humanos que não são monstros poderiam ter convivido com ela no passado. É preciso fôlego para entender como ex-escravos se tornavam senhores de escravos. Risério tem esse fôlego; seus canceladores, não.
Na segunda polêmica, Risério publicou na Folha de S. Paulo um artigo a respeito da universalidade do erro moral que é o racismo, documentando casos em que negros foram, sim, racistas. Falamos “racismo” segundo a definição clássica, do senso comum e do bom senso, registrada em dicionários. Um dos projetos intelectuais do autor, a oposição ao pós-modernismo e à teoria crítica, que fundaram o identitarismo, o leva a essa condenação. Os identitários querem alterar à força, unilateralmente e sem consultar os falantes da língua, a definição de “racismo” de forma a fazê-lo unidirecional e maleável a seus interesses, alegando que é “relação de poder”.
Esta disputa vai além de uma mera querela semântica a respeito da definição de uma palavra. É um ataque novo ao tratamento igual dos indivíduos perante as normas sociais que herdamos do consenso pós-guerra que nos deu uma Declaração Universal dos Direitos Humanos. Risério é uma voz experiente do segundo campo, suas preocupações são mais que justificadas, e nos posicionamos firmemente contra tentativas de censurá-lo.
O mal-estar que Risério causa é absolutamente necessário para que os identitários, anti-universalistas, relativistas e revanchistas saibam que a oposição existe e não será dobrada, não importa quantas grandes empresas tenham ao seu lado em sua cruzada pela desigualdade moral. Não se trata de colecionar casos em que negros foram senhores de escravos ou cometeram racismo contra pessoas não-negras: trata-se de reafirmar que ninguém é inerentemente bom ou mau por causa da cor, então ninguém tem carta branca para desumanizar ninguém.
Antonio Risério é no momento uma das vozes mais importantes do país, sobretudo por fazer oposição a uma ideologia intolerante e autoritária. Manifestamo-nos com um apelo para que sua livre expressão seja respeitada.
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